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Pelé, Rei devotado também pelos argentinos

Originalmente publicada pelo aniversário de 75 anos de Pelé, em 23-10-2015 – e revista, atualizada e ampliada 

“Pôde ser a hora das grandes frases, mas é a hora da nostalgia. Pôde ser a hora das palavras, mas é a hora do canto. Pôde ser a hora do ontem, mas é a hora do sempre. (…) Quando dizemos que nos despedimos de um amigo, não recorremos à comodidade de uma frase vulgar. Pelé foi, é e será um amigo da EL GRÁFICO. Em quase vinte anos, o reportamos em muitas partes do mundo. Lhe demos o lugar preferencial que damos aos esportistas exemplares. Àqueles por quem vale a pena dizer, sem temores, ‘esse homem fez do esporte um apostolado’. E já que Pelé é nosso amigo, nos custa lhe dizer adeus. É como saber, desde já, que faltará em algum estádio do mundo uma estrela prodigiosa, única, incomparável, que a cada minuto de cada dia poderia universalizar em um mesmo som os aplausos e as felicidades de mil tribunas. Lhe dizemos adeus tão emocionados como nos sentimos no sábado quando juntamos nossas lágrimas com as dele, mas neste adeus lhe estamos dizendo, desta vez, esse gracias que não admite outra palavra. (…) O tchau a Pelé é o tchau a um amigo que nunca se irá, que sempre estará chegando”.

A relação argentina com Pelé já foi não só amistosa, como profundamente devota, como bem indicam as palavras acima – retiradas do editorial da edição em que a El Gráfico cobriu o amistoso de despedida do Rei, no simbólico duelo entre Santos e Cosmos em 1977. A El Gráfico nada mais é do que a principal revista esportiva que os hermanos já tiveram: como revista física, existiu por praticamente cem anos, de 1919 e 2018. Enquanto jogava, Pelé naturalmente estampou várias capas da revista e foi retratado em várias outras reportagens. E até mesmo para critica-lo, em 2012, ela voltou a referir-se a ele como “um amigo da casa”. E é a El Gráfico a principal fonte das “heresias” (ou não) que encontramos: argentinos que acham Pelé superior a Maradona e/ou a Messi. Ou que se mostrem em cima do muro, postura que naturalmente pesa contra a dupla.

Para celebrar em 2009 seus 90 anos, a mesma El Gráfico publicou três tomos sobre grandes personagens, um para cada período de 30 anos. Pelé foi um dos seis esportistas (e um dos dois jogadores de futebol) presentes na capa do segundo tomo, dedicado ao período 1949-78. Mesmo depois de cancelar a circulação física, a revista seguiu ativa na internet e vem gradualmente digitalizando o acervo histórico, o que já incluiu aquela edição que tratou do jogo-despedida de 1977. E foi a própria El Gráfico quem promoveu em 1979 o primeiro encontro de Pelé e Maradona, onde Dieguito se mostrou encantado. Para conhecer logo o ídolo, não hesitou em irritar Claudia Villafañe, já sua companheira (embora só viessem a se casar em 1989), ao aproveitar o então único dia semanal que tinha de folga para namora-la.

Maradona ainda adolescente no quarto, com o adesivo “Pelé Soccer Camps” na parede, e no encontro na Copa 2018

“Eu sabia que Pelé era um Deus como jogador. Agora que o conheci, sei que também o é como pessoa”, teria declarado El Diez segundo a revista: clique aqui; é desse encontro foto famosa onde ambos sorriem juntos com o brasileiro tocando violão. Eles viriam a ter idas e vindas em uma relação que ficou mais marcantemente conturbada após o argentino ser eleito no início de 2001, em eleição da FIFA a partir de votação popular, o melhor jogador da história. Ao menos quando vivia o auge, nos anos 80 – como veremos -, Diego buscava sempre reverenciar quem lhe era ídolo, e o próprio Santos esteve muito perto de abriga-lo, com aval da própria empresa de marketing do Rei, em 1995.

No século XXI, houve tréguas famosas, como na presença de Pelé nas tribunas de honra da Bombonera para o jogo festivo de despedida do rival naquele mesmo 2001; ou a participação do brasileiro no episódio piloto do programa televisivo La Noche del Diez, em 2005, quando trocaram sorrisos e uma célebre sequência de cabeceios… mas já em 2007 a El Gráfico registrava críticas chulas de Diego ao que via como submissão do rival aos chefões da FIFA. Felizmente, ambos puderam ainda em vida se reconciliar de vez, como bem demonstra o carinho de Diego ao se encontrarem na Copa do Mundo de 2018 e à saudação que fizera para os 80 anos de Pelé em 2020 – no que foi retribuído uma semana depois, quando Maradona fez 58… em homenagem efusivamente reforçada dali a outro mês, quando o argentino faleceu. 

OS QUE ACHAM PELÉ MELHOR QUE MARADONA.

Se a El Gráfico passou a ter linha maradoniana, ela já escreveu coisas como “já é um feito irreversível. Não estará Pelé no mundial da Alemanha. Não voltaremos a viver o eletrizante magnetismo do seu futebol em nenhum outro torneio internacional. E então, às vésperas de outra Copa do Mundo, queremos revivê-lo. Invocar o que nos presenteou no México há quatro anos. Recordá-lo em suas tardes inesquecíveis, elevando o grito de gol com um salto de punho apertados, entregando-se ao espetáculo com tudo, sem guardar nada. E queremos agradecê-lo. Dizer-lhe, em imagens e em palavras, que não o esqueceremos nunca”. 

A primeira reunião entre Maradona e Pelé, em 1979, e as homenagens mútuas em 2020

As palavras acima foram escritas por ocasião da Copa de 1974. Já em 1968, escreveu-se após amistoso entre Santos e Boca que “se joga Pelé, o espetáculo está assegurado”. A publicação também dissecava as jogadas do brasileiro, sob títulos como “anatomia do gênio” e repercutiu o gol mil (ao qual a exibição do goleiro argentino Edgardo Andrada dera “uma grandeza excepcional”, nas palavras da Placar) sem “impugná-lo”, ao contrário do que vem fazendo recentemente – veja tudo isso ao fim da matéria. Quando a seleção brasileira (pela qual Pelé estreou com direito a gol em duelo contra a própria Argentina, em 1957, no último triunfo que a Albiceleste teve em clássicos no Maracanã até 1998) venceu a Copa de 1970, a revista agradeceu e estampou que Pelé era “o rei que nunca foi príncipe”: veja aqui.

A própria El Gráfico pode ser incluída, em suma, nesse tópico. Pois, ao ser consultada pela congênere brasileira Placar em 1999 para listar os maiores jogadores do século XX, colocou-o acima de Diego… e então aquela eleição popular da FIFA em 2001 iniciou um revisionismo cada vez mais difundido, notadamente para anacrônicos eurocêntricos. Dentre declarações de ex-jogadores argentinos, uma constante é que quem prefere Pelé (ou parece preferir) são os jogadores mais antigos – os mais novos cresceram sobre o dogma inquestionável de que Maradona foi melhor. Há exceções, claro. A mais surpreendente, de um dos melhores amigos de Dieguito: a notícia de que Claudio Caniggia teria declarado ao UOL que “os melhores são Pelé, Diego e Johan Cruyff, nessa ordem” repercutiu na Argentina: clique aqui e aqui.

César Menotti, o técnico campeão da Copa 1978 – e que jogou com Pelé no Santos e treinou Maradona no Barcelona e na seleção -, foi diversas vezes enfático nas comparações. Na Placar que homenageou os cinquenta anos do brasileiro, em 1990 (portanto, ainda no auge de Diego), El Flaco falou como um: “Maradona só será um novo Pelé quando for três vezes campeão do mundo e marcar mais de mil gols”. Em dezembro de 2014, reafirmou a opinião já com Messi incluso na briga. Desta vez, foi em longa entrevista à El Gráfico (disponível aqui). Naquela entrevista de 2014, a pergunta 77 e sua resposta mencionavam Messi, Maradona, Di Stéfano, Cruyff e Pelé. A pergunta 78 então indagou sem rodeios: “nessa mesa quem é o melhor?”. Para Menotti, “Pelé, sem dúvidas. Quando se fala de futebol, tiro Pelé, porque é um extraterrestre, de outro planeta”. 

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A surpreendente declaração de Caniggia

Menotti reafirmou sua posição nos anos seguintes, em entrevista em 2017 à Folha de S.Paulo (“Pelé é o maior de todos. O que ele fez como jogador não é desse mundo. Ele era o maior em uma época de jogadores espetaculares e ainda foi o grande nome do Brasil de 1970, na melhor equipe de futebol que vi jogar”), e nesse ano de 2022, em entrevista à DSports Radio repercutida pelo TyC Sports: “pessoalmente não o posso pôr em nenhuma comparação porque está longe de todos, absolutamente longe. Depois, acredito eu, cada um em sua época. El Flaco Cruyff, Di Stéfano, Maradona, Messi. Mas Pelé supera todas as épocas desde meu ponto de vista”.

Ex-jogador do Racing em 1964, Menotti jogara rapidamente pelo Santos em 1968 no embalo de um intenso intercâmbio dos praianos com La Academia (Dorval, Silva Batuta, Agustín Cejas e, já nos anos 70, Manoel Maria e Ramón Mifflin…). A imagem que abre essa matéria exibe o Rei com camisa racinguista, embora a Placar já tenha a atribuído à seleção argentina. O outro time de Avellaneda não era menos admirado: em nota à El Gráfico em 1965, Pelé colocava o Independiente como a melhor equipe argentina. Bem, outro argentino ex-colega de Pelé no Santos foi José Ramos Delgado, zagueiro que soube ser ídolo na Vila mesmo já veterano ao chegar. A fonte pertinente, dessa vez, é a edição número 6, de abril de 2009, da extinta FourFourTwo Brasil, em matéria que comparava os dois gênios: para Ramos Delgado, “Pelé foi mais completo. Diego tinha grande habilidade, mais do que o Edson, mas o Pelé tinha tudo: dava instruções, executava, criava, marcava e vencia. Pelé não tinha privilégios e nem os queria”.

Na mesma matéria, outro argentino reconhecia a superioridade de Pelé: Enrique “Macaya” Márquez, bastante prestigiado em seu país por ter coberto todas as Copas do Mundo desde 1958, o que lhe rendeu inclusive homenagem da FIFA na ocasião da Copa do Mundo de 2022, seu 17º trabalho seguido em mundiais. Em março de 2010, essa espécie de Léo Baptista argentino reafirmou sua preferência, dessa vez à El Gráfico, que brincou: “Pelé antes que Maradona? Não vai lhe levá-lo à África do Sul”. O jornalista explicou: “Pelé mudou a vida do Brasil, apareceu e o Brasil começou a ganhar tudo. Antes era um bom time que se assustava com umas patadas. Pelé era mais completo, com maior resto físico, capaz de todos os luxos mas jogava simples”. Mas ressaltou na mesma entrevista que achava Alfredo Di Stéfano melhor que os dois. As declarações estão nas perguntas 97 e 98: clique aqui.

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Declarações de Ramos Delgado à FourFourTwo e (no quadrado vermelho) Menotti à Placar – clique para ver ampliado

Outro jornalista longevo foi Julio César Pasquato, mais conhecido pelo apelido Juvenal, que trabalhou na própria El Gráfico desde 1962 (quando já tinha 39 anos) até falecer, no fim de 1998. Dois anos antes, deu seu testemunho à revista, na resposta 23, quando lhe convidaram já em 1996 a opinar entre Pelé e Maradona: “Pelé. Foi três vezes campeão do mundo com o Brasil, duas vezes mais com o Santos, inventava tudo com os pés, tinha uma mão no peito, era um atleta e cabeceava como José Manuel Moreno”.

Moreno era o meia-direita do grande River dos anos 40 e costumava mesmo ser classificado pelos portenhos mais antigos como superior a Maradona, uma tese pró-Pelé que chegou a ser utilizada pela Placar naquela edição especial de 1999 para os craques do século XX. E um desses portenhos foi Félix Loustau, ponta-esquerda daquela mesma equipe do River dos anos 40, apelidada de La Máquina. A qualidade de Loustau revela-se no fato de que ele foi o único titular absoluto da seleção argentina tricampeão na Copa América (ninguém sequer igualou este tri no torneio) apesar das taças virem em anos seguidos, em 1945, 1946 e 1947. No livro River, El Campeón del Siglo – Todo su Fútbol, publicado na época do centenário do clube, consta esta declaração de Loustau, que ainda vivia: “quem foi o melhor jogador de todas as épocas? El Negro Pelé. Depois vem Moreno. Maradona é bom, muito bom, mas está longe de Pelé e Moreno”.

Outro que acha Pelé superior a Diego, mas já não a outro argentino, é José Sanfilippo. Trata-se do maior artilheiro do San Lorenzo e grande figura das finais da Libertadores de 1963, quando defendeu o Boca e marcou todos os três gols auriazuis sobre o Santos; conhecido pela personalidade forte, El Nene Sanfilippo sempre se gabaria no sentido de que foi o real craque daquelas finais, mesmo que terminasse vice. Posteriormente, enfrentou Pelé também pelo Bahia, naquela partida famosa em que os tricolores se recusaram a sofrer o milésimo gol e com isso acabaram vaiados pela própria torcida.

Sanfilippo (o quase estraga-prazeres da Libertadores 1963) e Menotti

Sanfilippo declarou em abril de 2015 em outra série de perguntas promovida pela El Gráfico que já achava Messi o melhor de todos, mas que teria até brigado com Maradona por achar-lhe inferior ao brasileiro. Foi na resposta 69 (clique aqui): “Em uma nota me perguntaram quem havia sido melhor, se Pelé ou Maradona, e respondi que Pelé, dando toda uma explicação de que havia sido mais completo, e então Maradona me tachou de ‘traidor da pátria’. (…) Lhe processei. Ganhei e Diego não podia sair do país se eu não o autorizasse, porque vinha de outros processos prévios desfavoráveis. Então o autorizei e ele me agradeceu publicamente, mas para Maradona teria sido mais fácil me dar um milhão de dólares que ter que pedir-me desculpas publicamente”.

Outro jogador folclórico do futebol argentino foi o goleiro Hugo Gatti, que foi colega de Maradona no Boca. El Loco Gatti é o segundo homem que mais jogou pelo clube e também o recordista de partidas na liga argentina, ao longo de uma carreira de mais de vinte anos, entre 1961 e 1988. Ele esteve presente nas duas primeiras Libertadores vencidas pelos auriazuis, em 1977 (pegando pênalti na final contra o Cruzeiro) em 1978. Ele chegou a sofrer quatro gols de Maradona em um só jogo contra o Argentinos Jrs, em 1980 (antes da partida, havia zombado que o garoto era ‘um gordinho que sabe jogar muito bem futebol’), desempenho decisivo para o Boca buscar o empréstimo de Diego para o ano seguinte.

Ao ser indagado em 2005 pela El Gráfico sobre o melhor gol que lhe haviam feito, porém, Gatti respondeu: “os do negro Pelé. Para quem não o viu, Pelé foi [Michael] Jordan com os pés”. A revista retrucou: “se Pelé foi Jordan, Maradona quem foi?”. Na metáfora do goleiro, “Ginóbili”, em alusão ao cracaço argentino líder da geração de ouro do basquete alviceleste e do San Antonio Spurs, mas um jogador comum perto do mito do Chicago Bulls. Estes trechos estão nas perguntas 81 e 82 desta entrevista.

Pelé e Antonio Rattín desenvolveram até amizade após tantos encontros nos anos 60. A foto da direita, tirada em 2010 pelo autor da nota, os mostra atrás da camisa do Rei exposta no museu do Boca

Radicado em Madrid e convertido em fervoroso torcedor madridista (algo assumido naquela mesma entrevista de 2005), Gatti viraria notícia após a final da Copa do Mundo de 2022: seguia colocando Messi como abaixo de Maradona e minimizava até a redenção de La Pulga, enfatizando que Kylian Mbappé teria tido desempenho superior na final do Qatar. Mais um ídolo histórico do mesmo Boca de Maradona a preferir Pelé foi o ex-xerife Antonio Rattín, que enfrentou diversas vezes Santos e Brasil com o Rei de adversário. Outro entrevistado pela El Gráfico, Rattín respondeu em dezembro de 2013 à pergunta “quem foi o melhor da história” que “o 1 foi Pelé, o 2 é Maradona e aí já ponho Messi no páreo (…). Se El Negro estiver aqui, passo para cumprimenta-lo”. Palavras das respostas 84 e 85 disponíveis aqui.

Por fim, vale destacar alguém um tanto suspeito como notório desafeto de Maradona ao perder ao braçadeira de capitão na seleção: Daniel Passarella, o maior zagueiro que a Argentina já teve, não titubeou ainda em 1995 ao colocar Pelé como o melhor jogador que vira – na resposta 88. Colega de Passarella na seleção de 1978, o coringa Omar Larrosa, apontado pela El Gráfico como o melhor argentino no 6-0 sobre o Peru, depôs à revista em 2017 – e apontou o seguinte: que na infância “sempre” procurava assistir o Santos quando Pelé & cia vinham à Argentina (resposta 16); e que, entre o Rei, Maradona e Messi (resposta 92), “os três estão em um nível parelho, com distintas características, mas El Negro foi maravilhoso, um escalão acima. Tinha tudo”.

OS “EM CIMA DO MURO” E AFINS

Primeiro vencedor da Libertadores como jogador e como técnico, curiosamente na dupla Racing (em 1967) e Independiente (em 1973), Humberto Maschio teve linha similar à de Sanfilippo: mesmo em 2011, El Bocha já colocava Messi como acima de todos. Mas no tocante a Maradona, não: a resposta final de Maschio foi um “primeiro, Messi. Um degrau abaixo, Di Stéfano, Pelé e Maradona no mesmo nível. E Cruyff, um degrauzinho atrás”.

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Declaração de Loustau sobre Pelé e Maradona, no retângulo vermelho (clique para ver ampliado), em enciclopédia do River. E a avaliação de Macaya Márquez na FourFourTwo

Omar Sívori, contemporâneo de Pelé e lenda na Juventus, e ex-colega de Maschio tanto pela seleção argentina (na vitoriosa Copa América de 1957) como pela italiana (na Copa do Mundo de 1962) fez uma declaração dúbia, preferindo Maradona ao mesmo tempo em que achava o brasileiro melhor: “não creio que Maradona tenha sido melhor que Pelé, Di Stéfano ou mesmo Cruyff. O que a mim sim dá possibilidade de responder é que, para mim, o jogador que mais me divertiu na vida foi Diego Maradona”. 

Linha semelhante à de Sívori foi adotada por um dos maiores escudeiros de Maradona, o técnico Carlos Bilardocampeão da Copa de 1986 e que despertava ciúmes na própria filha diante do tamanho da relação paternal que tinha com o pupilo. Mas, ao menos na primeira edição da da FourFourTwo Brasil, em novembro de 2008, quando foi indagado para montar seu time dos sonhos, El Narigón saiu-se assim: ao mesmo tempo em que depõe que Maradona, no auge, teria sido o mais completo, assumia que sua concepção era pautada sobretudo pela relação pessoal de quem o tinha praticamente como filho postiço: “prefiro Diego por causa do meu relacionamento com ele, mas Pelé foi uma maravilha”. Bilardo tratou de escalar a dupla junta.

Também encontramos outras opiniões sugestivas, ainda que não explícitas. Humberto Grondona, filho do ex-chefão da AFA, Julio Grondona, foi outro submetido às longas entrevistas da El Gráfico. Mencionou Maradona diversas vezes, sempre friamente. Indagado sobre o personagem do futebol que mais o impressionara, respondeu assim (clique aqui e veja a resposta 53): “depois de 49 anos tive a sorte de conhecer meu ídolo: Pelé. (…) Nunca pedi um autógrafo a ninguém, mas nessa vez fui com um guardanapo. Havia pedido várias vezes a meu pai a camiseta de Pelé, mas nunca me trazia”.

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Declarações de Ardiles e Bilardo à FourFourTwo e ranking da El Gráfico (no retângulo vermelho) consultado pela Placar sobre os melhores do século XX – clique para ver ampliado

Imortalizado como artilheiro da vitoriosa Copa de 1978Mario Kempes também declarou que seu grande ídolo foi Pelé, na resposta 60 de outra centena de perguntas da El Gráfico (veja aqui): “uma vez o vi em Buenos Aires. O apresentou-me um amigo e falamos por meia hora. Não entendo por que os argentinos lhe têm bronca. A rivalidade com Maradona não tem sentido, os dois foram grandes em diferentes épocas”. Osvaldo Ardiles, ex-colega de Kempes no Instituto de Córdoba e no título mundial de 1978, falou de forma parecida. Foi naquela mesma edição da FourFourTwo Brasil que comparou a dupla na análise de Macaya Márquez.

Como Bilardo, Ardiles escalou ela junta no seu time dos sonhos: “ele fazia tudo – gols, passes, cabeceios, tinha velocidade, usava os dois pés. Era quase o jogador perfeito. Os números falam por si – mais de 1.000 gols e três Copas do Mundo. Ele também jogava em uma época em que os atletas ofensivos não eram tão protegidos pela arbitragem. Muitos perguntam se (Maradona) era melhor que Pelé, mas não dá para compara-los. Pelé marcava gols, Maradona os criava. Ele era ótimo com seus passes e com os espaços que criava”. Aliás, Garrincha também foi escalado por Ossie.

Héctor Veira, maior ídolo do San Lorenzo, ex-Corinthians, técnico do River campeão pela primeira vez da Libertadores e do Mundial e que treinou Maradona no Boca, não se decidiu: “não posso escolher, não posso. Para mim há cinco jogadores que estão acima do resto: Di Stéfano, Pelé, Garrincha, Maradona e Messi. E todos em uma mesma linha”. Está na resposta 70 desta entrevista de 2013. Alfredo Rojas, atacante ex-Boca e River e que foi às Copas de 1958 e 1966, declarou algo similar, em 2015: “há três jogadores que estão acima do resto, que foram distintos de todos: Di Stéfano, Maradona e Pelé. Creio que Messi não tem os marcadores que tinham os outros antes, seguiam Pelé por todo o campo”.

No destaque, outro registro com Rattín, à direita

Em 2016, Jorge Griffa, marcador de Pelé no jogo decisivo da Copa América de 1959 (conquistada pela Argentina na única vez em que o Rei participou do torneio) e depois celebrizado como olheiro de muitas futuras joias do Newell’s de Bielsa e do Boca de Bianchi, também se esquivou – a El Gráfico lhe indagara na pergunta 36 em que lugar colocava Messi na comparação com Pelé, Maradona, Di Stéfano e Cruyff: “no mesmo grupo dos outros quatro. Quer dizer, entre os cinco maiores da história. Todos em um nível parecido”. Vale ver ainda a opinião de fãs argentinos do futebol em grupo de Facebook com dezenas de milhares membros. Os mais velhos tenderam a preferir Pelé: confira aqui; é necessário ter conta na rede social, mas não precisa integrar o grupo para acessar a discussão.

O PRÓPRIO MARADONA, NO AUGE, JÁ PREFERIU PELÉ

O vídeo abaixo, disponível pela primeira vez no Youtube através do Futebol Portenho, é um trecho de doze segundos extraído do DVD Maradona – Nápoles a seus Pés. Indagado se os torcedores napolitanos estão certos em achá-lo superior ao brasileiro, Diego, em italiano, responde de forma categórica: “não. Maradona é Maradona. Pelé foi il più grande. Eu sou um jogador normal”. 

Eventualmente, o Youtube retirou o vídeo do ar, mas recarregamos o vídeo na ocasião dos 80 anos de Pelé clique abaixo e confira. E, mais abaixo, algumas das muitas páginas que a El Gráfico dedicou ao Rei. Encerramos com outras palavras daquela edição de 1977, a também registrar que “o futebol ingressava numa nova era, a era pós-Pelé” e que “o veredito da história” era no sentido de que o Rei é “o maior futebolista que jamais existiu” e que, sem questionar o gol mil, até apontava que Pelé pôde despedir-se marcando o gol número “1.278 em 1.356 jogos”.

Aquela reportagem de 1977 destacou que o interesse por aquele Santos x Cosmos foi tamanho a ponto de gerar briga interna de políticos indianos por ingressos em bons lugares, contando ainda com a presença de: todos os capitães das seleções campeãs mundiais entre 1958 e 1974; do pai Dondinho e do prefeito de Três Corações; às celebridades Robert Redford, Barbra Streisand, Muhammad Ali, Henry Kissinger, Diane Keaton, Claudette Colbert, Sérgio Mendes, Mick Jagger, Frank Sinatra e de Jeff Carter, filho do então presidente ianque (Jimmy Carter).

Mas o ponto alto são as palavras que iniciaram a matéria dedicada àquela despedida. Atualíssimas:

“Te foste, Pelé – diria o poeta -, deixando uma estrela de glória a admiração. Te foste, Pelé, e já dói o vazio do ébano milagroso e genial. Te foste, Pelé, em um dia cinzento, quando vá saber que estranhos duendes desataram as fúrias do tempo. Não era chuva, era dilúvio, tormenta, vendaval. Era o pranto desconsolado de milhões de meninos, de milhões de homens, de milhões de fantasmas. Não, se não foi festa. Apesar de toda cor e música que colocaram.

Não podia ser festa. Se ias embora, Pelé… deixavas o futebol na mais comovente solidão. Sem magia, sem imaginação. Por isso chovia, por isso todos ficavam abaixo dessa chuva. Queriam sofrer porque era uma tarde sofredora. E pensava na Suécia e no Chile e no México. E pensavam no Santos, em Coutinho, nas tabelas. Pensavam no gol mil, em reis e em príncipes. História, já és pura história. E sinto o fardo de buscar palavras que digam o indizível. Quero cantar a ti e as musas não acodem. Te foste, Pelé. Te seguiremos esperando. Sempre”.

Registros da despedida de Pelé colhidos pela El Gráfico de 1977: a presença de todos os capitães campeãs da Copa do Mundo entre 1958 e 1974 à Muhammad Ali e irmão junto de Dondinho, pai de Pelé
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Nesta reportagem, a El Gráfico diz acima da foto à esquerda que o repertório de Pelé é “o mais extenso conhecido no futebol do mundo” – clique para ver ampliado
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Destaque para a referência ao milésimo gol
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Dissecando os chutes de Pelé
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Mais análises sobre as jogadas do brasileiro
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Revista nostálgica em 1974 com a “magia que já não estará”, a das jogadas de Pelé em 1970
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Após o desempenho decepcionante do Brasil em 1974, a El Gráfico se entristeceu com o fim do reinado de Pelé
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“O mundo aclama Pelé o melhor futebolista do mundo (ele é)”, manchete de capa de 1961. Capa de 1977 sobre o adeus. E o segundo tomo da publicação especial de 2009
Promovendo a Copa do Mundo de 1990

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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