Néstor Rolando Clausen, pronunciado “Nêstor Cláussen”, é considerado o maior lateral do Independiente – sabia jogar nos dois lados. Raríssimo nome campeão internacional com o Rojo tanto nos anos 80 (presente na última Libertadores e no último Mundial do clube, em 1984) como nos anos 90 (na Supercopa 1995), El Negro foi o único titular mantém-se ídolo no Rey de Copas mesmo com uma herética passagem pelo rival Racing… revertida com um regresso direto à Doble Visera, fazendo dele um raríssimo vira-casaca de idas e vindas em Avellaneda. Estrela em alviceleste, só mesmo na seleção argentina: venceu a Copa do Mundo de 1986, ainda que só jogasse na estreia. Hoje ele faz 60 anos.
O livro Quién es Quién en la Selección Argentina o define assim: “um defensor pelos lados, sobretudo o direito, com as características clássicas desse posto: bom posicionamento, antecipação, pique e constante e criteriosa projeção ofensiva. Resultou um elemento muito importante durante todo o processo de classificação ao Mundial do México”. O livro oficial do Clarín para o centenário do Independiente, em 2005, continha descrições similares e complementava que Clausen tinha “uma incomum potência física que lhe permitir exercer um vaivém constante”. Por fim, edição especial em que a El Gráfico escolheu em 2011 os cem maiores ídolos do clube acrescentou: “mesclava técnica, desenvoltura e marcação” e “com uma precisão cirúrgica para varrer e ficar com a bola. Sua potência física lhe agregava um ida-e-volta que o fazia um camisa 4 completo”.
Essa mesma edição da El Gráfico também destaca que curiosamente, seu primeiro clube fora um Racing, o da sua cidade santafesina natal de Villalda – e que rumou ao Independiente graças a um olheiro casual que, fanático pelo Rojo, custeou passagens e acomodações para que Clausen fizesse, aos 16 anos de idade, um teste em Avellaneda. Clausen subiu ao time adulto em uma entressafra do elenco bicampeão do Torneio Nacional em 1977 e 1978 para aquele que é considerado o mais vistoso que o clube teve pelo menos nos últimos cinquenta anos – chegaremos lá. El Negro (apelido comum na Argentina mesmo a quem tem mais feições indígenas, como ele, do que propriamente africanas) foi relacionado pela primeira vez a um jogo dito “oficial” na 29ª rodada do Metropolitano 1980, em 9 de julho, ainda que o então técnico Miguel Antonio Juárez não chegasse a tira-lo do banco naquele 1-1 com o Huracán.
A estreia veio na 36ª e antepenúltima rodada, e como titular, na vitória de 1-0 fora de casa sobre o Tigre. Clausen também foi usado na última, 0-0 em Avellaneda contra o San Lorenzo. Mas viveria quase todo o Torneio Nacional na reserva de outro campeão mundial, Jorge Olguín. Ainda nome frequente na seleção, Olguín ocupou-se a partir de dezembro com os preparativos da Argentina para o Mundialito no Uruguai e desfalcou o time desde as quartas-de-final. El Negro entraria uma única vez – no que foi sua primeira grande partida, segundo aquela mesma El Gráfico e aquele mesmo Clarín.
Por sinal, contra outro Racing: o de Córdoba, em triunfo de 5-3 que mostrou-se insuficiente; era o jogo de volta das semifinais e os cordobeses, sensação do torneio, puderam avançar à decisão por já terem ganho de 4-0 no jogo de ida, no velho Chateau Carreras. Mesmo assim, ele precisou aguardar até a 5ª rodada do Metropolitano de 1981 para voltar a jogar no time adulto, inicialmente alternando-se com Olguín. Logo notou-se como podiam render juntos, com o concorrente voltando ao miolo da zaga, sua posição de origem; naquele Metro, Clausen pôde atuar em 23 jogos e até marcar um primeiro golzinho, nos 4-0 sobre o Argentinos Jrs.
Já bastava para o lateral participar do Mundial sub-20 daquele ano, embora a Albiceleste – dos jovens Sergio Goycochea e Jorge Burruchaga, dentre outros – decepcionasse, com uma surpreendente derrota para a Austrália se mostrando decisiva para queda na fase de grupos. Curiosamente, a segunda vez do próprio Burruchaga como titular na equipe principal do Independiente seria em função de uma lesão de Clausen, já pelo Torneio Nacional de 1982. A participação no Mundial sub-20 limitaria Clausen a sete partidas no Nacional de 1981, embora logo reocupasse o posto na reta final, encerrada com queda nas semifinais para o futuro campeão River.
Sete também foram os seus jogos no Nacional de 1982 (quando o torneio passou a ser no primeiro semestre), em parte pela lesão, em parte pela queda antes dos mata-matas de um elenco desfalcado em todo semestre para a longa preparação da Argentina para a Copa do Mundo de 1982. El Negro, ao menos, já tinha fama para livrar-se de uma convocação à Guerra das Malvinas, onde nascidos em 1962 foram largamente chamados – como jogadores sem tanta vitrine. Foi na virada de 1982 para 1983 que uma equipe histórica começou a tomar forma. O técnico Gitano Juárez dera lugar a Nito Veiga e o Rojo voltou às cabeças, embora ainda sob sabor agridoce: foi bivice seguido, tanto no Metropolitano 1982 (Clausen jogou 28 vezes) como no Nacional 1983 (14 jogos de El Negro em 20 possíveis).
Os dois torneios foram faturados pelo Estudiantes. No primeiro deles, o técnico dos platenses era Carlos Bilardo, que, por encerrar doze anos de jejum dos Pincharratas, acabou escolhido como novo treinador da seleção. El Narigón tratou de logo convocar Clausen, estreante no segundo jogo da Era Bilardo na Albiceleste, em 23 de junho de 1983, 1-0 amistoso sobre o Chile. Incrivelmente, aquela foi a única vitória oficial de El Negro por um bom tempo por seu país…
Em julho, o Paraguai faturou o troféu binacional Copa Félix Bogado (a Albirroja venceu em casa por 1-0 no dia 14 e segurou o 0-0 fora no dia 21) e, na única participação de Clausen na Copa América, a Argentina parou em Quito em um 2-2 com o Equador após ter aberto 2-0. Era a estreia e aquele revés adiante seria decisivo na precoce eliminação na primeira fase, então em um triangular que envolvia também o Brasil. Ressaca que o lateral pôde afastar com seu clube, enfim novamente campeão após longos cinco anos ao trazer de volta o emblema José Omar Pastoriza como novo técnico. Foi um dos títulos mais celebrados pela torcida do Rey de Copas, garantido em pleno Clásico de Avellaneda contra um rebaixado Racing. Clausen jogou 26 vezes na campanha que, historicamente instantânea, logo mostrou-se como mero aperitivo da temporada seguinte.
Inicialmente, ela foi só razoável: no Torneio Nacional, caiu-se nas quartas-de-final para o campeão Ferro Carril Oeste; isso ainda assim colocou El Negro em dois novos jogos com a seleção em meados de 1984: 0-0 em São Paulo com o Brasil em 17 de junho, derrota de 1-0 para o Uruguai em Montevidéu. Mas o ponto alto do ano inegavelmente foram as taças, primeiramente em uma Libertadores desenrolada quase que em paralelo ao Nacional. Se no torneio doméstico Clausen atuou em somente sete jogos, em La Copa ausentou-se só de dois, e por lesão. Inicialmente, atuou nas duas laterais: pela esquerda na estreia (1-1 com o Estudiantes), pela direita no quarto jogo (2-0 no Sportivo Luqueño) e no quinto (4-1 no Estudiantes) e novamente pela esquerda no sexto (3-2 no Olimpia). E isso que Patoriza criticava-o publicamente como “um cabeça dura” que custava a aprender tática…
O lado esquerdo logo foi efetivado por Carlos Enrique, restando ao concorrente do lado direito, Rodolfo Zimmerman, se contentar com o banco para El Negro, ausente apenas do segundo e terceiro jogos da caminhada – como baixa da primeira batalha com o Estudiantes, duelo que vinha tendo áspera aura de clássico naqueles dias. Sempre na lateral-direita, Clausen esteve em todo o restante da campanha, como “ladrilho direito do muro sólido” (palavras daquela El Gráfico dos ídolos) com El Loco Enrique na outra lateral e um miolo de zaga com Hugo Villaverde e Enzo Trossero; deles todos, apenas Enrique não foi eleito pelo Futebol Portenho para o time dos sonhos do Independiente, em 2015.
O sétimo e ainda último título na Libertadores do clube mais vezes campeão do torneio, com Clausen anulando Tarciso, se deu no fim de julho, sobre o Grêmio. Todo esse quarteto defensivo foi repetido na íntegra para o Mundial Interclubes contra o Liverpool (após um semestre em que equipes mistas realizaram os compromissos no Metropolitano, onde Clausen só jogou 16 vezes), onde o setor defensivo teve um papel primordial pelos 86 minutos que restaram após o precoce gol que abriu o placar em Tóquio, sem comprometer seriamente a imunidade do goleiro Carlos Goyen em nenhum momento. Incrivelmente, contudo, o lateral seguia uma sina sem vitórias quando vestia alviceleste.
Sua primeira partida pela Argentina em 1985 até seria uma vitória, mas sem entrar para as estatísticas; foi um 2-1 em Mendoza, já em 28 de fevereiro de 1985, contra a seleção provincial de lá, no estádio Malvinas Argentinas. Mas, oficialmente, ele chegou a oito partidas sem vitórias, uma das piores estatísticas na seleção – pois perdeu um amistoso para o Paraguai em 28 de abril, em Assunção, e outro para o Brasil em 5 de maio, em Salvador. O Paraguai ainda segurou um 0-0 em Buenos Aires, em amistoso travado em 9 de maio. Cinco dias depois, enfim, El Negro venceu pela primeira vez com a Argentina desde 1983, um 2-0 amistoso sobre o Chile, último compromisso antes das eliminatórias.
As eliminatórias ainda eram realizadas em grupos ao invés de todos contra todos. A Conmebol distribuiu suas dez seleções em três chaves, uma com quatro países (a da Argentina, que pegou Colômbia, Peru e Venezuela) e outras duas com três cada. Os líderes se classificavam ao México, enquanto a quarta vaga seria travada em um mata-mata com os três vice-líderes e o terceiro colocado do grupo argentino. Enquanto o Independiente caía nas quartas-de-final do Nacional após contar com Clausen por dez jogos, o lateral foi titularíssimo nas eliminatórias, entre maio e junho – embora se ausentasse uma vez, justamente a partida da dramática classificação em Buenos Aires contra os peruanos. Na campanha, marcou seu único gol com a seleção, nos 3-0 em casa sobre os venezuelanos.
Bilardo ainda faria testes de última hora, renovando substancialmente a equipe-base das eliminatórias, mas Clausen seguiu aparentemente intocável: jogou em 1985 também no 1-1 em Los Angeles com o México em amistoso de 14 de novembro e em boa parte dos amistosos pré-Copa em 1986. Em paralelo, o Rey de Copas esteve perto de nova final de Libertadores, mas passou o bastão a um timaço do Argentinos Jrs após inesperada derrota em casa na última semifinal. Os compromissos com a Albiceleste o limitaram a 18 partidas do Rojo na temporada argentina 1985-86 – em que o clube, desfalcado continuamente também do craque e do principal operário do meio-campo (Ricardo Bochini e Ricardo Giusti, respectivamente), terminou somente em 9º lugar.
Com a seleção, Clausen atuou em derrota em Paris para a França por 2-0 em 26 de março, um 1-0 não-oficial sobre o clube suíço Grasshoppers em Zurique em 1º de abril e derrota de 1-0 para a Noruega em 30 de abril. Uma vez no México, foi titular na estreia, nos 3-1 sobre a Coreia do Sul. El Negro, contudo, não jogou bem no triunfo por 3-1. Muito embora a Argentina fosse a primeira seleção a se instalar no país anfitrião, o lateral assumidamente nunca se acostumou à altitude e foi cruelmente avaliado como o pior em campo pela revista El Gráfico, que lhe deu nota 4, a mais baixa de todos os campeões que entraram em campo naquele torneio. Para o jogo seguinte, José Luis Cuciuffo assumiu a vaga.
Outro fator a prejudicar Clausen foi a mudança tática que Bilardo entendeu necessária: vendo que o clima mexicano fazia as principais seleções jogarem com menos atacantes, ele gradualmente despovoou a defesa para reforçar o meio; a linha de quatro na retaguarda, com dois zagueiros e dois laterais clássicos, foi modificada para um líbero (o caudilho Oscar Ruggeri) e dois stoppers (José Luis Brown, um certeiro xodó corporativista de Bilardo, e Julio Olarticoechea, inicialmente reserva na campanha) e o espaço pelos flancos acabaram guarnecidos por aqueles que Bilardo chamaria de “marcadores volantes”. O 3-5-2 estreou justamente “naquela” partida contra a Inglaterra, a marcar a primeira aparição de Olarticoechea como titular, e permaneceu até o fim. A participação do Negro ficou mais recordada como comprador da câmera que, operada por Olarticoechea, filmava os bastidores do time. Ele nunca polemizou sobre sua saída.
Há um mês, ao Infobae, jurou: “nunca houve problemas a respeito. Quando virei treinador, o entendi um pouco mais. Para isso estão os técnicos, para assumir este tipo de responsabilidades. Bilardo, em seu momento, não tomou decisões por baixos rendimentos e sim levou a cabo uma nova ideia tática”. De fato, El Negro seguiu regularmente relacionado ao banco de reservas, tanto nos dois jogos restantes da primeira fase como para a grande final – isso era sinal de prestígio em tempos em que nem todos os suplentes ficavam à disposição, cabendo ao técnico escolher somente cinco para serem escaláveis; por isso na imagem acima ele está uniformizado enquanto Bochini, descartado para o banco na final, não. Na mesma nota do Infobae, o lateral destacou que a medalha de campeão do mundo é o único item da carreira que sempre fez questão de conservar (“aonde vou, ela está”), ainda que se arrependa de ter sido menos apegado às camisas, chuteiras e afins.
Ele ainda seguira na seleção por mais algum tempo, mas só reapareceu esporadicamente; na temporada argentina de 1986-87, chegou até a pegar uma suspensão, em um gancho de dois meses após ser um dos envolvidos em cenas lamentáveis em pleno amistoso, do Independiente com a seleção paraguaia. Seu jogo seguinte pela Albiceleste foi uma partida não-oficial contra a Roma, no Olímpico, derrota de 2-1 em 19 de março de 1987. Mesmo com seu Independiente lutando até a rodada final pelo título argentino da temporada 1986-87 e conseguindo ao menos a liguilla pre-Libertadores, o lateral (que até deixou quatro golzinhos em 40 jogos na temporada) acabou esquecido para a Copa América. Na Libertadores, o Rojo exibiu sua última grande campanha no torneio, parando nas semifinais para o futuro campeão Peñarol.
A isso se seguiu a um fim de temporada morno no campeonato argentino de 1987-88, a terminar de desmanchar a equipe-base de 1984. O Rojo, tendo Clausen 27 vezes em campo, foi só 11º no torneio doméstico e eliminado da nascente Supercopa logo no primeiro duelo, contra o Cruzeiro, ainda em fevereiro de 1988. Como raro “senador” remanescente em Avellaneda, Clausen ainda pôde ter uma volta pontual à seleção, mas nada auspiciosa: derrota de 4-2 para a URSS em Berlim Ocidental, no quadrangular amistoso Quatro Nações. Seria mesmo somente o título argentino com o Independiente na temporada 1988-89 (El Negro jogou 31 vezes e deixou um golzinho, curiosamente o primeiro do campeão, no 1-0 sobre o Vélez na estreia), encerrando novo jejum expressivo (para a época) de cinco anos do Rey de Copas, que credenciou-lhe uma nova sequência de jogos pela Argentina. Bilardo o chamou à Copa América de 1989 e Clausen foi titular, atuando em seis partidas. Suas últimas.
É que o lateral veio ao Brasil disputar o torneio já como jogador recém-contratado pelo futebol da Suíça – terra de suas origens europeias mais próximas. Tornou-se o primeiro jogador que a Argentina chamou de algum clube daquele país (o Sion), mas se jogar em uma liga periférica e ainda assim passar longe dos títulos locais não lhe ajudavam, uma inoportuna sequência de lesões musculares lhe tirou de vez do radar da Albiceleste. Para a Copa de 1990, embora o álbum da Panini até acreditasse na convocação de Clausen, Bilardo preferiu desenterrar dois defensores que não jogavam havia nove anos pela seleção – Juan Simón e Edgardo Bauza – ou premiar estreantes de última hora, como José Serrizuela, para somar-se a quem vinha se consolidando no novo ciclo (Néstor Fabbri, Néstor Sensini, Pedro Monzón) junto aos remanescentes Ruggeri e Olarticoechea.
Clausen até pôde ser campeão na Suíça, mas tarde demais: venceu com o Sion a copa local da temporada 1990-91 (em que seu time também foi vice na liga) e o campeonato de 1991-92, o primeiro da história do clube. Já na casa dos trinta anos, ele buscou volta à Argentina em 1994 e a intenção era a de um regresso a um Independiente reformulado, recém-campeão do Clausura. O então presidente rojo Héctor Grondona (irmão de Julio, o histórico chefão da AFA) estava em final de mandato, mas a tempo de lhe baixar o polegar. El Negro se reestabeleceu em Avellaneda, mas no rival Racing. Ele justificaria que era aceitar aquilo para manter-se profissionalmente ativo ou encerrar ainda precocemente a carreira.
Na época, foi diplomático na chegada, pontuando inclusive seu desejo de voltar a vencer o Clásico de Avellaneda: desde “aquele” jogo em 1983, o Rey de Copas simplesmente não vinha mais conseguindo vencer o rival. Para além do dérbi, La Academia vinha de um bom momento recente, como vice da Supercopa em 1992 (curiosamente, sob comando técnico de Humberto Grondona, filho de Julio) e do Apertura 1993, finalizado já em março de 1994. Clausen estreou em 11 de setembro como vira-casaca, contra o Platense. E apenas uma semana depois já reencontraria o Independiente. Antes do duelo, posou ao lado de Hugo Pérez, por sua vez ex-jogador racinguista, em um apelo à paz e ao fair play.
Calhou de ser justamente uma mão de Clausen na bola que permitiu ao Rojo, em pênalti convertido pelo próprio Pérez (que, em reação famosa, não comemorou o gol, por continuar sendo assumido torcedor racinguista), abrir o placar nos 2-0 que encerraram onze anos de jejum no dérbi. El Negro não teria pudor em admitir às notas pós-jogo que estranhou em ver como adversária a torcida que lhe apoiara por nove anos. Como se não bastasse, o Rey de Copas ainda comemoraria o título da Supercopa naquele mesmo segundo semestre de 1994.
A diretoria de La Acadé não teve dúvidas: para 1995, o novo treinador no Cilindro seria ninguém menos que Maradona, em jogada mais midiática e moralizadora no psicológico do que tecnicamente credenciada. De fato, os velhos colegas de seleção em 1986 não deram caldo; Diego, contratado sob expectativa também de converter-se em jogador do clube tão logo terminasse a suspensão que a FIFA lhe impunha pelo doping na Copa do Mundo de 1994, deixou o time ainda antes do fim do Clausura; já Clausen, que nunca caiu no gosto de lideranças do vestiário, azedou-se de vez após um entre tantos revezes. Em suas palavras:
“Chego e no primeiro dia fomos trotar e escuto Costas [Gustavo Costas, profissional com mais partidas pelo Racing, remanescente do elenco rebaixado em 1983], que diz: ‘este vai na frente para se exibir’, aí sem mais parei e cara a cara lhe disse: ‘eu sou Clausen e sempre vou na frente’. Passaram-se os meses, um dia perdemos e entro louco no vestiário: ‘cagões, são uns cagões, estão pálidos, la puta madre que me parió. Me viro e o presidente do Racing, atrás, me diz: ‘venha ao outro vestiário’. ‘Me demite’, pensei, mas fecho a porta e me diz: ‘agora entendo porque o Independiente ganha tudo e nós, nada, criam vocês de modo distinto; cagaste eles de xingamentos e ninguém falou nada’. Dali eu ia ao San Martín de Tucumán, assinava às 10h. Às 8h, me liga [o ex-colega Ricardo] Giusti: ‘venha. Chegou Bottaro [Jorge Bottaro, presidente do Independiente em 1985-87 e em 1994-96] e gosta de ti. Ligou ao treinador, lhe explicou e me disse, é tua casa. Ande ou te encho de chutes na bunda'”.
Além de raríssima transferência direta entre os rivais, El Negro tornou-se, na era profissional, o único jogador do Independiente a rumar ao Racing e voltar ao Rojo – a rivalidade desde então só viu revirada de casaca uma outra vez, com o uruguaio Marcelo Saralegui fazendo o inverso na virada do século. A “traição” foi rapidamente esquecida: mesmo vindo do rival, Clausen recebeu até a braçadeira de capitão, vista na foto (junto a Romário, no Maracanã) que abre essa matéria. O Independiente fez um Apertura pobre e também não exatamente encantou na Supercopa 1995, mas soube ser eficiente nela. Mesmo com apenas duas vitórias nos 90 minutos em oito jogos, terminou em pleno Maracanã campeão sobre um time vencedor em sete das oito partidas: um Flamengo que tentava salvar seu centenário. A única derrota rubro-negra foi justamente no jogo de ida na decisão, por 2-0.
Naquele elenco campeão, Clausen e o regressado Burruchaga eram os remanescentes dos titulares do Independiente campeão internacional em 1984. Mas apenas El Negro foi peça ativa na campanha de 1995 – na qual, inversamente, o volante Guillermo Ríos foi peça recorrente após ter sido um iniciante reserva no elenco de 1984. O lateral foi quase sempre titular, ausentando-se somente na estreia, na qual seu posto foi de Juan Carlos Ramírez. Ramírez logo passou a atuar na lateral-esquerda, ao passo que Clausen e o zagueiro Pablo Rotchen foram as figuras mais estáveis na defesa que protegia o goleirão Faryd Mondragón enquanto Claudio Arzeno, Juan Jamón Jara, Carlos Bustos, Marcelo Kobistyj e os improvisados José Serrizuela (já um volante) e o touro Roberto Acuña eram revezados.
Grande figura nos dois títulos do clube na Supercopa, o meia Gustavo López exaltaria o veterano como um “exemplo: deu a pauta de nada de regalias. Demonstrou que veio ganhar um lugar e ganhou”. A decisão teve uma defesa taticamente perfeita, vazada apenas por chorado bate-rebate concluído por um Romário bem anulado no restante do jogo: o Flamengo ganhou de 1-0, mas não levou, para o desalento de 120 mil testemunhas de um Maracanazo. Limpando a mancha da pontual “traição”, Clausen estendeu seu regresso por mais um ano, embora ele e Burruchaga já estivessem veteranos demais em 1996 para impedir a vingança gremista na Recopa, em abril; ainda integrou a campanha vice do Apertura 1996, embora só entrasse em campo duas vezes. Sua última partida pelo Rojo foi no 2-1 sobre o Colón em 27 de novembro, na 15ª rodada.
Reconciliado com a torcida (“sempre há um ou outro torcedor nas redes sociais que escreve ‘não se esqueçam que Clausen jogou no Racing’. Mas outros pulam para me defender e bater em quem relembra isso”, frisou na nota do Infobae) e também com os Grondona, El Negro rumou ao clube da família, o Arsenal; pendurou as chuteiras em Sarandí em jogos da segunda divisão em 1998. E pôde voltar ao Independiente para, inicialmente, ser técnico dos juvenis. Assumiu o time principal em 2002, em um contexto complicado: o Racing havia acabado de voltar a ser campeão nacional (após 35 anos) enquanto o Rojo precisaria brigar no Clausura 2002 contra o rebaixamento na tabela dos promedios. Clausen fez uma dupla com outro escudo forte dos dirigentes, o mito Bochini, mas sua passagem complicou ainda mais a missão: embora os promedios ainda evitassem a queda no Clausura e o time até vencesse na casa rival o Clásico de Avellaneda, a equipe foi lanterna pela única vez na história. Na ocasião do centenário do clube, em 2005, a edição especial da El Gráfico o absolvia expressamente, tratando-o como “vítima da desordem institucional e das falsas promessas dos dirigentes”.
Ironicamente, o elenco seria campeão argentino logo no torneio seguinte, mas já com Américo Gallego na casamata – e fazendo de artilheiro do torneio o mesmo Andrés Silvera que custava a ter espaço com El Negro (“passei realmente mal, não me dava explicações e eu tratava de me matar nos treinamentos, mas não havia jeito que desse. Embora metesse cinco gols em um treino, no domingo jogava outro”, chiaria Silvera). A carreira do Clausen treinador precisou ser refeita fora do país, sobretudo na Bolívia (teve peito de comandar a dupla rival The Strongest – onde foi bicampeão – e Bolívar, além de passar por Oriente Petrolero, Blooming, Jorge Wilstermann, San José, Real Santa Cruz e até uma passagem interina pela seleção, em 2014…), onde se radicou como comentarista; ou na Suíça das outras raízes (Sion e Neuchâtel Xamax), país onde moram seus três filhos. Trajetória menos reluzente na terra natal, onde só assumiu equipes nas divisões argentinas de acesso, mais notadamente o Chacarita e o Huracán de Tres Arroyos.
Há um mês, na entrevista ao Infobae, ele se mostrou disposto a dirigir qualquer time argentino, “menos o Independiente”, justamente para não arriscar outra vez o prestígio e boa relação que o tempo soube renovar com a torcida – seja por ao menos ter dado a cara a tapa como treinador em uma época difícil há 20 anos, mas, principalmente, pelas lembranças na beira de dentro do gramado: além dele, somente o próprio ídolo-mor Bochini (Libertadores 1974, 1975 e 1984, além de reserva em 1972 e 1973), o goleiro Miguel Ángel Santoro (Libertadores 1964, 1965, 1972 e 1973) e o lateral-esquerdo Ricardo Pavoni (Libertadores 1965, 1972, 1973, 1974 e 1975) foram titulares campeões continentais em décadas separadas no Rey de Copas.
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