Primeira Divisão

Nos acréscimos apareceu um Camisa 9. E o Colón se salvou do rebaixamento

colon

Cementerio de los Elefantes. Gente saindo pelo ladrão. Gente de todas as idades. Gente. Toda ela sabalera. Em campo, um time que tremia de vontade e de medo. Um time insano atrás de uma vitória. Era a última chance de se manter na elite. Só que quem marcou foi o visitante mal-humorado que veio de Bahía Blanca. Contava 18 do segundo tempo. Salvo do rebaixamento, o Olimpo queria só especular. E fez o Sabalero sofrer. Gol do empate saiu já a sete minutos depois, com Gandin. Só que o da vitória, parceiro, saiu aos 49 do segundo tempo: um minuto depois dos acréscimos dados pelo árbitro. Gol que ocorreu dos pés de Alario. Gol que freou a comemoração do Rafaela e que fez a hinchada sabalera explodir em lágrimas de felicidade. Sofrimento, contudo, seguirá, com jogo-desempate.

Primeiro Tempo

Mundo todo ele vermelho na cancha sabalera. Três esquadras na disputa por uma sobrevida na elite. Godoy Cruz com 140 pontos, enquanto Rafaela e Colón entravam em campo com 139. Quandro insólito, por certo, mas de fácil solução: para não cair, o conjunto de Santa Fe precisava vencer para, na melhor das hipótesis, ir a um jogo-desempate com um de seus rivais. Godoy Cruz fez sua parte e se salvou. Rafaela também, mas em parte. Sobrou para o Sabalero, que precisou transpirar sangue para virar a peleja contra o equilibrado conjunto aurinegro de Bahía Blanca.

De cara o conjunto local se fez protagonista do confronto. Na teoria, tinha um 4-4-2, com Videla e Merli segurando no meio, mas avançando sempre que a equipe atacava. Na prática, o esquema paria um 4-1-3-2, com apenas um volante cujo nome não importa, já que havia um revezamento na função. Outras vezes víamos um 4-1-1-2-2, com Graciani fazendo às vezes de enganche e abastecendo Alario e Luque na frente. Às vezes, o troço ficava confuso, com os avanços de Castillo e Bítolo, que praticamente viravam pontas, na acepção tradicional e velha do conceito. Importa mais era a pressão exercida pelo Sabalero. Ainda mais relevante foi o fato de que essa pressão não rendeu nada para o conjunto de Orsella.

Centroavante típico é aquela entidade que por vezes não sabe o que fazer com a bola, exceto em situações em que a redonda lhe carimba a canela e vai parar no fundo do arco. Alario era o 9. E foi dele as duas grandes chances do Colón na primeira etapa. Nas duas situações ele desperdiçou feito um tonto. Melhor dizendo: feito um camisa 9, que muitas vezes é tonto e parece, por isso, não valer o que ganha. Um nada que de quando em quando é figura inconsistente na frente. É quando o time parece jogar com 10. Um nada.

De sorte que os primeiros 45 minutos foi aquela história de sempre. Timinho com a faca nos dentes e a pelota o tempo inteiro no pé. Inusitado era o fato de que ninguém sabia o que fazer com ela. E a torcida sofria. E se o Rafaela perdia, o Godoy Cruz empatava e mandava o Colón para o inferno da B Nacional.

Segundo Tempo

Domínio de bola era tudo. Só que o Sabalero seguia sem bem saber o que fazer com ela. Pelota chegava na frente e ninguém parecia competente para colocá-la no arco de Champagne. O tal do camisa 9, conhecemos. Era o tal do Alario. Parecia morto em campo e desatento, assim como é o caso de vários camisas 9´s na história do futebol. A coisa tava feia na frente. Fosse o que fosse, aquilo não era um ataque. Quanto ao Luque, até que tentava, mas era fortemente marcado pela dupla Adrián Martínez e Lugüercio. Bendita hora que Orsella praticamente retirou Fernández do meio e o colou lá na frente, bem do ladinho do Alario. E foi de Fernández a chance de guardar. Driblou um, driblou outro e ficou na cara do gol. Preferiu o chute cruzado e viu a pelota raspar a trave de Champagne.

O sofrimento era grande no estádio. E o Cementerio ficou assombrado aos 18 minutos. Pelota parada no extremo esquerdo e levantamento para a área de Montoya. Defesa sabalera bateu cabeça e ninguém se ocupou de colocar o coco na redonda e afastá-la da zona criminosa. Matías Sarulyte nem precisou subir para cabecear firme para o arco e sair para o abraço. O sofrimento era grande nas arquibancadas, pois Goldoy Cruz já vencia por 2×1, enquanto La Crema chegara à igualdade na cancha Grondona.

O gol foi resultado da falta de objetividade do conjunto de Orsella. Ocorre que sua equipe buscara o tempo todo se encaixar numa tática perfeita que redundasse em gols e na vitória salvadora. Contudo, com 20 minutos da etapa complementar, melhor mesmo era deixar a tática de lado e visitar a loucura. E foi o técnico, no banco, que endoideceu primeiro. Retirou Castillo da lateral-direita e colocou o paradão Darío Gandín na posição de doble 9. Hinchada sofria demais, pois não via sentido na coisa.

Dois minutos depois, aos 25, Graciani aberto pelo flanco esquerdo via Alario e Gandín dentro da área e resolveu cruzar. A pelota foi desviada com a mão pelo defensor do Olimpo e o árbitro marcou pênalti. Pelota na cal e “Chipi” Gandín na confiança de todos. De bobo Gandín não tem nada. Então foi lá e arrematou com toda a força do mundo. Nereu Champanhe voou feito um pássaro e defendeu. A pelota voltou sem identidade e sem rumo. Era como se ela buscasse um camisa nove. Encontrou. O próprio Gandín a colocou no arco e fez explodir o Cementerio: 1×1.

O jogo ficou doido. Já tinha gente chorando a doidado. Tinha gente com o terço na mão. Alguns rezavam com a cabeça baixa, desprezando o que se passava no campo. E lá na arena o Sabalero jorrava sangue em busca do gol. Nada acontecia. A redonda chegava perto da área e era afastada de lá pela defensiva aurinegra. Com praticamente todo um time jogando em meio-campo, natural que um cruzamento ou outro colocasse a redondinha na zona morta e implorando para ser chutada. Problema, contudo, é que dois camisas 9´s pareciam ainda pior do que um. Gente racional era pouca nas tribunas. Mas quando algum deles era visto, se via também a sua indignação com Orsella por desmantelar a equipe ao deixar dois brucutus lá na frente.

Até que perdoavam Gandín. Fácil, pois ele havia empatado a peleja. Difícil era não se engasgar com Alario, o típico camisa 9 que havia perdido duas chances de guardar. E os nervos, à flor da pele, denunciavam o desespero de todos. Nem o coração resolvia. Melhor juntá-lo com a alma e ver no que dava. Quando pensavam que daria, receberam no peito a pancada: Aos 46 minutos de jogo, Lucas “Mostruoso” Albertengo fazia 2×1 para o Rafaela na cancha Grondona. O Colón tinha um minuto para fazer a mesma coisa no Cementerio.

Nem bem abriram os olhos e esse minuto já era. O árbitro tinha dado três de acréscimos e o ponteiro marcava 48 minutos e 37 segundos. Desespero total e loucura. Orsella mandou Mantoya se juntar à linha de ataque. E aquela história de sempre. Por vezes falta cérebro para um sistema defensivo e isto se materializa nas faltas estúpidas que propicia aos rivais que anotem na última bola. Pelota parada e todo mundo esperando por ela na área. Levantamento não encontrou a cabeça de alguém. O alguém era um camisa 9: Gandín, que escorregou. Contudo, no chão, e pressionado por vários defensores, a redonda encontrou o pé salvador de um grosso. Um típico camisa 9: Lucas Alario.

Pelota no arco, lágrimas de felicidade no Cementerio de los Elefantes. Crianças e velhos. Gente bonita, gente feia. Gente sem dente: Gente. O Sabalero estava salvo da segunda divisão na última bola do jogo. Salvo pelos pés daquela entidade estranha muitas vezes ao futebol: o típico camisa 9 trombador. Graças a Deus ele existe e para o bem do esporte bretão.

Agora, Rafaela e Colón vão para o jogo-desempate. O vencedor ficará na elite. O perdedor, irá à segunda divisão. Mas essa história não importa por hora. Vale mais o título sabalero nos acréscimos dos acréscimos. E graças à loucura de Orsella e a “grosseria” gentil de Lucas Alario. Só.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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