Nota originalmente publicada nos 15 anos daquele scudetto, em 2016
A ligação histórica entre Argentina e Itália fez da Velha Bota destino natural a muitos jogadores argentinos bem antes da Lei Bosman. Hermanos já jogavam o calcio nas primeiras décadas do século XX e a Roma não foi exceção. A ponto de um argentino já se fazer presente na equipe antes mesmo da fundação da Loba, campeã italiana pela última vez há exatos 20 anos com outros três argentinos no elenco – dois, titularíssimos, com Gabriel Batistuta sendo o grande protagonista.
O fascismo notou que o meio-sul italiano não tinha a mesma força no futebol que as equipes do rico norte do país. Assim, forçou a rodo unificações de agremiações de uma mesma cidade e a capital, embora tenha comportado uma exceção, não fugiu totalmente da regra. A Roma surgiu em 1927 como resultado da fusão de Roman, Fortitudo e Alba, clube em que jogava Arturo Chini Ludueña, ex-Newell’s. Era para a Lazio também fazer parte do pacote, mas um dirigente laziale forte ligado ao partido fascista impediu e possibilitou que a Cidade Eterna mantivesse um clássico.
O atacante Chini, que a princípio saíra da Argentina em negócio com a Juventus, estava na Alba desde 1926 e seria romanista até 1934, registrando 57 gols em 161 jogos – três deles, no clássico, incluindo dois 4-1. Naquele ano, ele virou a casaca e esteve uma temporada na Lazio, ainda que jogasse apenas amistosos ou pelo time reserva do arquirrival. É o único argentino a ter jogado pela dupla romana. Ele também jogou algumas vezes pela seleção B da Itália. Ainda na Roma, teve mais três compatriotas de colegas: o meia Nicolás Lombardo ficou de 1930 a 1934 e vinha do Honor y Patria.
Em 1933, chegaram Andrés Stagnaro, zagueiro do River, o ponta Enrique Guaita e o meia Alejandro Scopelli, ambos consagrados no poderoso ataque do Estudiantes de 1931: saiba mais. Scopelli havia sido reserva na Copa de 1930 e no ano seguinte, mesmo sendo meia, fez apenas um gol a menos que o artilheiro do campeonato (o centroavante Alberto Zozaya, seu colega). Ele também defendeu a seleção italiana e foi um dos argentinos mais internacionais de seu tempo, jogando ou treinando na França, Portugal e México. El Indio Guaita também jogou pela Azzurra e integrou os vencedores da Copa de 1934, marcando gol na complicada semifinal contra o Wunderteam da Áustria.
Guaita também foi o primeiro estrangeiro artilheiro da moderna Serie A, modelo em pontos corridos adotado desde 1929 para o campeonato. Foram incríveis 29 gols em 28 jogos na temporada 1934-35, mas incapazes de tirar o título de uma Juventus também rica em argentinos. No clássico, fez dois gols. Ainda em 1935, a Itália invadiu a Abissínia (atual Etiópia) e o temor de convocação ao exército motivou debandada geral de sul-americanos de origem italiana. Guaita e Scopelli, o primeiro argentino globalizado, empreenderam uma fuga cinematográfica até serem autorizados a retomar no Racing suas carreiras.
Mas os tambores da guerra não afastaram novos hermanos. O zagueiro Roberto Allemandi II profissionalizou-se já na Roma ainda em 1935 e ficou até 1937. Adolfo Pompei, ex-Racing, passou pela temporada 1937-38, sem jogos oficiais. A temporada 1939-40 teve o meia Cataldo Spitale, ex-Platense e Argentinos Jrs, e o atacante Antonio Campilongo, ex-Platense e que chegou a marcar o único gol em vitória sobre a Lazio. Eles chegaram junto dos atacantes Francisco Provvidente, formado no Boca e que estava no Flamengo, e Miguel Ángel Pantó, ex-San Lorenzo. Provvidente ficou até 1941, saindo antes do agravamento da Segunda Guerra em território italiano.
Já Michelangelo Pantò, como o outro ficou conhecido, permaneceu até 1947. Nesse período, participou ativamente do primeiro título italiano da Roma, na temporada 1941-42, taça que por mais de quarenta anos foi o único scudetto romanista. Marcou doze gols na campanha campeã, incluindo um no 1-1 no clássico com a Lazio, dois no 6-0 sobre a Internazionale (então Ambrosiana-Inter), outro nos 2-0 no jogo do título, contra o Livorno – a taça se encaminhara com aqueles 6-0 na penúltima rodada. No clássico da capital, somou três gols.
Com o fim da Segunda Guerra, o lateral Gregorio Esperón (jogador do Platense que mais esteve na seleção argentina) e o meia Vicente Di Paola, ex-San Lorenzo (e que deixou o seu em um clássico), vieram em 1946 fazer companhia a Pantó. Em 1947, foram as vezes do meia Osvaldo Peretti, do Argentino da liga provincial de Mendoza; do atacante Bruno Pesaola, ex-Dock Sud, da segundona argentina; e de José Valle, ex-Atlanta. Nenhum deles ficou mais de três anos. Pesaola até vingou na Itália a ponto de defender a seleção italiana, mas como ídolo do Napoli e depois como raro técnico vencedor na Fiorentina.
O próximo foi Pedro Manfredini, lembrado até em O Segredo dos seus Olhos (o filme argentino que levou Oscar em 2010). Após 28 gols em só 39 jogos pelo Racing, protagonizando o título argentino de 1958, virou giallorosso em 1959. Il Piedone d’Oro foi artilheiro da temporada 1962-63 e somou mais de meio gol por jogo em seis anos de Roma, número fantástico em tempos onde nascia a retranqueira tática catenaccio. Logo no primeiro clássico, marcou duas vezes em um 3-0, o primeiro aos 2 minutos; seus outros três gols na Lazio vieram todos em um 4-0 em 1960. Teve o azar de jogar em tempos onde a seleção argentina ainda não convocava quem atuasse no exterior. Dedicamos-lhe este Especial.
Seu maior momento foi a primeira Copa da Itália vencida pelo clube, em 1964. Fez cinco gols e na semifinal, contra a Fiorentina, foi nada menos que o encarregado em cinco das seis cobranças na decisão por pênaltis (algo permitido no regulamento). Acertou todos. Dois colegas de Manfredini acabaram defendendo a Itália mesmo: os atacantes Francisco Loiácono (formado no Gimnasia LP) e Antonio Angelillo (produto do Boca), ambos ex-jogadores da seleção argentina. Ambos já haviam defendido a Azzurra antes de chegarem à capital, vindos respectivamente de Fiorentina e Internazionale, onde Angelillo havia sido goleador da liga em 1959. A dupla veio em 1960 e foi somada em 1961 pelo técnico, Luis Carniglia.
Os dois atacantes foram razoáveis, mas não duradouros como Manfredini, treinado na temporada 1964-65 por Juan Carlos Lorenzo – que também treinou a Lazio. O insucesso italiano nas Copas de 1962 e sobretudo 1966 originou política de vedar novos estrangeiros no calcio a não ser os que já estivessem por lá. Foi o caso do técnico Helenio Herrera, que veio em 1968 após sucesso estrondoso na Internazionale de meados daquela década. Ficou cinco anos e em 1969 faturou a segunda Copa da Itália dos giallorrossi. A proibição a estrangeiros cessou nos anos 80 mas só em 1992 o clube voltou a apostar em argentinos. E não foi qualquer um: Claudio Caniggia veio consagrado na Atalanta e seleção como sexta contratação mais cara na época.
Cani foi o primeiro jogador que a seleção argentina buscou na Roma. Contudo, não demonstrou muito serviço; foi suspenso por um ano e meio em função de ter cocaína apontada em um antidoping. A punição acabou a tempo de ele jogar a Copa de 1994, da qual saiu como jogador do Benfica. Detalhamos aqui sua trajetória. Certeiro foi Abel Balbo. Dedicamos-lhe recentemente este Especial. Já vinha somando (muitos) gols na Udinese, tendo marcado na temporada 1992-93 a mesma quantidade do melhor do mundo, Roberto Baggio. Na Roma, para onde foi em seguida, não foi diferente e ele cavou lugar na Copa de 1994 depois de três anos ausente da Albiceleste.
Balbo foi por diversas temporadas o goleador do elenco e chegou a ser o estrangeiro com mais gols no futebol italiano desde a reabertura a forasteiros. Sua temporada 1997-98 foi a primeira não tão produtiva (o que não o impediu de ir a mais uma Copa) e foi vendido ao Parma – na época, fortíssimo. No clássico, acumulou três gols, um deles abrindo um 3-0. Chegou a conviver com dois argentinos na temporada 1996-97. Um foi ninguém menos que o técnico Carlos Bianchi, que trouxe do seu grande Vélez da época o capitão Roberto Trotta. Ambos não deixaram saudades e não duraram além daquela temporada. Nem o atacante Gustavo Bartelt, ex-Lanús que ficou de 1998 a 1999.
Mas em 2000 a Loba acertou a mão: trouxe da Fiorentina a dupla Gabriel Batistuta e, novamente, Balbo. E importou Walter Samuel do Boca campeão de tudo naquele ano. O velho ídolo Balbo não participou muito, já os outros dois foram fundamentais no título de 2000-01. Além de quebrar jejum de 18 anos, a taça foi resposta imediata ao título da Lazio na temporada anterior, que havia empatado os rivais em números de scudetti. Na campanha, Batigol anotou 19 vezes, incluindo no clássico e no jogo do título, os 3-1 no Parma.
Em 2001, juntou-se ao trio o goleiro reserva Christian Cejas, que saiu ao fim da temporada junto com Batistuta (vendido à Internazionale) e Balbo (que foi aposentar-se no Boca do coração); e veio o lateral Leandro Cufré, ex-Gimnasia LP. Samuel ficou mais uns bons anos a ponto de virar galáctico no Real Madrid em 2004. Já Cufré, bifinalista da Copa da Itália em 2005 e 2006, foi chamado à Copa do Mundo de 2006, indo em seguida ao Monaco. As novidades seguintes também vieram para a defesa: Nicolás Burdisso veio da Internazionale em 2009 e no ano seguinte recebeu a companhia do irmão Gustavo Burdisso, promessa do rebaixado Rosario Central.
Só o Burdisso mais velho durou, saindo em 2014 e tendo companhia de diversos outros argentinos. Em 2011, veio do rebaixado River a promessa Erik Lamela e do Espanyol o destaque Pablo Osvaldo. Ficaram dois anos, com destaque maior a Osvaldo, cujo desempenho levou-o à seleção italiana enquanto Lamela não se firmava totalmente na argentina. Lamela, Osvaldo e Nico Burdisso jogaram a final da Copa da Itália de 2013, título mais perto do qual a Roma chegou nos últimos anos – os dois primeiros logo rumaram ao futebol inglês, enquanto Burdisso ficou mais um ano antes de partir ao Genoa.
Ainda em 2011 também chegaram, mas para uma só temporada, o volante Fernando Gago (dos fundos do Real Madrid) e o zagueiro Gabriel Heinze (do Olympique de Marselha). Formado no Boca, Leandro Paredes apareceu do Chievo Verona em 2014, mas demorou até a temporada 2016-17 para firmar-se, embora saísse dela vendido ao Zenit. Também de Verona, do rival Hellas, veio na mesma leva o atacante veio Juan Iturbe, que já tinha ares de eterna promessa – o “Messi paraguaio” seria sucessivamente emprestado a times menores até ser vendido ao futebol mexicano em 2018.
Outros sem maiores oportunidades foram o zagueiro Nicolás Spoli e o atacante Ezequiel Ponce, que só duraram na temporada 2015-16. Ela também marcou a chegada de Diego Perotti, inicialmente sob empréstimo do Genoa. Com passagens esporádicas pela seleção, Perotti tinha sobretudo anos de Sevilla, permeados com um semestre esquecível no Boca (onde seu pai havia brilhado como talismã na Libertadores) e deixou seu gol no 4-1 no clássico do returno, cavando uma compra em definitivo.
Ex-colega de Perotti na Andaluzia, o zagueiro Federico Fazio veio na temporada 2016-17 após praticamente dez anos de sevillismo. A dupla, sobretudo o zagueiro, foi titular na campanha do vice-campeonato na Serie A e 2017-18 saboreou as semifinais da Liga dos Campeões, com direito a epopeia diante do Barcelona. O elenco ainda chegou a ter naquela temporada pré-Copa o lateral-esquerdo Jonathan Silva, emprestado pelo Sporting Lisboa e que passou despercebido.
Ao fim, Perotti deixou mesmo de ir pela terceira vez seguida a uma Copa, embora testado em amistosos (ele havia marcado outro gol no Derbi della Capitale, abrindo triunfo romanista por 2-1). Mas Fazio, ausente no Brasil e de três Copas América na década, garantiu-se na Rússia. A temporada 2018-19 viu Perotti começar a perder lugar também no clube (em 2020, terminaria vendido ao Fenerbahçe) e a chegada de Javier Pastore desde o Paris Saint-Germain. Tal como lá, El Flaco não chegou a retomar o protagonismo italiano dos tempos de Palermo, mas segue na capital junto de Fazio – embora a essa altura ambos sejam mais comuns no banco giallorosso. Até a chegada às semifinais da última Liga Europa, as temporadas recentes foram mornas, ainda que o zagueiro desfrutasse um gol de empate a quatro minutos do fim em clássico de 2019.
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