Nunca na final, San Lorenzo só chegou a 4 semis de Libertadores

Cuervos comemoram ontem no Mineirão: o elenco atual irá mais longe??

Marcado como o único dos cinco grandes argentinos ainda sem a Libertadores, o San Lorenzo no máximo alcançou as semifinais, como na atual. E foram só outras três vezes, incluindo na edição inaugural. Será que, fortalecido pelo Papa (se não divinamente, inegável que animicamente), o Ciclón enfim irá mais longe dessa vez? Vamos aqui relembrar as três anteriores. A primeira foi logo na primeira Libertadores, para o campeão Peñarol. As outras duas, contra outros clubes argentinos. Lembrando que os azulgranas encararão na atual outro compatriota, o Lanús, caso ele vença hoje o Bolívar…

A Libertadores foi criada em 1960, ainda sem esse nome. Na época, era “Copa dos Campeões” mesmo, tal como o torneio europeu que lhe serviu de inspiração. Foi em razão dela que um primeiro certame nacional de clubes no Brasil foi criado, com o Bahia logrando os feitos de ser o primeiro campeão tupiniquim e bater na final o Santos de Pelé. O técnico tricolor era argentino: Carlos Volante.

Já o campeonato argentino teve sua primeira edição em 1891, sendo o mais antigo torneio nacional no mundo fora do Reino Unido, ainda que a rigor sua abrangência geográfica se restringisse historicamente à Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario. O San Lorenzo ganhou suas primeiras taças em uma vitoriosa década de 20, onde foi tricampeão.

Mas desde os anos 30 vinha tendo apenas conquistas bissextas, a cada 13 anos: 1933 (com o brasileiro Petronilho de Brito, irmão do descobridor de Pelé, Valdemar de Brito, sendo grande figura: veja aqui), 1946 e 1959. Os cuervos na verdade também foram um dos dois campeões de 1936, mas somente no ano passado essa taça foi reconhecida. Explicamos o porquê aqui.

A taça de 1959, se foi a única do CASLA nos anos 50, teve o melhor ataque de um campeão na década, com 75 gols. 31 deles foram do implacável José Sanfilippo, maior artilheiro da história do clube e máximo goleador daquele campeonato. E ele fez mais de um gol por partida, pois foram 30 jogos. El Nene já havia sido artilheiro também no anterior e emendaria seguidamente outras duas artilharias – só Maradona foi profissionalmente mais vezes artilheiro nacional.

O primeiro representante argentino na Libertadores: Castillo, Ravecca, Reynoso, Cancino, Iñigo e Tarnawsky, Facundo, Ruiz, Rossi, Sanfilippo e Boggio, “desleixados” semifinalistas em 1960

Mas aquele time não se resumia a ele: ao fim do ano, a Argentina jogou a segunda Copa América de 1959 e levou simplesmente o quinteto ofensivo inteiro daquele San Lorenzo para seu time titular: Héctor Facundo, Miguel Ruiz, Omar García, Sanfilippo e Norberto Boggio, nessa ordem, formaram também o ataque da Albiceleste nos primeiros jogos. Cabe menção ainda ao goleiro Vladimir Tarnawsky, raro estrangeiro que defendeu a Argentina – era ucraniano. O mais ilustre membro aos brasileiros, porém, deve ser um zagueiro reserva: Carlos Bilardo, futuro técnico da Argentina campeã de 1986.

Em 1960, para suprir a ausência médica de García, o San Lorenzo ainda roubou o melhor jogador do arquirrival: Oscar Rossi veio do Huracán (ele é um raríssimo ídolo em comum na rivalidade e o primeiro dos dois únicos que jogaram na seleção vindo dos dois) para marcar o primeiro gol argentino da Libertadores, na vitória por 3-0 sobre o Bahia em Buenos Aires. Em Salvador, os hermanos, ainda que tenham perdido aos 44 do segundo tempo, arrancaram um 3-2 e avançaram. Sanfilippo, que anos depois jogaria e seria ídolo no próprio Tricolor Baiano, fez três gols nesses jogos.

A primeira Libertadores não teve representantes de todos os países da Conmebol, só de sete, que começaram já no mata-mata. Sextas-de-final apontaram os três que se juntaram ao Olimpia na semifinal. Nessa fase, o Ciclón teve de encarar o Peñarol. Na ida, conseguiu arrancar um 1-1 (com sempre ele, Sanfilippo) dentro de Montevidéu.

Mas o clube cometeu o erro histórico de não levar a sério a nascente competição. Torneios envolvendo diferentes clubes sul-americanos até então não eram incomuns e, como o San Lorenzo, não foram poucos os que de início encararam a então Copa dos Campeões como mais uma competição meio amistosa.

Ficou famosa a anedota de que o técnico do Peñarol, Roberto Scarone, notou em conversas com taxistas em Buenos Aires que a Libertadores estava desconhecida pera os argentinos e o público lá na semifinal reforçou isso: só quinze mil viram o empate em 0-0. Se hoje esse resultado colocaria o CASLA na final, na época forçou jogo-desempate, onde o clube cometeu outra furada histórica.

Ayala na semi de 1973 contra o Independiente. Ele marcaria nesse adversário o gol do título mundial de 1974 do Atlético de Madrid

O San Lorenzo teria a condição de local para o play-off, mas simplesmente aceitou cedê-la ao Peñarol. Que venceu por 2-1 em Montevidéu, embora Sanfilippo tenha empatado parcialmente em 1-1 aos 41 do segundo tempo: os uruguaios marcaram o da vitória aos 46, com o mitológico equatoriano Alberto Spencer, maior artilheiro da história da Libertadores. Sanfilippo, único que parece ter entendido o que significava o torneio, faria três gols nas finais de 1963 contra o Santos, mas já pelo Boca.

La Copa pareceu nunca perdoar o despinte azulgrana. Entre 1968 1974, as conquistas bissextas deram lugar a quatro títulos argentinos neste período. Dois deles foram em 1972 – o CASLA foi justamente o primeiro a faturar no mesmo ano tanto o Metropolitano como o Nacional, torneios que dividiram o calendário anual dos principais clubes entre 1967-85: veja aqui. Outro, em 1974. Aquela que provavelmente continua a ser a geração mais festejada do clube o pôs de volta nas semifinais da Libertadores em 1973, naturalmente mesclando os elencos das taças argentinas de 1972 e 1974.

Na época, a Libertadores já vinha sendo bem valorizada pelos hermanos após o vice do Boca em 1963 e os títulos de Independiente (1964-65 e 1972), Racing (1967) e Estudiantes (1968-70). O torneio tinha uma primeira fase duríssima, na qual só o líder avançava. E, para facilitar a logística mais precária da época mas por vezes formando “grupos da morte”, as chaves continham duplas de mesmos países. O Ciclón teve que encarar os bolivianos Oriente Petrolero e Jorge Wilstermann, mas também o River.

Mas foi fácil: perdeu só um jogo, contra o Wilstermann na altitude de Cochabamba, e só por 1-0. E ganhou  os demais, com direito a um 4-0 no River em pleno Monumental, com direito a três gols de Luciano Figueroa, o mesmo que marcara o gol do título nacional de 1972 sobre o próprio River (clique aqui). Dali o time chegou nas semis, que na época não consistiam em mata-matas e sim em uma segunda fase de grupos, em forma de triangular, com o líder indo à grande final.

O azar cuervo foi ter se deparado com o melhor Independiente da história. Detentor do título, o Rojo entrou na competição já na semi. Ele voltaria a ser campeão não só naquele 1973, como também em 1974 e 1975, em um tetra seguido não visto antes ou depois na Libertadores. De início, os azulgranas fizeram tudo direito: ganharam do outro componente, o Millonarios, em casa e arrancaram empate fora – o Independiente ganhou em Avellaneda mas perdeu na Colômbia.

Em 1988, a eliminação foi de novo contra outro argentino, o Newell’s de Scoponi, terceiro goleiro da Argentina na Copa 1994

Os dois últimos jogos do grupo oporiam a dupla argentina e neles o San Lorenzo se atrapalhou. Ficou só no empate como mandante, 2-2 – um dos gols cuervos foi de Rubén Ayala, que contra o próprio Independiente faria o gol do título mundial de 1974 do Atlético de Madrid (o campeão europeu era o Bayern, mas os alemães desistiram e até hoje o Atleti é o único campeão mundial que não venceu continentalmente). Ainda assim, novo empate em Avellaneda pôr-lhe-ia na final. Mas perdeu de 1-0.

Ainda nos vitoriosos anos 70, o San Lorenzo conheceu rápido a crise: em 1979, por pressão da ditadura por conta das dívidas em que o clube se atolava, ele vendeu seu estádio Gasómetro, na época o maior do país. E em 1981 virou o primeiro grande a ser rebaixado – a comoção foi tamanha que a partir de 1983, quando presumivelmente voltaria à elite, ela passou a adotar os famigerados promedios, vigentes até hoje, para definir os rebaixados. O Sanloré só voltou a ter casa própria em 1994, com a inauguração do Nuevo Gasómetro. Passou todos os anos 80 em jejum.

A “década perdida” viu o clube ter de alugar outros estádios e viver em austeridade. O elenco da semi seguinte, em 1988, acabou conhecido como Los Camboyanos (“Os Cambojanos”) pela perseverança estóica em meio a esses desmandos. O time foi vice nacional da temporada 1987-88, mas só se garantiu na Libertadores após vencer a liguilla, minitorneio esdrúxulo que entre 1986-92 envolveu entre do vice ao 7º colocado da elite e o campeão da segundona (!) para apontar a outra vaga na Libertadores.

Os Camboyanos tinham dentre outros Osvaldo Coloccini (pai de Fabricio Coloccini), Blas Giunta (um dos maiores símbolos de raça no futebol argentino, grande ídolo também no Boca) e o goleirão paraguaio José Luis Chilavert, que contudo logo saiu à Europa após a liguilla. Mas o time continuou sabendo se virar. Foi naquela Libertadores 1988 que dois outros celebrados ídolos passaram a reforçar o clube: a dupla Néstor Gorosito e Alberto Acosta. Acosta, 14 anos depois, estaria na vitoriosa Sul-Americana 2002, até hoje a máxima conquista continental cuerva: clique aqui.

Na primeira fase, os argentinos San Lorenzo e Newell’s eliminaram a dupla equatoriana Barcelona e Filibanco. O CASLA, nas oitavas, encarou o Guarani. Empatou em 1-1 em casa, mas soube vencer em Campinas por 1-0, gol de Acosta. Nas semis, deu um tardio troco no Peñarol: 1-0 em casa, gol de Norberto Ortega Sánchez, e um 0-0 segurado em Montevidéu. Nas semis, reencontro com o Newell’s, que venceu em Rosario por 1-0. A fé cuerva na volta foi grande, mas o time do Papa perdeu de 2-1 em Buenos Aires. Com direito a sofrer o primeiro gol da carreira do iniciante Gabriel Batistuta…

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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