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Nos cem anos do Real Mallorca, relembre seu auge, no embalo argentino (1997-2003)

Razões históricas fazem do futebol espanhol um dos destinos europeus mais comuns aos argentinos. Mas é fora da península ibérica que talvez se encontra a simbiose de mais sucesso entre um clube espanhol e os hermanos: o Real Club Deportivo Mallorca, das Ilhas Baleares. Os rubronegros passaram a maior parte dos seus cem anos, completados hoje, nas divisões inferiores, com um imenso ponto fora de curva na virada do milênio. No embalo argentino, conseguiu o único título dessa história centenária e quase foi campeão continental, glória inédita para equipes bem mais tradicionais de La Liga.

A história dos anos dourados do Mallorca se confunde com a do Lanús dos anos 90. Falamos aqui que Héctor Cúper era o técnico que levara o Granate ao título da Copa Conmebol em 1996, ano glorioso não só pelo título. Em 1996, os lanusenses também aplicaram um 4-0 no clássico com o Banfield, até então a maior goleada grená sobre o rival, que terminaria rebaixado. Já sem o treinador, eles também seriam finalistas da Conmebol em 1997, o comandante da Cúperativa récem-assumia a equipe insular, recém-promovida à elite espanhola.

Cúper não teve pudor em recomendar à sua nova direção beber da fonte que ele tão bem conhecia no Sul da Grande Buenos Aires. Para a  temporada 1997-98, o Mallorca importou o goleiro Carlos Roa (um imprevisível talismã) e o meia Oscar Mena (artilheiro do elenco vencedor da Conmebol 1996). De cara, os recém-promovidos conseguiram um quinto lugar na liga, até então sua melhor colocação no Espanholzão. Foram um osso duro de roer, perdendo só seis vezes fora de casa. E, além da ótima colocação em si, os rubronegros ficaram a apenas cinco pontos do segundo lugar.

Nenhuma derrota foi por mais de dois gols de diferença. Ao contrário: o Mallorca é que goleou algumas vezes (4-0 no vice-campeão Athletic de Bilbao, 6-2 no Sporting Gijón, 5-1 no Tenerife e 4-1 no mesmo Tenerife, fora de casa), além de ganhar do Atlético de Madrid tanto nas Baleares (2-1) como no Vicente Calderón (3-2) – o Atleti havia vencido a liga e a Copa do Rei apenas duas temporadas antes e tinha o artilheiro do campeonato, Christian Vieri. Já o artilheiro do plantel das Baleares era outro argentino recém-contratado: Gabriel Amato, do River campeão da Libertadores de 1996.

Além da 5ª colocação no campeonato, o Mallorca demonstrou de cara força também na Copa do Rei. Chegou pela segunda vez à final e complicou o jogo para o Barcelona. Os azarões primeiro abriram o placar logo no início (em cruzamento de Amato), levando já no segundo tempo o empate de Rivaldo. Nos pênaltis, foram necessárias oito cobranças para cada lado. Roa foi o destaque. Pegou a cobrança do próprio Rivaldo e a de Albert Celades, além de ter frieza para converter a própria, que era a última das cobranças regulamentares.

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O goleiro Roa brilhou em 1998 pela Argentina na Copa e com colegas argentinos no Mallorca, que celebrou a Supercopa da Espanha vencendo o Barça no Camp Nou

Nas alternadas, Roa pegou o chute de Figo e colocou os colegas a uma conversão do título. Mas Jovan Stankovic (justamente o autor do gol no tempo normal) mandou para fora. Amato, posteriormente, converteria, mas o Barcelona terminaria campeão. Apesar da decepção, Roa terminaria premiado com a titularidade da seleção argentina na Copa do Mundo, virando novo Tapa Penales no clássico contra a Inglaterra. El Lechuga (“O Alface”) foi o primeiro jogador do Mallorca aproveitado pela Albiceleste.

A temporada 1998-99 também foi marcante. O Mallorca superou o próprio recorde e terminou em terceiro, a só dois pontos do vice Real Madrid. Perdeu só uma vez por mais de dois gols de diferença (o Valencia fez-lhe 3-0) e chegou a impor um 6-1 no Athletic de Bilbao e um 4-0 no Atlético de Madrid. Roa sofreu menos de um gol por jogo e recebeu o Prêmio Zamora de goleiro menos vazado da liga.

Do Lanús, vieram o armador Ariel Ibagaza (maestro da Cúperativa nos grenás), o defensor Gustavo Siviero e o atacante Ariel López, artilheiro do Clausura 1996. Outros argentinos recém-chegados foram o atacante Leonardo Biagini, o defensor Mauricio Pineda e outro goleiro, Leo Franco. E, novamente, o Mallorca não só fez sua melhor campanha na liga como chegou a uma final, dessa vez continental. O Barcelona havia vencido tanto o Espanholzão como a Copa na temporada anterior. Assim, foi jogar a Liga dos Campeões, deixando aberta para os baleares a vaga na Recopa Europeia.

O fato do Barça ter vencido os dois títulos caseiros não impediu a realização da Supercopa da Espanha. Houve o desengasgo, vencendo-se por 2-1 em Palma de Mallorca e por 1-0 no Camp Nou, rendendo o primeiro título nacional dos baleares. Já a Recopa Europeia era o segundo troféu continental em importância, reunindo os vencedores das Copas nacionais. Teria naquela temporada sua última edição, sendo absorvida depois pela Copa da UEFA. E Cúper e comandados brilharam pela Europa.

Eliminaram escoceses, croatas e belgas antes de despacharem nas semifinais um Chelsea já em grande fase mesmo antes da fortuna russa. Trouxeram o empate de Londres (onde chegaram a estar vencendo) e ganharam pelo placar mínimo nas Baleares, gol do argentino Biagini. O grande azar é que na final havia outra equipe marcada por se dar bem com argentinos, a Lazio de Matías Almeyda (que não era um fora de série, mas havia sido eleito o melhor jogador do campeonato italiano naquela temporada).

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Biagini comemora gol sobre o Chelsea no Stamford Bridge pela Recopa Europeia em 1999. Mas ele e Siviero terminaram amargando a prata na Inglaterra: a final foi em Birmingham

Mesmo assim, foi brigado. Vieri abriu o placar cedo e Dani empatou ainda aos 11 do primeiro tempo. O gol do título italiano só sairia a menos de dez minutos do fim, com Pavel Nedved. O consolo foi ser considerado a oitava melhor equipe do mundo em 1999 pela IFFHS, a Federação Internacional de História e Estatística do Futebol. Roa e Cúper, maiores símbolos daquela ascensão inimaginável, saíram. O treinador foi conduzir o Valencia a duas finais seguidas de Liga dos Campeões, enquanto o goleiro, que tinha oferta para substituir Peter Schmeichel no Manchester United, abandonou provisoriamente a carreira por acreditar que o fim do mundo viria em 1999, virando um eremita adventista (!!!!).

A saída de Cúper não impediu que a temporada 1999-2000 visse mais um lanusense desembarcando nas Balares, o zagueiro Juan Serrizuela. Para o lugar de Roa, contratou-se do River outro goleiro da seleção argentina, Germán Burgos. Também vieram os atacantes Iván Gabrich e Jorge Quinteros. Na transição, o Mallorca teve uma temporada apenas regular. Mas, ainda com Siviero, Biagini e Ibagaza, obteve um novo terceiro lugar no campeonato seguinte. Ficou a dois do vice Deportivo La Coruña e a nove do campeão Real Madrid. Classificou-se pela primeira vez para a Liga dos Campeões.

A ascensão continental não fez bem em âmbito nacional, com os baleares quase caindo na temporada 2001-02. O canto do cisne foi a seguinte: nono lugar na liga, mas uma nova final de Copa do Rei, vencida por 3-0 sobre o Recreativo de Huelva no embalo do artilheiro camaronês Samuel Eto’o, dali vendido ao Barcelona para se consagrar mundialmente.

A campanha foi recordada também por um 4-0 no Real Madrid nas quartas-de-final. As semis tiveram outro time forte da época, o La Coruña, com Ibagaza garantindo no fim uma classificação maluca: os baleares chegaram a estar vencendo por 3-0 na casa adversária, mas os galegos diminuíram para 3-2 com dois gols após os 44 minutos do segundo tempo. Em Palma de Mallorca, os visitantes abriram 1-0 e havia suspense até El Caño encher o pé e uma bola sobrada na grande área. Ele e o goleiro Leo Franco eram os hermanos titulares e logo estariam no Atlético de Madrid.

O Mallorca virou um time comum, ainda que mantendo-se na elite espanhola por consideráveis dez anos após a Copa do Rei de 2003, caindo em 2013. Cúper chegou a voltar em 2004, mas aquela magia havia se passado. Ainda assim, é impossível desassociar as alegrias do Mallorca à presença maciça argentina. Algo que se consegue fazer mesmo no Real Madrid, no Barcelona, no Atlético de Madrid ou no Sevilla, todos clubes espanhóis repletos de ídolos argentinos. Vale lembrar que foi com um técnico argentino que os rubronegros chegaram pela primeira vez à elite, em 1960: era Juan Carlos Lorenzo, técnico da Albiceleste nas Copas de 1962 e 1966 e das primeiras Libertadores vencidas pelo Boca, em 1977-78. Já o time de Cúper foi eleito pelo Futebol Portenho como a sétima melhor colônia argentina no futebol europeu: clique aqui.

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Com Leo Franco no gol e Ibagaza (terceiro agachado), além do camaronês Eto’o (último em pé), o Mallorca venceu a Copa do Rei com direito a 4-0 no Real Madrid em 2003. À direita, o técnico Héctor Cúper: quem plantou e regou a semente

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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