Primeira Divisão

Novo ministro dos esportes da Argentina é ex-jogador do Boca: Carlos Mac Allister

Há exatamente um mês, em 11 de dezembro de 2015, Mauricio Macri amanhecia empossado presidente da Argentina. O ex-presidente do Boca delegou o ministério dos esportes a um ex-jogador do clube: o lateral-esquerdo Carlos Javier Mac Allister (grafado separadamente e pronunciado “Macálister” tanto na Argentina como na Escócia do clã de origem, e não “Mequélister”), ícone dos altos e baixos que os boquenses viveram nos anos 90 antes da chegada de Carlos Bianchi. Apelidado de El Colorado (ou pela abreviação Colo) por ter tido cabelos ruivos antes de perdê-los de vez para a calvície, ele passou brevemente pela seleção argentina. E não foi o primeiro caso de ex-jogador a se tornar ministro da república.

Seus mais próximos antepassados europeus identificados pelo típico sobrenome escocês Mac Allister eram irlandeses mesmo, embora o ex-jogador não esbanje maior relação com isso (“mas me encantaria conhecer a Irlanda. Algum dia irei”, comentou em entrevista à revista El Gráfico em 2008). Mac Allister foi um lateral-esquerdo não tão técnico quanto Silvio Marzolini e nem tão rústico quanto Enrique Hrabina, dois grandes ídolos que o Boca tivera na função. Foi revelado no Argentinos Jrs quando o Bicho vivia seu auge, recém-bicampeão argentino seguido (Metropolitano 1984 com Nacional 1985, primeiras taças do clube na primeira divisão) e da Libertadores em 1985. A taça continental serviu para classificar automaticamente o campeão à fase triangular-semifinal da edição 1986 e, para poupar os titulares, alguns reservas ganharam espaço em jogos paralelos pelo campeonato argentino.

Pinçado na província de La Pampa, onde atuava no ignoto General Belgrano da cidade natal de Santa Rosa, Mac Allister estreou em 28 de setembro de 1986 pelo Argentinos Jrs, pela 12ª rodada da primeira divisão de 1986-87 – em uma formação realmente reserva, valendo destacar os nomes de Néstor Lorenzo (futuro titular com a seleção na final da Copa 1990), Fernando Cáceres (por sua vez titular na Copa 1994, embora só constasse na súmula daquele jogo como reserva não utilizado), César Mendoza (goleiro reserva do Paraguai na Copa 1986 e presente em campo no histórico triunfo sobre o Fluminense no Maracanã na Libertadores 1985), e dois irmãos de gente famosa: Hugo Maradona, que havia demonstrado luz própria na seleção sub-17 no ano anterior, e o panamenho Armando Dely Valdés, caçula do artilheiro Julio César.

O Boca venceu por 2-1, em partida realizada no estádio do Ferro Carril Oeste. Mac Allister só jogou uma outra vez naquela temporada, na 22ª rodada, dessa vez como opção de banco acionada no decorrer de derrota dos titulares por 1-0 para o San Lorenzo (também no campo do Ferro). Na temporada seguinte, foi limitado a uma derrota dos reservas que visitaram o Banfield, vencedor por 2-1 na 32ª rodada. A titularidade ao lateral enfim veio no campeonato de 1988-89, com 24 partidas na temporada regular e mais sete pela liguilla, além de até três golzinhos – enquanto seu irmão Patricio acabava inclusive incorporado pelo Estudiantes.

O Argentinos Jrs, que nas duas temporadas anteriores vinha fazendo campanhas medianas, fez fez um grande primeiro turno, finalizado a quatro pontos dos líderes – e, ainda que terminasse apenas em 7º ao fim da temporada 1988-89, foi semifinalista tanto na liguilla pre-Libertadores como na Supercopa, torneio onde eliminou Flamengo e Cruzeiro. A temporada 1989-90 já tornou a ser mediana na liga argentina (apenas 9º), mas a sequência renderia nova classificação para cima do Flamengo na Supercopa 1990, edição onde o Bicho parou nas quartas-de-final. Em paralelo, se firmava outro jovem de oportunidades ainda raras entre 1985 e 1987, ninguém menos que Fernando Redondo.

No Argentinos Jrs, onde mais tempo ficou: contra Renato Gaúcho por alguma Supercopa. À direita, comemorando a Copa Ouro, seu momento de herói: fez o gol do título no Atlético Mineiro

Uma vez enfim titulares, a dupla não chegou a manter o ritmo vencedor do Argentinos Jrs, mas os colocamos no time dos sonhos na ocasião dos 110 anos da instituição (clique aqui): Redondo, pela elegância que lhe rendeu as primeiras chances na seleção – não foi por vontade própria à Copa de 1990; e Mac Allister, pela longevidade – foram sete anos no semillero, com um temperamento de quem já trabalhava antes mesmo da morte precoce do pai, que perdera aos oito anos. “Meu pai era fanático pelo Independiente. (…) Eu queria jogar no Independiente, embora fosse torcedor do Boca. (…) E olha as coisas da vida: terminei jogando no Racing”, declarou naquela entrevista à El Gráfico.

A ida ao Racing veio já veterano. Antes, a casaca rival que quase vestira fora a do River mesmo: “fiz uma prova muito boa e fiquei, mas as coisas não estavam bem organizadas. Adolfo Pedernera se aproximou e me explicou que só podiam dar-me meia pensão, mas eu não tinha os recursos e tive que voltar. Depois fui ao Argentinos e aí fiquei (…). Me deram casa e comida. [José] Pekerman foi um maestro, um amigo”. No clube de La Paternal, ainda viria uma última grande campanha com o 4º lugar no Apertura 1990.

“Sempre soube (que jogaria futebol). O futebol me deu tudo, mas eu lhe dei tudo. O futebol não me presenteou nada, tudo me foi cobrado, e eu paguei com gosto”. Cobranças não faltaram mesmo por parte da exigente torcida boquense quando os auriazuis o contrataram de um Argentinos Jrs já sob declínio, em 1992. Mac Allister chegou a ser vaiado durante todo um primeiro tempo, mas perseverou e naquele mesmo ano foi titular do elenco campeão do Apertura.

“O povo não é idiota, se dava conta de que eu me matava pela camiseta. (…) Um jogador que é o mais lento de todos os plantéis dos que participou, como eu, tinha que ser inteligente para antecipar a jogada. Um jogador que está durante vários anos entre os mais baixinhos do futebol argentino, como eu, tinha que trabalhar muito para cabecear bem”. O Boca não sabia o que era ser campeão argentino havia onze anos, seu maior jejum nacional, perdurado desde a maradoniana taça do Metropolitano 1981. Saiba mais.

Um semestre depois, novo título, dessa vez com o lateral ainda mais protagonista. Em 1992, ainda antes da chegada dele, o Boca havia vencido a Copa Master, competição que envolvia todos os campeões da Supercopa, por sua vez um torneio que reunia os campeões da Libertadores. Em 1993, então, foi criada a Copa Ouro, um mata-mata entre os vencedores de 1992 da Copa Master (o próprio Boca), da Supercopa (Cruzeiro), da Libertadores (São Paulo) e da Copa Conmebol (Atlético Mineiro). O Boca foi campeão com Mac Allister marcando o gol do título, sobre o Atlético. Por cinco anos longos demais a um gigante, aquela seria a última taça oficial do Boca até 1998, já na Era Carlos Bianchi.

colo03
Sua figurinha no álbum da Copa de 1994 e nos outros clubes que defendeu: por Racing e pelo Ferro Carril Oeste contra Martín Palermo, lembrando até um típico leprechaun do folclore da Irlanda, país de antepassados de Mac Allister

Na mesma entrevista à El Gráfico, lembrou do lance como o gol que mais gritou na sua vida: “creio que o que fiz no Atlético Mineiro quando ganhamos uma copa para jogar contra o Real Madrid. Depois, viajamos à Espanha e também fiz um gol no Real, mas o outro gritei muito mais”. Meses depois, El Colorado chegou de emergência à seleção. A Argentina havia levado de 5-0 da Colômbia em Buenos Aires (relembre) e precisou disputar a repescagem para ir ao mundial de 1994: veja aqui.

O lateral jogou três vezes pela Albiceleste, todas no fim de 1993: as duas repescagens contra a Austrália e um 2-1 amistoso contra a Alemanha. Apesar do retrospecto invicto e de ser incluído no álbum da Copa, terminou não convocado. Muito se afirma que isso se deveu ao baile que sofreu do jovem Ariel Ortega em derrota em plena Bombonera em Superclásico no primeiro semestre de 1994. O Boca não perdia em casa do River havia oito anos. Alfio Basile decidiu convocar José Chamot para a vaga, além de chamar o próprio Ortega, que sequer havia participado das eliminatórias.

“Foi uma grande injustiça. Mas o esporte é assim, não guardo rancores. Creio que Ortega é um dos melhores jogadores do futebol argentino. Também creio que joguei muitos clássicos e ganhei quase todos (…). Chorei quando me inteirei de que não ia ao mundial. Eu merecia ir. Creio que me avisou minha ex-esposa. Me disse que havia telefonado Basile umas três vezes e que queria me avisar que não iria”. O Boca, em contrapartida, passou quase todos os anos 90 invicto em pleno Monumental de Núñez (confira). Mac Allister ficaria nos auriazuis até meados de 1996, quando foi mandado ao Racing justamente no primeiro ano da presidência de Mauricio Macri nos xeneizes: ironia.

Outra ironia é que quem limpou o Colorado do Boca foi um ídolo seu: o técnico Carlos Bilardo. “Maradona havia dito que se viesse Bilardo, ia embora. Então lhe disse: ‘deixe-o que venha, Diego, que há, se você ele não vai ferrar?’. Eu queria trabalhar com Bilardo, queria ver como era trabalhar com ele, porque tinha orientações bilardistas (…). O gracioso é que terminei convencendo Diego para que deixasse vir El Narigón, e o outro terminou expulsando a mim”, afirmou naquela entrevista. “Eu não vou acordar um jogador às 3 da manhã para dizer-lhe como quero que jogue. El Narigón é um personagem. Eu creio que o tempo pôs as coisas no seu lugar. A passagem dele no Boca foi um fracasso”.

No primeiro semestre de 1996, sob o comando técnico de Bilardo, o Boca conseguia tanto vencer por quatro gols o River como levar de 6-0, também em casa, do Gimnasia LP, ou de 5-1 do Vélez, jogo onde o lateral foi expulso. Na Libertadores de 1997 pelo Racing, parou nas semifinais (falamos aqui). Por fim, atuou nos últimos anos do Ferro Carril Oeste na elite. Cansado, parou de jogar ao fim da temporada 1998-99, aos 31 anos. Virou um técnico modesto e antes de assumir a pasta federal dedicava-se também ao Deportivo Mac Allister, clube formado pela família na cidade natal.

colo04
Morresi (de gravata) e Perfumo (de amarelo) fazendo a transição em 2004. Na imagem ao meio, Ivanissevich. E Mac Allister no ano passado na campanha do hoje presidente Macri

O ministério dos esportes vem sendo ocupado maciçamente por ex-jogadores desde o início do século. O primeiro a ocupar o cargo na Era Kirchner, em 2003, foi ninguém menos que Roberto Perfumo, zagueiro de destaque na seleção (capitão na Copa de 1974), no Racing (símbolo da Libertadores e Mundial vencidos pelo clube, em 1967), no Cruzeiro (eleito para o time dos sonhos da Raposa, em 2006) e no River (fundamental na quebra do jejum de dezoito anos dos millonarios, em 1975).

El Mariscal, porém, não ficou muito tempo, renunciando em 2004 e sendo substituído pelo ex-atacante Claudio Morresi, que já trabalhava no governo federal como subsecretário de desenvolvimento e fomento – outro cotado era o ex-árbitro Javier Castrilli, “bem lembrado” pelos torcedores de Corinthians e Portuguesa. Morresi se destacara nos anos 80 como artilheiro de duros tempos do Huracán e foi importante no River campeão argentino de 1985-86, ainda que tenha decaído em seguida e passado à reserva quando o time, ainda em 1986, venceu pela primeira vez Libertadores e Mundial. Ocupou o ministério durante toda a Era Kirchner.

Mas o exemplo mais forte é de Oscar Ivanissevich, a ponto de ele ter se tornado mais famoso como membro do governo do que como jogador. Ele foi ministro de educação do governo de Perón entre 1948 e 1950 e também no da viúva deste, Isabelita, entre 1974 e 1975. Foi embaixador nos EUA entre 1946 e 1948. Considerado um dos autores da canção da Marcha Peronista, se vinculou ao ingresso de criminosos de guerra nazistas – alguns, da Croácia, terra de suas origens. Formado em medicina, havia defendido amadoramente o Estudiantes de Buenos Aires (clube que revelou Lavezzi) e vindo dele jogou uma vez pela seleção argentina, há cem anos, em um 1-0 no Chile em 1916.

Vale lembrar ainda outro esportista célebre argentino a se vincular ao governo federal. Trata-se do maior jogador de rúgbi do país e da América Latina: Hugo Porta, que defendeu a seleção da bola oval do início dos anos 70 até 1990. Eleito melhor do mundo em 1985, foi protagonista das primeiras vitórias argentinas sobre as campeãs do mundo Inglaterra (em Londres), Austrália (em Brisbane), África do Sul (por uma seleção sul-americana composta só por argentinos, em 1984, em Pretória); da única não-derrota contra a outra campeã, a Nova Zelândia, em empate naquele 1985 (marcando todos os pontos dos pumas) e da primeira vitória sobre a outra seleção finalista de Copas, a França (também em 1985). Porta foi embaixador na África do Sul entre 1992 e 1994.

Clique aqui para acessar a página oficial do novo ministro dos esportes.

Atualização em 25-07-2019: três filhos de Mac Allister – Alexis, Kevin e Francis, todos abaixo junto ao pai – chegaram ao time adulto do Argentinos Jrs e os dois primeiros também defenderam o Boca. Clique aqui para acessar nota a respeito.

Alexis, Kevin e Francis Mac Allister junto ao pai, todos de Argentinos Jrs: os dois de camisa vermelha também passaram pelo Boca

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

4 thoughts on “Novo ministro dos esportes da Argentina é ex-jogador do Boca: Carlos Mac Allister

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

cinco − 1 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.