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Não é você, sou eu, Brasil…


*Texto e fotos por Matías Izaguirre, argentino e colaborador do Futebol Portenho

Horas antes de começar a partida nada, absolutamente nada, levava a suposição -nem em La Boca e menos ainda em Buenos Aires- que esse dia fosse acontecer um jogo de importância. Durante toda a jornada, o tema de conversa mais recorrente havia sido a primeira greve geral que afrontou o governo de Crisitna Fernández de Kirchner, a primeira grande greve nacional em todos os anos de gestão kirchnerista. As conversas em bares e escritórios, entre companheiros de trabalho e amigos, nos meios de comunicação e redes sociais era, quase com exclusividade, esse. Brasil ficava em um segundo plano.

Entretanto, não tem que buscar aí, um episódio político tão complexo e significativo, mas sim pontual, as causas da apatia dos portenhos com a albiceleste. Como já comentamos em outra matéria, faz tempo que a seleção argentina prefere contagiar-se do espírito festivo que invade cada cidade do interior do país em que tenha que jogar. Sem dúvidas, a AFA fez, tempos atrás, um diagnóstico acertado: em Buenos Aires, Argentina sente a pressão como em nenhum outro lugar. Pressão que se traduz, de forma paradoxal, em estádios quase vazios, e no caso de que as coisas não aconteçam como o exigente público espera, numa desaprovação que vai desde o murmúrio até a vaia generalizada e intransigente. Por sorte, Messi está revertendo essa imagem a força de boas atuações tanto aqui como em Barcelona.  A esta altura todos querem desfrutar do homem que bate todos os recordes. O que é uma notícia muito boa, naturalmente. Messi é a palavra chave, a chave da expectativa, a felicidade e o contagio. Ou então, ele e seus sócios mais talentosos, como Kun Agüero, Di Maria e Higuain. Mas se eles não estão, o fervor cai como um castelo formado por cartas.  Volta a apatia. A seleção “local” , que no interior é igualmente recebida efusivamente e com honrarias (basta relembrar como estava repleto o estádio de Chaco, o dia que,  num papelão memorável, a partida revanche foi suspendida por falta de luz), em Buenos Aires não gera grande coisa, ainda que tenha jogadores destacados, como Scocco (Newell’s) o artilheiro do torneio local, entre outras figuras.

Por isso não se pode dizer que tenha sido uma surpresa ver a Bombonera, teatro de tantos episódios épicos do futebol argentino e latino-americano, com tão pouca gente. Nem sequer o marketing do título de Superclássico das Américas, nem sequer o Brasil, rival ao que sempre se quer ganhar em tudo, pouco importa o que esteja em jogo. Nem sequer o Brasil de Neymar conseguiu comover os portenhos para que fossem em massa à Bombonera.

Um dado muito eloquente. O maior colorido argentino foi feito por um grupo de “torcedores” que enquanto assistiam a partida participavam da filmagem da propaganda de um iogurte. Com suas caras perfeitamente pintadas de celeste e branco, chapéus e camisetas oficiais se moviam no compasso das ordens que davam os membros do staff, estrategicamente distribuídos entre eles, com camisetas vermelhas. Se alguém viu casualmente a onda pela televisão, descobriu parte da publicidade que em pouco tempo vai estrear na Argentina.

Do restante, aqueles que em maioria estiveram na Boca foram famílias que tiveram que conviver -como acontece todos os domingos em qualquer estádio- com alguns barras da torcida do Boca que, de alguma maneira, conseguiram passar sem maiores dificuldades pelos controles policiais. Cantaram, ainda que sem nenhuma bandeira, desde a tribuna que habitualmente ocupa La 12, canções do Boca, canções contra o River e contra todas aquelas torcidas nucleadas, antes de viajar à Copa do Mundo da África do Sul 2010, como “Hinchadas Unidas Argentinas (HUA).

Juan Taratuto, diretor argentino que ontem esteve no estádio com sua mulher, la atriz Cecilia Dopazo, utilizou como título de sua obra-prima uma frase que costuma aplicar-se para colocar fim a uma relação amorosa: “Não é você, sou eu”. Quem não disse e/ou escutou alguma vez? Se diz isso para não ferir susceptibilidades, para carregar com a responsabilidade e não ser (tão)  agressivo para uma despedida amável, se é que tal coisa é possível.

Os torcedores brasileiros foram, em contrapartida, a outra cara da moeda. Completaram quase todo o seu setor e a viagem teve sua recompensa: ganhar o clássico e a Copa, na Bombonera, de visitante e nos pênaltis. Ao contrário do que aconteceu com os mandantes, os brasileiros chegaram cedo, tiraram fotos diante do mítico estádio e posavam em frente das pinturas de Maradona, venerado como santo na Boca. Todos iam a uma festa. Isso diziam suas caras, suas bandeiras e camisetas de seus clubes (São Paulo, Corinthians, Inter, Grêmio, Flamengo, Santa Cruz entre outras) levadas com o orgulho e a marca registrada de quem vai a um palco famoso e privilegiado para fazer história. 

É uma pena que toda essa intensidade não tenha estado também do lado argentino. O clássico perdeu, ao menos nesta ocasião, algo de seu tradicional encanto. Enquanto os torcedores não conseguirem esquecer quem são os que estão dentro do campo de jogo, isso dificilmente vai mudar. Não importa qual seleção estiver em frente. Em Buenos Aires a resposta sempre será parecida, salvo alguma rara exceção. E se não foi ontem…

Por tudo isso, não é difícil chegar à conclusão de que, como dizia Taratuto, não é você, sou eu, Brasil.

 

*Texto traduzido por Leonardo Ferro

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

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  • Muito bom O texto, e realmente foi de estranhar que o estadio estivesse vazio, Porém, como ja foi dito ae, os motivos são pertinentes e nenhuma das seleções valia o ingresso. No mais, parabens a torcida brasileira por comparecer em peso.

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