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Nos 15 anos “daquelas” pedaladas de Robinho, relembre os argentinos do Santos

Desde 2013 vemos usando datas comemorativas para relembrar argentinos de diversos clubes brasileiros, incluindo Bangu e America-RJ. Dos doze maiores times do país, a pendência restante era com o Santos. Não é mais. Nos quinze anos do título brasileiro de 2002, a relançar os praianos como potência realmente aspirante a títulos expressivos no país e além, vamos relembrar os hermanos santistas, a incluir dois que se destacaram em plena Era Pelé e até outros dois vencedores de Copa do Mundo. Uma trajetória curiosa, com muitos nomes, incluindo gente renomada, que mal chegaram a dez partidas no clube. Injustiça a um dos pioneiros na importação de argentinos.

Em 1934, mesmo ano em que o America-RJ (ou melhor, America-DF, quando a cidade do Rio de Janeiro era separada do Estado homônimo, sendo até 1960 o Distrito Federal), então terceiro maior campeão carioca, foi a primeira equipe do país a importar largamente hermanos para si, o Santos também teve o seu primeiro: o centromédio Marcelo Torres. Para ficar no exemplo, o primeiro argentino são-paulino veio exatamente daquele America, José Ponzinibio. Os primeiros profissionais do Palmeiras, que nos amadores anos 10 havia contado com Benito Mosso, apareceram em 1939 – Floreal Garro e José Echevarrieta, depois jogador do próprio Santos como veremos adiante. E só em 1974 o Corinthians aceitou um, o goleiro Carlos Buttice, por sinal outro ex-America.

Bem, Torres não durou mais do que quatorze jogos, seis deles pelo Estadual, sendo o volante central do trio com Dino e Ramon. Pouco se sabe sobre sua origem mesmo na terra natal. Seu sucessor apareceu em 1938 e foi outro fugaz: o atacante Américo Menutti, que veio do Platense após formar-se no Boca. Em seus únicos três jogos, até marcou duas vezes (incluindo um no Corinthians, em derrota por 3-2 em amistoso), mas saiu antes do Estadual, liberado para jogar no Vasco. A mesma sina o clube teve com o primeiro argentino mais renomado que chegou à Vila: o ponta-direita Gabriel Magán, ídolo no San Lorenzo. Foi o goleador do time no primeiro título profissional azulgrana, em 1933 (tem até hoje o recorde de gols em um só jogo pelo time, com cinco em um 8-2 no Tigre em 1932), saindo em 1936 após já entrar em declínio.

Pelo Santos, Magán fez uma única partida em setembro de 1939, em amistoso contra o Botafogo (4-4). Segundo relatos do Correio Paulistano, o clube irritou-se com o descaso da CBD em providenciar documentação pertinente da federação argentina para regularizar o jogador, problema que já teria ocorrido com Menutti. No mesmo ano, o mesmo Correio Paulistano publicou em novembro que o clube conseguiu registrar em novembro outro ponta-direita, Vicente Rojas, que já havia estreado em outubro em amistoso contra o Vasco (no qual inclusive marcou gol na vitória por 2-1.

Na Argentina, Rojas não passou dos times B dos rivais Independiente e Racing, segundo o especialista Esteban Bekerman. De fato, já em março do ano seguinte o mesmo jornal noticiava a requisição, pelo Santos, de cancelamento da inscrição do argentino, que jogou só outra vez. Em 1940, o time contou com três vizinhos. O primeiro foi José Agnelli, zagueiro ex-Ferro Carril Oeste que já estava no Brasil, no Vasco. Foi outro bastante obscuro na Vila, com duas partidas. Mas se radicou no interior paulista, chegando a vencer como técnico a Série A-2 de 1956 pelo Botafogo-SP.

O superartilheiro-problema Echevarrieta, Soler e Dacunto

O seguinte foi o atacante Pascual Molinas, grafado como Molina no Brasil. Havia sido colega de Menutti no Platense, onde teve passagem mais destacada na Argentina, com 38 gols em 96 jogos entre  1933-36, defendendo Gimnasia LP e Vélez em 1939; e volante José María Sosa. Molinas foi talvez o primeiro argentino a ter relativo destaque: foi o artilheiro do elenco santista na temporada, com dez gols, incluindo um cada nos clássicos contra Hespanha (atual Jabaquara, por 2-1) e Portuguesa Santista (2-2 em 1940 e 3-2 em 1941. A “Briosa”também viria a ter argentinos na época, o mais notável sendo Tomás Beristain, ex-seleção e que marcou outro gol nos 2-2), ambos times de patamar ainda equiparável ao Santos. Molinas, que ainda fez três em um 8-1 no Juventus, totalizou 13 gols em 26 jogos. Já Sosa, ex-Huracán, atuou dezessete vezes, com um gol.

Em 1942, a Baixada recebeu o goleiro Ángel Capuano e o atacante José Echevarrieta, ambos já instalados no Brasil. Capuano, outro a jogar só uma vez, era ex-Fluminense e antes havia defendido na Argentina principalmente o Racing. Echevarrieta chegou em novembro após problemas de regularidade como estrangeiro e o temperamento minarem sua gloriosa estadia no Palestra/Palmeiras. Relembramos El Vasco em recente Especial dedicado a quem ainda tem a melhor média de gols nos alviverdes (113 em 128 jogos), percentual que continuou altíssimo no Santos: foram 20 em 25 jogos, incluindo em clássicos contra o próprio Palmeiras (um em um 2-0) e Portuguesa Santista (dois em um 3-0 e outro em um 5-1).

Mas, tal como no ex-clube, também no Santos as polêmicas disciplinares marcaram Echevarrieta na época e em 1943 ele, com poucos gols no Estadual após mais de uma suspensão interna, rumou ao Ypiranga. Ainda assim, foi o estrangeiro com mais gols pelo Santos no século XX e somente em 2017 outro gringo o superou (Jonathan Copete). Capuano também não teve vida longa e em 1944 o único argentino da vez era Juan Carlos Soler, volante central emprestado pelo Excursionistas, da segundona argentina. No Excursio, apesar da posição recuada, marcou interessantes 69 gols em 265 partidas, incluindo a artilharia da segundona de 1942.

El Indio Soler fez uma dezena de jogos pelo Peixe, com dois gols – um deles, o da duvidosa honra de um 9-1 sofrido diante do São Paulo, a pior derrota alvinegra no San-São. Na Argentina, ele prosseguiu carreira no Estudiantes de Buenos Aires. Em 1946, chegou do Palmeiras o volante José Dacunto. Havia sido colega de Agnelli no Ferro Carril Oeste e no Vasco, seu primeiro clube brasileiro, e nos alviverdes foi o protagonista involuntário da conquista de 1944 – o São Paulo conseguiu barra-lo por irregularidades, mas sucumbiu na decisão e a torcida palestrina cantou que “com Dacunto ou sem Dacunto o São Paulo é um defunto”. Na Vila, ele acumulou mais de sessenta jogos até o ano seguinte, quando teria pendurado as chuteiras.

O nome seguinte jogou uma única partida, em janeiro de 1950: foi o atacante Elmo Bovio, que até marcou gol, em amistoso com o Vasco. Assim como Echevarrieta, saíra escorraçado do Palmeiras pela indisciplina apesar do ótimo desempenho em gols. Revelado na terra natal pelo Sarmiento de Junín, já havia defendido Peñarol e Internazionale. No decorrer daquele ano, passou ao São Paulo, onde ainda detém a melhor média de gols no clube dentre os estrangeiros, com 22 em 26 jogos. Mas, assim como nos times anteriores, foi mandado embora pelo temperamento, sequer ficando para o fim do Estadual. Outro a jogar uma única partida pelo Santos em 1950 foi o zagueiro Alberto Dell’Occhio, referido apenas como Alberto. Diferentemente de Bovio, quase nada sabe-se sobre ele nem na terra natal.

Em 1954, o ponta-direita Ernesto Picot, filho de uma mulata uruguaia de quem herdou a rara cor de pele em seu país, passou dois jogos de testes na Vila, com um gol. Foi aprovado, mas não ficou porque seu San Lorenzo desistiu do negócio, declarando-lhe intransferível. Em 1956, apareceu o veterano Juan José Eufemio Negri, que nos anos 40 havia passado pela seleção como jogador do Estudiantes, defendendo ainda tanto Boca como River antes de uma passagem de relativo destaque no São Paulo: marcara sobre o próprio Santos um dos gols do jogo do título estadual de 1953.

Negri e o goleiro Romera (ou apenas Ricardo) foram melhores que o campeão mundial Luque

Negri chegou a conviver com o iniciante Pelé antes de uma saída conturbada que o levou ao futebol chileno, de onde voltou ao Estudiantes. Foram 17 jogos e quatro gols (apenas um pelo Estadual, em 4-2 na Ponte Preta, mas esteve no jogo do título de 1956, contra o Taubaté. Foi o segundo título do clube e o primeiro desde 1935) como santista. Em 1967, chegou o primeiro dos poucos a realmente virar ídolo. Tal como Picot, um raro argentino negro destacado no futebol, o beque José Ramos Delgado, filho de um cabo-verdiano. Considerado decadente na terra natal, havia brilhado no Lanús vice de 1956, raríssimo pódio grená antes dos anos 90, assim como num River que enfrentava jejum nos anos 60. Vinha do Banfield com o cartaz de quem, em 25 jogos pela seleção, foi 16 vezes capitão.

Ramos Delgado chegou para substituir o aposentado Mauro Ramos de Oliveira em uma entressafra na Era Pelé: o time havia perdido a Taça Brasil e o Estadual em 1966, sendo dado como decadente. O argentino estreou na campanha dramática do título de 1967, superando um São Paulo que não era campeão havia dez anos. A segurança foi logo retomada e o time conseguiu um tranquilo bi paulista em 1968 (onze pontos sobre o vice, quando a vitória valia dois), ano de conquista também do Robertão, batendo o Vasco no Maracanã. Campeão também da Recopa Mundial sobre a Internazionale em 1969, ano em que o argentino esteve também em outros jogos históricos como o do milésimo gol de Pelé ou o do amistoso na Nigéria que pausou a Guerra de Biafra.

El Negro defenderia o clube até 1973, quando, já decadente, foi repassado à vizinha Portuguesa Santista, voltando à Vila diversas vezes em diferentes funções. É o estrangeiro com mais jogos pelo Santos, acumulando mais de trezentas partidas. Mas o provável nome mais famoso dessa lista jogou, como muitos, apenas uma. Foi César Luis Menotti. Antes de celebrizar-se como o técnico campeão mundial de 1978, era daqueles meias tanto elogiados pelo refinamento como criticados pela lentidão. Havia defendido a seleção como jogador do Rosario Central, passando ainda pelos gigantes Boca e Racing. Em 1968, estava no incipiente futebol dos EUA quando marcou um dos gols da surpreendente vitória do seu time, o New York Generals, por 5-3 sobre Pelé e colegas.

El Flaco então apareceu para um período de testes na Vila. Não foi efetivado – um Jornal do Brasil de dezembro aponta que ele chegou a ser reserva (de Negreiros) no próprio time de reservas em um rachão. Continuou no futebol paulista no Juventus, onde pendurou as chuteiras. Ele é um raro argentino corajoso em colocar Pelé acima de Maradona. E também de Messi, em entrevista dada já em 2014 à El Gráfico. Quando Menotti anos mais tarde divulgou a primeira lista de pré-convocados à Copa do Mundo de 1978, incluiu Agustín Cejas como quarta opção, mostra do alto nível que o já veterano ainda demonstrava por um Racing decadente. Antes, havia antes defendido-o na fase áurea, ganhando a única Libertadores do clube e o primeiro Mundial do futebol argentino, em 1967.

Mesmo sendo o goleiro titular no insucesso nas eliminatórias à Copa de 1970, Cejas foi importado pelo Santos, carente na posição após as aposentadorias de Gilmar e Laércio e da lesão de Cláudio. Não teve um bom início, tanto individualmente como coletivamente: só em 1973 conseguiu um título, uma enormidade para os padrões da Era Pelé, pois os praianos jamais havia ficado até então mais de um ano sem taças. Assim é fácil entender suas comemorações efusivas a cada pênalti que pegava na final do Estadual de 1973. Cejas foi o grande nome do último título da Era Pelé, ainda que erros do juiz Armando Marques fizessem o troféu ser dividido com a Portuguesa. No mesmo ano, pelo Brasileirão, recebeu a primeira Bola de Ouro ofertada pela revista Placar.

Galván e Frontini são os argentinos com mais partidas no novo século. E a decepção Montillo é o único importado como santista pela seleção argentina

Cejas ficou mais um ano no Santos, voltando ao futebol argentino em 1975 para defender o Huracán antes de voltar ao Racing, onde é o segundo jogador com mais partidas – tal como é entre os estrangeiros do Santos (cerca de 250), abaixo somente do ex-colega Ramos Delgado. Já dedicamos um Especial ao goleiro: clique aqui. Para substitui-lo, o clube trouxe do futebol mexicano o goleiro Ricardo Romera (revelado no Gimnasia LP), já em 1976, como contrapeso na venda de Miranda. Romera havia sido reserva de Cejas nas Olimpíadas de 1964. Conhecido no Brasil só como Ricardo, ele chegou inicialmente apenas para testes mas acabou ficando por três temporadas, próximo dos sessenta jogos, até pendurar as luvas. Já Leopoldo Luque ficou por três meses mesmo.

Atacante titular da Argentina campeã de 1978, sendo seu artilheiro na fase de grupos, Luque era nome consagrado no Unión e no River. Mas o bigodudo vinha em 1983 já em declínio do Racing, só jogando pelo Santos cinco vezes e sem marcar, rumando dali ao Chacarita. O trauma pareceu mútuo: sua passagem pelos alvinegros não foi mencionada uma única vez em longa e biográfica entrevista dada neste ano à El Gráfico. E só em 2000 o clube voltou a contar com um hermano: o beque Carlos Galván, que, formando no Racing, havia se destacado no Atlético Mineiro vice brasileiro no ano anterior.

Em tempos de vacas magras e à dolorosa eliminação na semifinal estadual de 2001, El Negro Galván, apesar da expulsão aos 45 do segundo naquele jogo, deixou boa recordação antes de rumar ao Lanús justo em 2002, no início do ano, bem antes do Brasileirão vencido há 15 anos. Contratado em 2000 em um pacotão de estrelas a incluir Carlos Germano, Marcelinho Carioca, Edmundo e Freddy Rincón, foi o mais longevo deles no time, perto dos oitenta jogos. Em 2005, o mais exótico: Carlos Frontini havia crescido no Brasil e, exceto uma passagem pela Ucrânia, só jogou por equipes brasileiras, sobretudo do interior paulista, destacando-se na União Barbarense campeã da terceira divisão de 2004 – na qual foi artilheiro do torneio.

Na Vila, Frontini esteve no elenco que chegou a sonhar o título brasileiro mas que despencou em meio à venda de Robinho e ao escândalo de Edílson Pereira de Carvalho (a subtrair pontos do time), mas, emprestado pelo Marília, não ficou para 2006. Ainda assim, teve 38 oportunidades em campo (com oito gols, um deles em 2-1 no Palmeiras), mais do que as diversas foram as apostas santistas nos últimos dez anos em meio ao no boom de argentinos no futebol brasileiro. Foram os casos, primeiramente, dos atacantes Mariano Trípodi (2008) vindo do San Martín de San Juan para iniciar sua larga trajetória pelo Brasil; e Ezequiel Miralles, refugo no Grêmio após brilho somente no futebol chileno, e Patricio Rodríguez, campeão da Sul-Americana de 2010 com o Independiente (ambos em 2012).

Em 2013, o talentoso meia Walter Montillo veio de boa passagem pelo Cruzeiro para uma dupla promissora com Neymar, fã assumido. Montillo tornou-se o primeiro a defender a seleção argentina vindo do Santos, mas, retomando a convivência crônica com lesões que lhe marcara no San Lorenzo, jogou pouquíssimo (dez) e a dupla sonhada também não durou, com a venda do prodígio ao Barcelona. Seu “sucessor” foi Cristian Ledesma, de longa trajetória na Lazio e passagem pela seleção italiana, jogou ainda menos (quatro vezes). Em 2016, o clube foi campeão estadual tendo Patito Rodríguez (que voltava dos numerosos empréstimos) e o meia-atacante Maxi Rolón (importado do Barcelona B), nenhum dos quais com vida longa e ambos já em outros clubes atualmente.

Os argentinos santistas atuais são o meia Emiliano Vecchio, já vinculado no passado ao Corinthians e que na Argentina sobressaiu-se somente no Defensores de Belgrano; e o zagueiro Fabián Noguera, do Banfield campeão da segundona em 2014.

Clique no nome dos times para acessar os demais Especiais publicados na mesma linha (ordem alfabética): 

America (2015), Atlético (2016), Bangu (2014), Botafogo (2015), Corinthians (2015), Cruzeiro (2017), Flamengo (2015), Fluminense (2015), Grêmio (2013),  Internacional (2016), Palmeiras (2014), São Paulo (2017) e Vasco (2016).

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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