Desde que o futebol tornou-se um esporte defensivo e o Brasil firmou-se como uma superpotência, ambos fenômenos iniciados a partir dos anos 60, chegar à barreira dos três gols sobre os canarinhos é coisa para poucos. No futebol dos anos 90, a despertar tanta nostalgia nos dias atuais, por exemplo, só dois jogadores conseguiram. Um deles, o argentino Darío Javier Franco Gatti, fez 50 anos ontem. Para completar, ele esteve presente nos dois últimos títulos da seleção principal. Vale relembrar um pouco de El Gallo, ausência sentida na Copa do Mundo de 1994.
Antes, cabe listar um longo parêntese do ranking de carrascos da seleção brasileira. Os três primeiros lugares, curiosamente, são ocupados por um trio que jogou (muito bem) junto no forte Huracán do início dos anos 40. O topo é vaga exclusiva de Emilio Baldonedo, que marcou sete vezes – todos ao longo do ano de 1940, ao longo de diversos jogos válidos pela Copa Roca. Curiosamente, naquele mesmo ano nasceu o único a supera-lo em gols no clássico: Edison Arantes de Nascimento, que marcou somente um a mais, e ao longo de treze anos. Já dedicamos este especial a Baldonedo, segundo maior goleador do Huracán.
Abaixo dele, com seis gols, está justamente o maior artilheiro huracanense, Herminio Masantonio, que ainda detém a melhor média de gols dentre os que defenderam a Argentina mais de dez vezes (anotou 21 em 19 jogos, embora ironicamente tenha sido vice nas duas Copas América que disputou). Masa, a quem dedicamos este Especial, está igualado ao uruguaio Ángel Romano, do Uruguai olímpico dos anos 20. Em terceiro, com cinco gols, está Norberto “Tucho” Méndez, o maior artilheiro da história da Copa América. Como Masantonio, também divide a marca com um uruguaio – José Medina, outro jogador dos anos 40. Relembramos Méndez no ano passado, nos 20 anos do seu falecimento.
O quarto lugar reúne bem mais gente, incluindo nada menos que quatro argentinos. Deles, apenas o ET Lionel Messi é posterior aos anos 60, assim como os demais que destacaremos em negrito a seguir. Os outros que, como La Pulga, fizeram quatro gols no Brasil são o tanque Manuel Seoane, dos anos 20; o maestro Carlos Peucelle, que defendeu a Albiceleste da Copa de 1930 (onde fez gol na final) até 1940, onde tornou-se o mais velho a conseguir um hat trick sobre o Brasil – o relembramos ano passado, aqui; e o ponta Enrique “Chueco” García, “o Poeta da Canhota” na virada dos anos 30 para os 40. O quarteto está junto do polonês Ernest Wilimowski (que fez os quatro em uma única partida, marca exclusiva sua, na Copa de 1938); dos uruguaios Severino Varela, dos anos 40, Oscar Míguez, do Maracanazo, e Diego Forlán; e do boliviano Carlos Aragonés, cujo feito rendeu-lhe uma transferência ao Palmeiras em 1981.
Por fim, os não-argentinos que reuniram três gols, ocupando o quinto lugar, são compostos pelos uruguaios Isabelino Gradín (primeiro astro negro do futebol, nos anos 10), Pedro Rocha e Edinson Cavani; pelos chilenos Enrique Hormazábal, Ivo Basay, que deixou dois no recordado 4-0 pela Copa América 1987, e Humberto Suazo; pelo sérvio Blagoje Marjanović, pelo belga Jacky Stockman, pelo eslovaco Jozef Adamec e pelo italiano Paolo Rossi (todos os quatro, devido a hat tricks); pelo boliviano Víctor Agustín Ugarte, campeão da Copa América de 1963 e que nomeia o estádio de Potosí; pelo peruano Alberto Gallardo, pelo polonês Grzegorz Lato e pelo norueguês Tore André Flo (trio que fez um gol cada em duelos por Copa do Mundo, respectivamente em 1970, 1974 e 1998); pelo paraguaio Roque Santa Cruz; por André Schürrle, que saiu do banco para deixar os dois últimos alemães nos 7-1; e pelos mexicanos Cuauhtémoc Blanco e Jared Borgetti.
O longevo Blanco, a exemplo de Franco, é justamente o outro único jogador a deixar três gols nos anos 90 sobre o Brasil – o último e mais famoso foi o quarto nos 4-3 na final da Copa das Confederações de 1999; Blanco e Franco chegaram inclusive a duelar pela liga mexicana ao fim daquela década. Os outros argentinos do clube dos três gols sobre o Brasil são Carlos Izaguirre, presente nos dois primeiros clássicos entre os países, em 1914; Raúl Echeverría, dos anos 20; José Sanfilippo, maior artilheiro da história do San Lorenzo e que defendeu a seleção na virada dos anos 50 para os 60, estendendo a carreira ainda por um Bangu ainda forte e Bahia; e Ángel Nardiello, que jogou nessa mesma época. Ou seja: Darío Franco pode se gabar que, nos anos recentes, em algo só está abaixo de Messi entre os compatriotas…
Encerrado o longo parêntese, vamos à trajetória de Franco, um dos tantos talentos pinçados na fase dourada que o Newell’s viveu entre 1987 e 1992. Nesse período, o clube rosarino venceu três de seus seis campeonatos argentinos (o suficiente para igualar-se na época à quantidade já reunida pelo rival Rosario Central) e chegou a duas finais de Libertadores. Franco teve a primeira oportunidade no time leproso adulto em 1987, mas não foi figura do título argentino de 1987-88 – o único em que um clube foi campeão profissional só com jogadores provenientes de seus juvenis. O título nacional naturalmente causou a perda de alguns nomes destacados. No segundo semestre, disputando a Libertadores de 1988, o Newell’s então começou a recorrer a Franco e um jovem Gabriel Batistuta (nascido duas semanas após o colega), chegando ao vice-campeonato.
Em 1989, Franco e Batistuta estiveram entre as promessas emprestadas ao Deportivo Italiano que competiu no Torneio de Viareggio, tradicional competição juvenil na Itália, sendo fotografados ao lado do ilustre visitante Maradona. Batigol não seguiria muito tempo em Rosario, vendido ao River. Já Franco, cordobês de Cruz Alta, seguiu no clube até 1991, vivenciando desde uma breve entressafra (o clube, ao promover o treinador juvenil Marcelo Bielsa em 1990 a técnico principal, visava afastar risco de rebaixamento) ao título seguinte. Com a saída de Roque Alfaro e o declínio de Juan José Rossi, a meia cancha rojinegra com os recuados Juan José Llop e Gerardo “Tata” Martino passou a ser complementada com o rápido e oportunista Ariel Boldrini e o pesado mas dinâmico Gallo Franco.
Curiosamente, Franco estava longe de ser um homem-gol; o clube venceu o Apertura de 1990 sem nenhum dele, com até mesmo os zagueiros Eduardo Berizzo, Mauricio Pochettino (dois) e Fernando Gamboa (três!) deixando os seus na campanha. Uma entre tantas ironias é que foi de Franco o primeiro gol da seleção no ciclo iniciado após a Copa do Mundo de 1990, em vitória por 2-0 sobre a Hungria em Rosario (cabeceando falta cobrada por David Bisconti), em 19 de fevereiro de 1991 – credenciado por ser figura de personalidade na armação de jogadas do recente título da Lepra. Já seu primeiro gol no Brasil veio no mês seguinte, em 3-3 amistoso em Buenos Aires. Com os canarinhos ganhando de 2-1 no estádio do Vélez, apareceu de surpresa na frente do goleiro Sérgio Guedes após o toque de calcanhar de Diego Latorre, de costas ao receber de Claudio García, pegar a zaga adversária desprevenida.
Os argentinos até viraram, mas tomaram o empate. Outra ironia: nenhum dos marcadores iriam à Copa de 1994: Renato Gaúcho, de carrinho, abriu o placar empatado em golaço acrobático de Víctor Ferreyra; Luís Henrique, fuzilando Goycochea, anotou o segundo. Após o gol de Franco, uma cobrança traiçoeira de falta de David Bisconti foi diretamente ao gol quando se esperava um chuveirinho, mas um contra-ataque fulminante resultou no empate brasileiro, com Renato Gaúcho colocando Careca Bianchezi na cara de Goycochea. Na escalação alternativa dos dois lados, o Brasil também usou Gil Baiano, Mazinho Oliveira (ambos do Bragantino), Wilson Gottardo e Donizete Oliveira, enquanto os hermanos alinharam o veteraníssimo estreante Miguel Ángel Ludueña e Dante Unali. Em maio, em seu quarto jogo pela Argentina, o nada artilheiro Franco marcou pela terceira vez. No caso, o único de um 1-0 sobre os EUA em Palo Alto.
No quinto jogo de Franco pela seleção, um quarto gol. Para, de cabeça, empatar em 2-2 jogo que chegou a estar perdido por 2-0. O desafogo registrado na foto que abre a matéria se deu contra a Inglaterra. Em Wembley… em paralelo, o Newell’s não manteve o ímpeto na corrida pelo Clausura 1991, ganho pelo Boca. Naquela temporada 1990-91, Apertura e Clausura ainda não eram títulos separados, com seus campeões precisando disputar um tira-teima pela conquista da temporada inteira. Apesar do declínio do Newell’s, Franco e o zagueiro Gamboa terminaram convocados à Copa América realizada em julho, estando ocupados com a seleção exatamente no período que rolaram as finais entre Newell’s x Boca – desfalcado por sua vez do volante Blas Giunta e da endiabrada dupla ofensiva formada por Latorre e… Gabriel Batistuta.
Os rosarinos puderam festejar em plena Bombonera. Já Franco pôde festejar no Chile com a seleção, campeã continental após seu pior jejum na Copa América, os 32 anos pendentes desde 1959. Ele marcou duas vezes na campanha. E ambas foram exatamente no jogo contra o Brasil. Naquela edição, a última a só contar com as dez seleções da Conmebol, haviam dois grupos de cinco países cada onde os dois primeiros de ambas as chaves disputavam um quadrangular final. Liderando o Grupo A, com Chile, Paraguai, Peru e Venezuela, os hermanos avançaram com os chilenos para a fase final com Brasil e Colômbia, a surpreendente líder do Grupo B. O quadrangular começou de cara com o Brasil x Argentina, rendendo um dos gols mais rápidos da história da seleção e do clássico: com apenas 50 segundos, Franco usou seu ótimo jogo aéreo para conectar um escanteio de Leo Rodríguez pela direita às redes de Taffarel, que saltou em vão ao ângulo esquerdo.
Aos cinco minutos, uma característica bomba em falta cobrada por Branco empatou. Ao fim do primeiro tempo, com Mazinho e Caniggia já expulsos no mesmo lance, Franco usou novamente a cabeça em bola alçada por Leo Rodríguez (agora pela esquerda), encobrindo Taffarel. Adiante, o segundo tempo começou com outro gol no minuto inicial, com Leo Rodríguez oferecendo sua terceira assistência a um cabeceio, agora para Batistuta marcar o primeiro dos dois gols que fez sobre o Brasil (o outro sairia na Copa América de 1995). Os brasileiros, em 1991, ainda descontaram já aos sete minutos, em tiro de fúria de João Paulo em bola rebatida. Assim, o resto do segundo tempo teve bons lances em uma disputa árdua, mas até demais, ficando marcado por três expulsões: Márcio Santos e Carlos Enrique (que jamais voltaria a defender a Argentina) no mesmo lance, aos 17; e de Careca Bianchezi, aos 35, apenas dois minutos depois de entrar em campo.
Ficou no 3-2, decisivo para os rumos do quadrangular: a Albiceleste empatou em 0-0 com o anfitrião Chile e terminou campeã com um 2-1 na Colômbia, deixando o Brasil de vice, um ponto atrás. Darío Franco, que já não marcaria mais gols pela Argentina, foi em seguida vendido ao futebol espanhol, contratado pelo Real Zaragoza. Perdeu participação no Newell’s campeão do Clausura e vice da Libertadores em 1992, mas manteve-se na seleção em meados daquele ano após um razoável sexto lugar pelo novo clube em La Liga de 1991-92. Na temporada seguinte, o time foi vice da Copa do Rei, parado apenas pelo Real Madrid. Franco já estava triste antes dessa derrota de 26 de junho. Desde o dia 17, tinha uma tíbia e um perônio fraturados a serviço da seleção já por nova Copa América. Foi em choque involuntário com o boliviano Marco Sandy, aos 32 minutos da estreia.
Franco dedicou-se bastante para recuperar-se a tempo de atuar pelo Zaragoza na temporada 1993-94 e manter-se no radar da seleção, ainda que compreensivelmente não pudesse atuar nas eliminatórias. Seu clube fez uma das temporada mais celebradas de sua história: foi terceiro em La Liga (campanha só superada pelo vice em 1975) e, sobretudo, ganhou a Copa do Rei, decidida nos pênaltis contra o Celta de Vigo. Franco converteu sua cobrança diante de Santiago Cañizares, em 20 de abril. De fato, seu colega de clube Fernando Cáceres, que também converteu penal, terminou convocado ao mundial. E Franco pôde reaparecer na seleção para os três últimos amistosos pré-Copa, na última semana de maio: no 3-3 com a Croácia em Santiago, na derrota de 1-0 para o Equador em Guayaquil (como titular) e no 3-0 em Tel Aviv no duelo com Israel, repetido cabalisticamente desde 1986.
A derrota para os equatorianos encerrou uma invencibilidade pessoal que Franco ostentava em suas primeiras vinte partidas pela Argentina, uma das melhores estatísticas do tipo na Albiceleste. Seria sua única, inclusive. Porém, em 2 de junho o treinador Alfio Basile dignou-se a pessoalmente dar a má notícia ao camisa 8: optara pela revelação Ariel Ortega, que estreara pela seleção já após as eliminatórias. El Gallo até seguiu com a delegação nos EUA, mas como um sparring de luxo. Ele depois ainda integrou o Zaragoza campeão continental na temporada subsequente, embora os argentinos em campo na decisão contra o Arsenal tenham sido Cáceres e o atacante Juan Esnáider, autor de um dos gols do título da Recopa Europeia. Não bastou para que Franco fosse lembrado por Daniel Passarella à Copa América de 1995; o jogo contra os israelenses terminou sendo o último do meia pelo país.
Franco seguiu então carreira no México, inicialmente por Atlas e, após dois anos, no Monarcas Morelia – onde virou um símbolo, pendurando as chuteiras ali em 2004 tendo sua camisa 54 aposentada. Afinal, foi o capitão do único título da equipe na Liga MX, em 2000, ao lado dos também argentinos Ángel Comizzo e Jorge Almirón. Franco seguiu no clube, tornando-se seu técnico em 2005. Após passar por Tecos e Atlas, iniciou a carreira de técnico na Argentina pelo San Martín de San Juan na temporada 2010-11. Foi premiado: o time subiu à elite após bater na repescagem o Gimnasia LP de Guillermo Barros Schelotto, que ali pendurou as chuteiras. Franco, porém, seguiu na segundona, assumindo o Instituto de sua província natal de Córdoba e mostrou-se um técnico promissor. La Gloria, embalada pelo jovem Paulo Dybala, jogou por meses o futebol mais atraente do país e liderou a B Nacional por um bom tempo mesmo concorrendo com o recém-rebaixado River.
Pressionados pela própria barrabrava, das mais violentas do interior, os cordobeses perderam gás na reta final e deixaram o acesso escapar em casa na última rodada e na repescagem com o San Lorenzo. Franco ainda seguiu por mais uma temporada no Instituto, mas o baque impactou no rendimento. Ainda assim, foi a ele que a Universidad de Chile enviuvada de Jorge Sampaoli recorreu em 2013 após o antecessor assumir a seleção chilena. Em La U, Franco levantou o primeiro (e por hora único) troféu como treinador, na Copa Chile daquele ano, com direito a gol no último minuto na final com a Universidad Católica. O argentino, porém, logo comunicou sua saída e desceu degraus, tendo desde então trabalhado no Aldosivi em 2013, Defensa y Justicia em 2014 (na primeira temporada do time na elite), Colón em 2015, Aldosivi novamente em 2016 e Instituto na última temporada – onde foi eliminado no primeiro mata-mata de acesso.
Franco segue atualmente no comando de La Gloria, embora a campanha esteja ruim. Fica a torcida por um novo ano positivamente infernal como El Gallo teve em 1991…
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Só uma correção: a maior invencibilidade de seleções é do Brasil, que ficou 36 jogos invictos entre 1993 e 1996.