“Por que no Brasil vocês sempre acham que a política está usando o futebol para algo? Não acha essa visão muito pobre?”. Há cerca de quatro anos essa pergunta me foi feita por Julio Frydenberg, o maior historiador acadêmico argentino a se dedicar ao futebol. Confesso que na hora fiquei surpreso com a pergunta. E no tempo que se passou desde então nunca vi historiador ou jornalista brasileiro se referir à relação política-futebol sem pensar em termos de manipulação.
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Naturalmente, a eleição de Mauricio Macri será lida dessa maneira por aqui. O Brasil é um país auto-centrado em que pouco se sabe sobre a realidade de outros países, principalmente sobre os vizinhos. Não há dúvidas de que se associa a vitória de Macri ao Boca Juniors, clube que presidiu e onde é forte a ponto de ser o responsável pela eleição do atual presidente. Como se não existisse o desgaste do kirchnerismo, o histórico antiperonismo de algumas províncias, a alternância natural de poder, etc. Para muitos brasileiros, Macri foi eleito pelo Boca Juniors.
Sendo assim, se espera que o Boca vá ganhar todos os campeonatos, ser ajudado em todos os jogos e vencer todas as disputas de bastidores. Como se o Gimnasia LP tivesse conquistado algo nos anos de Cristina Kirchner ou o Racing tivesse sido beneficiado pelo governo Néstor. Na verdade, é importante lembrar que Eduardo José Farah se gabou em toda a sua gestão de presidente da Federação Paulista do fato de que nela o Guarani, seu clube do coração, jamais havia vencido nada. Usava isso como atestado de idoneidade. Um título conseguido pelo Boca na base do apito na gestão Macri seria visto como intervenção do governo. Alguém é ingênuo a ponto de acreditar que um político colocaria sua paixão clubística acima de sua carreira?
E, no caso argentino, brasileiros têm uma tendência histórica a achar que o futebol é controlado pela política. Basta ir ao google que você encontrará dezenas de matérias em 2011 “mostrando” que a Copa América foi inteiramente manipulada pelo governo kirchnerista para suas finalidades. Havia sedes que votavam no governo? Era para premiar a lealdade. Havia sedes em que não se votava no governo? Era uma tentativa de reverter a situação. Havia sedes no meio do caminho? Era para decidir a situação a favor do governo. Em suma, não havia a possibilidade de se ter alguma sede não escolhida para ajudar o governo.
O mesmo se aplica ao Fútbol Para Todos, programa governista de transmissão das partidas. Por aqui, se ignora que as partidas eram mostradas apenas em PPV e sequer os gols poderiam ser exibidos até que no domingo à noite aparecessem no programa Fútbol de Primera, do canal 13, do poderoso grupo Clarín, proprietário dos direitos em PPV. Se fala do assunto como se do nada o governo tivesse resolvido se meter onde não devia por ser “populista”. Uma mescla de ignorância com aceitação acrítica do que dizem alguns “especialistas” que simplesmente reproduzem as manchetes dos jornais da direita argentina. Naturalmente, o kirchnerismo se aproveitou da situação para se apresentar como democratizador de um patrimônio nacional, mas isso só aconteceu porque havia uma situação prévia de monopólio abusivo que favoreceu isso, algo solenemente ignorado por essas “análises”.
Dificilmente Macri poderá mexer muito no Fútbol Para Todos. São seis anos e meio em que todas as partidas da primeira divisão e muitas da segunda são transmitidas pela TV aberta. Voltar à elitizante situação anterior teria um imenso custo político. Pode haver mudanças no formato (profissionais envolvidos, tamanho das verbas, etc.), mas dificilmente uma mudança significativa para os telespectadores. O mesmo vale para outras intervenções governamentais que visavam mostrar o kirchnerismo como agente democratizador, como a Copa Argentina. Muito provável que tenhamos mudanças para mostrar que o novo governo é melhor que o anterior, mas dificilmente algo radical.
Talvez muitos possam achar esse ponto de vista ingênuo. De minha parte, ingenuidade é achar que a relação entre política e futebol é simplesmente uma questão de manipulação. Que os dominantes queiram usar o futebol para suas finalidades é óbvio. Que possam fazer isso a seu bel prazer é desconsiderar amplamente que existe um contexto que limita as possibilidades de ação. Ingenuidade também é achar que políticos colocariam uma paixão clubística acima de seus projetos pessoais. Quem acha que Macri vai governar para o Boca Juniors precisa entender um pouquinho melhor a política.
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