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Sporting Lisboa, o time dos argentinos artilheiros em Portugal

Publicado originalmente no aniversário de 15 anos, em 12 de maio de 2017, da conquista portuguesa anterior do Sporting, a de 2001-02

“Todo el estadio me cantaba la canción de cuando jugaba, ‘Matador, matador, Beto Acosta é o nosso matador'”, declarou emocionado, puxando o português, o ex-“avançado” Alberto Acosta sobre a recepção que em 2006 tivera dos “adeptos” na festa de centenário do Sporting Lisboa. Seis anos antes, ele era, com 34 anos, artilheiro do elenco campeão da liga após dezoito anos. Um tabu de período bem similar, de dezenove anos, encerrou-se hoje. Dessa vez, sem hermanos em Alvalade. Ainda assim, vale relembra-los. Afinal, trata-se do clube português em que mais teve protagonistas argentinos na arte dos “golos”.

O primeiro argentino leonino, porém, trabalhava para evita-los: era o “guarda-redes” Jorge Morice, de trajetória desenvolvida já na Europa. Agarrou ainda no amadorismo, entre 1914 e 1917, quando não havia ainda um campeonato português. Ganhou o que estava ao alcance: o campeonato lisboeta, em 1915, e as três Taças de Honra do período. Os hermanos seguintes tampouco podiam fazer gols: foram os técnicos Alejandro Scopelli (1955-1956), Abel Picabea (1956-57) e Mario Imbelloni (1958-60), nenhum dos quais campeão. Era o período em que o Benfica começava a dominar o cenário nacional.

Scopelli foi talvez o jogador argentino mais globalizado na primeira metade do século XX: defendeu a Argentina na Copa de 1930 e jogou pela seleção italiana, além de trabalhar no México, na França, Chile e tinha experiência prévia em Lisboa, pelos rivais Belenenses e Benfica. Curiosamente, seu Sporting tirou fora de casa um título quase ganho pelo Belenenses, com um trio hermano (Miguel Di Pace, José Pellejero e Ricardo Pérez) e onde o Scopelli fora ídolo como jogador. Ironia: foi esse campeonato que iniciou a série benfiquista. Picabea, por sua vez, tinha experiência no Brasil, especialmente no futebol paulista, incluindo as Portuguesas Santista e de Desportos. E Imbelloni, como jogador, era ex-Real Madrid.

O primeiro matador, por sua vez, foi Diego Arizaga, profissionalizado com o Estudiantes na segunda divisão de 1954. Conhecido apenas como Diego em Portugal, ficou de 1959 a 1962, um período de entressafra: o rival Benfica começava a tornar-se o clube dominante no país, posto que até a década anterior era dos alviverdes. O argentino fez 62 gols em 92 jogos, sendo o artilheiro do elenco no título de 1961-62 (último momento em que Sporting e Benfica tiveram o mesmo número de títulos portugueses), o único que pôde conquistar, garantido justamente em um 3-1 no clássico com os encarnados.

Foram 17 gritos em 24 jogos, quase 0,75 por partida. Dali foi jogar no Palermo. Chegou a ser treinado por outro argentino em Alvalade com passagem prévia no Brasil, mas no futebol carioca: Alfredo González (1960-61). Já o argentino seguinte foi histórico. Afinal, é o único hermano que, além de Lionel Messi, também faturou a chuteira de ouro. Foi Héctor Yazalde, revelação do Independiente do fim dos anos 70. Foram cinco temporadas coroadas na “época” de 1973-74, onde conquistou-se o campeonato, a Taça de Portugal e a artilharia máxima no continente.

Yazalde: único argentino chuteira de ouro europeu além de Messi, conseguiu de quase tudo em 1974. À direita, vaza o Benfica

Em uma época na qual ir ao futebol europeu mais atrapalhava do que ajudava a manter-se na seleção, tal desempenho foi gritante demais para ser ignorado. Yazalde, após anos de ausência na Albiceleste, acabou convocado à Copa de 1974. E até casou-se com uma Miss Portugal. Dedicamos a El Chirola este outro Especial.

Desde então, diversos foram os argentinos no clube, sobretudo na virada do milênio. Sergio Saucedo, atacante ex-Quilmes, esteve de 1984-86. Bruno Marioni, atacante ex-Estudiantes, chegou em 1997 e recebeu vários compatriotas: em 1998, chegaram o zagueiro Gabriel Heinze, emprestado pelo Real Valladolid; o meia Julián Kmet, do Lanús e depois sondado pela seleção ucraniana; e o volante Aldo Duscher, ex-Newell’s. E Acosta chegou veterano do San Lorenzo. Heinze e Marioni sairiam em 1999. A foto que abre a matéria mostra um festejo conjunto de Duscher e Acosta com o desjejum de 2000. Mas haver uma panelinha não significava tranquilidade interna, pelo que Acosta explicou em 2012:

“(Troquei socos) com El Gringo Heinze, no primeiro treino no Sporting. Tiveram de nos separar. Em um rachão, sem querer girei e lhe parti a boca. ‘Velho decrépito’, me disse. ‘Pirralho de merda’, lhe respondi; dissemos de tudo e fomos às mãos. Nós dois vivíamos no mesmo hotel, ele tomava café da manhã com seu irmão, eu com meu empresário, e nem nos olhávamos nem cumprimentávamos, haviam sido muito fortes os insultos. Na equipe havia outros argentinos, todos garotos que vinham comer em casa, minha mulher fazia milanesas. E pobre Gringo, estava só. Eu sou bastante orgulhoso, mas como era o mais velho, e me dei conta de que havia sido uma estupidez, me aproximei e nos resolvemos. Hoje somos grandes amigos, nos falamos direto”.

O próprio Acosta não chegou sob aplausos. Tinha 34 anos e “A Bola, um dos jornais mais importantes, me pôs na capa… em cadeira de rodas. Era uma montagem, me mostravam como um velho. ‘Este é o atacante do Sporting’, dizia. Nesse momento, me disse: ‘essa gente que hoje ri de mim irão vir me pedir desculpas’. E assim aconteceu. Fui campeão, artilheiro da equipe e tiveram que vir me pedir desculpas”. Mas antes do título, sofreu mesmo: segundo ele, “fiquei muito mal com Giuseppe Materazzi, o pai do defensor. O tive no Sporting e não me colocava por pedido dos dirigentes. Queria que eu reagisse para me expulsarem e não me pagassem mais. Quando demitiram Materazzi após seis jogos, me contou tudo e me pediu desculpas”.

A redenção do atacante veio na campanha campeã da liga em 1999-2000, encerrando o pior jejum alviverde até então (a seca encerrada hoje o superou em um ano), foram 24 “golos” daquele atacante já grisalho e que nunca fora refinado, em 39 jogos. Também já dedicamos ao Beto (que em Portugal criou a característica comemoração de exibir os cinco dedos, simbolizando os quatro filhos a esposa) este outro Especial. Kmet mal jogou, mas o elenco campeão tinha de argentino titular também Duscher. Já o meia Mauricio Hanuch (ex-Independiente) e o defensor Facundo Quiroga (ex-Newell’s) chegaram para aquela temporada e estiveram em cerca de metade dos jogos.

Antes e depois de Yazalde, Alvalade teve outros matadores argentinos campeões: Diego (1962) e Acosta (2000)

Duscher foi contratado pelo Deportivo La Coruña recém-campeão espanhol e pelo clube galego iria à Copa de 2006; Hanuch foi seguidamente emprestado até o fim do contrato em 2003, assim como Kmet (até 2002). Acosta sairia após outra temporada, voltando a seu San Lorenzo para enfim ser campeão (na Copa Mercosul 2001 e na Sul-Americana 2002, justamente os primeiros títulos continentais azulgranas) na equipe onde mais se identificou; para seu lugar, a diretoria sportinguista traria ninguém menos que Jardel. Quiroga foi o único a permanecer para a grandiosa temporada 2001-02, a última a render título português e a última a render dobradinha nacional. Chegou a ser cotado à Copa do Mundo, o que não se concretizou. Defenderia a seleção e o Sporting até 2004.

Mas Alvalade jamais passaria uma temporada sem ao menos um argentino. O último titular campeão foi outro grande ídolo do San Lorenzo, talvez o maior: o maestro Leandro Romagnoli, meia que esteve por lá de 2005 a 2009, logrando o bicampeonato na Taça de Portugal em 2007 e 2008 – nesta, ao lado do lateral Leandro Grimi, ex-Huracán. Ex-colega de Acosta nos títulos continentais sanlorencistas de 2001 e 2002, foi o único remanescente deles a erguer a Libertadores, em 2014. A estiagem de títulos não se deveu a falta de argentinos, diga-se. Na sequência chegaram Marco Torsiglieri, zagueiro ex-Vélez de 2010-11; Matías Fernández, meia ex-Villarreal e naturalizado chileno (2010-13); Fabián Rinaudo, volante ex-Gimnasia LP e Emiliano Insúa, defensor ex-Liverpool (ambos 2011-13), até uma primeira aparição melhor reconhecida – a do lateral Marcos Rojo, contratado em 2012 junto ao Estudiantes. Contestado, é verdade, ele ainda assim representou o time na Copa de 2014, e muito bem, rumando ao Manchester United após o torneio.

Depois da chegada de Rojo, muitos outros apareceram, mas pouquíssimos conseguiram titularidade. Valetín Viola, atacante ex-Racing (2012-13); Jonathan Silva, lateral-esquerdo ex-Estudiantes (2014-18 e sucessivamente emprestado desde 2015); o atacante ex-palmeirense e gremista Hernán Barcos (2015-16, reserva no dramático vice do campeonato na liga na gestão de Jorge Jesus); Marcelo Meli (meia emprestado pelo Boca em 2016 e repatriado quase instantaneamente pelo Racing); Ezequiel Schelotto, ponta naturalizado italiano (2015-17, quando rumou à Premier League); outro ex-Grêmio e San Lorenzo, o ponta Alan Ruiz (opção regular na temporada 2016-17, começou a ser sucessivamente emprestado a partir da seguinte); e seu irmão Federico Ruiz (meia ex-Colón que não computou jogos oficiais, desde 2016 emprestado à Sintrense) estiveram sem qualquer glória. De todos eles, somente Silva tomou parte de um título, e ainda assim como reserva na Taça de Portugal de 2015.

Dos nomes seguintes, o lateral-esquerdo Marcos Acuña e o volante Rodrigo Battaglia ficaram ambos de 2017 a 2020, quando os Leões ao menos puderam comemorar os troféus secundários: em janeiro de 2018, foram usados no segundo tempo da decisão da Taça da Liga, mas em maio perderam como titulares a Taça de Portugal (para o Aves!). O ex-racinguista Acuña até foi ao Mundial da Rússia, ao passo que o ex-huracanense Battaglia, adquirido já junto ao Braga, teve pouco após aquela Copa os seus dois jogos pela seleção. Em 2019, o time novamente decidiu a Taça da Liga e a Taça de Portugal, conseguindo frente ao Porto essa dobradinha – já tendo somente em Acuña um argentino titular. O problema foi levar de 5-0 do Benfica na Supertaça que abriu a temporada 2019-20, com o ponta Luciano Vietto recém-chegado do Atlético de Madrid. Nenhum dos três ficou para a festa de hoje: na temporada 2020-21, Acuña rumou ao Sevilla e Battaglia foi emprestado ao Alavés, enquanto Vietto, embora figurasse no início da campanha na Liga Sagres, foi despachado ainda em outubro ao Al-Hilal.

Clique aqui para uma breve apresentação de argentinos de sucesso em Portugal

Quiroga foi o último argentino titular em um título português do Sporting. Desde então, os de relativo reconhecimento se limitaram a Romagnoli, Rojo, Acuña e Battaglia

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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