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Novo Papa é torcedor de “Los Santos”

Jorge Mario Bergoglio, a partir de hoje Papa Francisco, com uma flâmula do seu San Lorenzo

O time do coração de Jorge Mario Bergoglio, que hoje tornou-se o Papa Francisco, não poderia ser mais condizente com a ocupação de Sua Santidade: é o Club Atlético San Lorenzo de Almagro, onde seu pai jogava basquete – além de ser um dos chamados “cinco grandes” do futebol argentino (junto a Boca, River, Racing e Independiente).

Os sinônimos mais comuns para referir-se aos torcedores e jogadores do San Lorenzo são azulgranas (em referência às cores, azul e grená) e cuervos. Mas los santos, em referência ao santo que dá nome ao clube, também é outro apelido. E os mais comuns não deixam de ter fundo religioso: cuervos (“corvos”) era uma gíria relacionada às cores negras das batinas dos padres. Afinal, o clube surgiu por conta de um cura, também responsável pelas cores adotadas, pois azul e grená são as tintas normalmente atribuídas às roupas de Jesus em pinturas. Além das cores, o padre em questão também pesou na escolha do próprio nome da equipe.

Trata-se de Lorenzo Bartolomé Massa (ou Mazza, segundo outras fontes). Nascido em Morón em 11 de novembro de 1882, escolheu ter vida religiosa quando estudava no Colégio Pio IX. Em 1907, instalou-se em Buenos Aires no Oratório de San Antonio, na rua Treinta y Tres Orientales (ironia: nome maçônico), entre as calles México e Agrelo, no coração do bairro de Boedo. Preocupando-se com o futuro de garotos que viviam apenas a jogar bola nas ruas do bairro vizinho de Almagro, convenceu-os dos perigos da atividade após um deles escapar de um atropelamento apenas por conta da destreza a tempo do motorista.

Aquele padre lhes ofereceu um terreno contíguo à sua capela para que jogassem. Pediu em troca que os protegidos, não muito mais jovens que ele (Massa tinha então 25 anos), estudassem catecismo e comparecessem em missas, moldando o caráter algo temperamental dos garotos; aquele time de rua chamava-se Los Forzosos de Almagro, nome julgado inapropriado pelo mecenas, que convenceu-os a escolher outro.

Sugestões de que “Lorenzo” estivesse incluído no nome não tardaram a surgir entre a garotada. De início, Massa humildemente se posicionou pela recusa do nome “San Lorenzo”, achando um tributo exagerado. Mas os garotos o convenceram de que a denominação, além de homenagear um santo mártir da Igreja Católica, faria referência à Batalha de San Lorenzo, ocorrida nas guerras de independência do então Vice-Reino do Rio da Prata (a colônia que germinou as atuais Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai).

Jogadores do San Lorenzo no ano da fundação, 1908, com o padre Lorenzo Massa ao centro. Federico Monti é o último listrado em pé

Essa batalha, ocorrida nos arredores da cidade santafesina de San Lorenzo, é considerada histórica por ter sido a primeira travada pelo General José de San Martín, o principal herói da libertação nacional – e que hoje jaz em mausoléu na Catedral Metropolitana de Buenos Aires, onde o novo Papa realizava missas. O padre assim aceitou o nome, cuja única ressalva mais forte partiu de um dos mais jovens daqueles jogadores mesmo, Federico Monti. Como os pibes vinham do bairro de Almagro, Monti defendeu ferrenhamente que isso fosse lembrado: “somos de Almagro. Mudem o nome e ponham o que quiserem, mas que diga Almagro, ou eu me retiro”.

Em 1º de abril de 1908, fundava-se oficialmente o San Lorenzo de Almagro. Apesar da insistência de Monti ter sido acatada, o estabelecimento do time em Boedo faria desse bairro o real reduto da instituição. Por essas coincidências históricas, Bergoglio cresceu justamente no bairro de Flores, a abrir o estádio sanlorencista inaugurado em 1993, o Nuevo Gasómetro – nada que retire da torcida a ideia fixa de um dia voltar a Boedo, onde o terreno do Gasómetro original foi vendido em 1979 a preço vil por pressão da ditadura. Há fanáticos que inclusive equiparam essa luta à “a volta à terra santa” tão buscada pelos hebreus.

Ter um torcedor como Sumo Pontífice (foi inclusive Bergoglio quem celebrou a missa do centenário sanlorencista, em 2008), naturalmente, deve tornar-se um orgulho para os demais cuervos. Mas também uma fonte de brincadeira para os rivais: o San Lorenzo, afinal, é o único dos cinco grandes que ainda não venceu a Libertadores. Para piorar, o torneio já foi vencido por Argentinos Juniors, Estudiantes e Vélez Sarsfield, historicamente considerados clubes menos graúdos. Por conta disso, a sigla CASLA, outro apelido do time do Papa, por vezes é traduzida como “Club Atlético Sin (“Sem”) Libertadores de América“.

Piadas do tipo de que só o ocorrido hoje permitiu à instituição uma conquista mundial já surgiram. Mas Lorenzo Massa, por sua vez, viveu para ver o time de rua que ajudou a moldar transformar-se e despertar paixão para muito além dos limites dos bairros de Almagro e Boedo: faleceu em 31 de outubro de 1949, com o San Lorenzo já solidamente sedimentado como um clube “grande” desde a década anterior, usufruído então por mais de 15 mil sócios e amado por muito mais gente país adentro. Tudo no embalo de um clube que chegou à primeira divisão em 1915 e pudera até 1949 ser campeão cinco vezes até ali.

O último desses títulos argentinos acompanhado em vida por Massa foi o de 1946. O atual Papa, que tinha então dez anos de idade, já disse sobre aquela campanha que compareceu em todas as partidas que a equipe disputou no velho Gasómetro.

Mausoléu de San Martín, na Catedral Metropolitana de Buenos Aires. Foto torta batida pelo próprio redator dessa nota

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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