Nacional-PAR, um clube especial ao futebol argentino
Ontem foi um dia histórico para o Nacional do Paraguai, clube cada vez mais cult, especialmente por seu site que “transporta” o internauta aos anos 90 (clique aqui para acessá-lo). O time já havia feito história por ter avançado pela primeira vez às oitavas, mesmo com a pior campanha da fase inicial. Ontem eliminou o dono da melhor campanha, o Vélez, na Argentina, país que já recebeu muita contribuição do Nacional Querido. Sobre ela é que falaremos aqui.
As semelhanças com o Nacional do Uruguai estão no nome e nas cores, porque o próprio tricolor uruguaio emprestou-lhe uniformes em 1918. Os xarás de Montevidéu tiraram seu nome para representar os uruguaios “nativos” contra os outros clubes, cheios de imigrantes, e as cores eram as da bandeira do Libertador Artigas. Falamos do Tricolor aqui.
Já o time paraguaio foi fundado na verdade com as cores branca e preta, as mesmas do Colegio Nacional, cujos alunos fundaram o clube em 1904. O primeiro clube guarani a ser branco, vermelho e azul como a bandeira do país foi o Cerro Porteño, também as mesmas cores do Partido Blanco e do rival Colorado (no Uruguai, por sinal, havia a mesma rivalidade).
O primeiro de destaque do Nacional no país vizinho foi o meia Manuel Fleitas Solich, desde 1915 nos juvenis do time e estreante na seleção em 1919. Campeão paraguaio em 1924 e em 1926 (título que fez o Nacional ser o maior campeão paraguaio, com o mesmo número de taças de Cerro e Olimpia), foi até simultaneamente capitão e técnico da Albirroja. Só ficou de fora da Copa 1930 pois não havia o costume de uma seleção usar gente do exterior: desde 1928 estava no Boca. Foi bicampeão pelos xeneizes, em 1930-31. O livro do centenário o pôs entre os cem maiores ídolos boquenses.
Fleitas Solich defendeu vários outros clubes argentinos: Racing, ainda em 1931, Platense em 1932, Talleres de Remedios de Escalada em 1933 e Argentinos Jrs em 1936. Chegou ainda a passar pelo Lanús como técnico em 1932 e nessa função voltou a seu Nacional em 1935, tendo êxito com um elenco apelidado de La Academia e sob ele o time foi campeão em 1942 e 1946.
El Brujo treinou o Paraguai na Copa 1950 e após treiná-lo também no primeiro título do país na Copa América, em 1953, passou a ser um rodado técnico no futebol brasileiro, com destaque para o tri estadual do Flamengo naquela mesma década, após dez anos de jejum rubro-negro. Pode-se dizer que é um estrangeiro de sucesso nos dois clubes mais populares de Argentina e Brasil. Maior técnico paraguaio, passou até pelo Real Madrid, em 1960.
O sucesso de Fleitas Solich abriu as portas para outros paraguaios na Argentina, especialmente os do Nacional. Se dizia que o clube havia se mudado para Buenos Aires ou que lá jogava o time principal, enquanto no Paraguai ficou o “Nacional B”. Ou que a filial tinha mais sucesso que a matriz, que deixou de vencer mais campeonatos. O título seguinte seria aquele de 1942 com Fleitas de técnico.
Se hoje ficou comum alguns argentinos defenderem o Paraguai, como Lucas Barrios, houve uma época em que o contrário acontecia. O primeiro guarani na Albiceleste foi Bartolomé Brizuela, que jogou um amistoso não-oficial contra o Chelsea em 1929, mas recusou ser nacionalizado para defende-la na Copa de 1930. Brizuela era um volante cuja raça rendeu-lhe o apelido de “o homem que jogava por dois”.
Brizuela defendia o Chacarita, indo em 1933 ao San Lorenzo e participando ativamente do time campeão naquele mesmo ano. Outro protagonista era brasileiro: o goleador Petronilho de Brito, segundo Leônidas o real inventor da bicicleta e irmão do descobridor de Pelé (Valdemar de Brito, da seleção na Copa 1934). Brizuela tinha também a companhia do compatriota Cipriano Achinelli, zagueiro titular e que vinha de boas atuações no Atlanta. Sobre aquele título, falamos aqui.
Outro paraguaio na seleção argentina foi Constantino Urbieta Sosa, e em Copa do Mundo. Saiu do Nacional em 1931 para jogar no Newell’s e passaria ainda por Tigre, San Lorenzo. Mas ele foi ao mundial vindo do Godoy Cruz. Em 1931, os principais clubes do país (concentrados em Buenos Aires, Córdoba e Rosario; o Godoy Cruz é de Mendoza é só recentemente emergiu) aderiram ao profissionalismo, rompendo com a associação reconhecida pela FIFA e que prezava o amadorismo. Essa cisão continuaria até 1934 e por isso só jogadores de clubes menores foram à Itália.
Mas o principal ex-Nacional na Argentina é sem dúvidas aquele que se tornaria o maior artilheiro do Argentinão. Jogava desde os 15 anos no Nacional, em 1930, jovem demais para ir à primeira Copa do Mundo. Uma pena: jamais iria ao mundial por aquela falta de costume geral em chamar quem atuasse no exterior. Trata-se de Arsenio Erico, 293 gritos de gol em só 327 jogos pelo Independiente, de todo jeito. Como um acrobático com os dois calcanhares contra o Boca, mais ou menos como a célebre manobra de René Higuita na “defesa escorpião”.
Naturalmente maior artilheiro do Rojo, ele é também quem mais marcou no Clásico de Avellaneda, com seus 19 sobre o Racing. Erico foi três vezes seguidas artilheiro do campeonato, entre 1937-39. Na primeira, fez 47 gols, recorde ainda não batido na Argentina para um único torneio. E fez em 34 jogos: quase 1 gol e meio por partida. Nas outras duas vezes, com 43 e 40 gols, foi o maior protagonista dos dois primeiros títulos diablos no profissionalismo, no bi de 1938-39. O tri escapou por pouco em 1940, mas este ano reservou a maior goleada no clássico com o Racing, um 7-0 com dois do paraguaio.
Apesar dos gols, houve dirigente que se desentendesse com o astro e ele voltou brevemente ao Nacional em 1942, integrando o time campeão sob o técnico Fleitas Solich. Na volta à Argentina, os meniscos já estavam gastos demais, até que ele os operou em 1945. Foi quando atestou-se que ele jogava em condições inferiores nos nove anos anteriores! Em 1947, foi ao Huracán para suprir a ausência de Di Stéfano (que estava emprestado ao Globo e foi devolvido ao River) e sua estreia, contra o Atlanta, teve até hoje o maior público do futebol argentino para uma partida entre dois times não-grandes, 33 mil. o próprio Di Stéfano declarou que tudo o que queria era só ser um imitador de Erico.
Erico não fez sucesso no Huracán (8 jogos, 0 gol) e voltou ao Nacional para encerrar a carreira, em 1949. O time não se saiu bem nas décadas seguintes. Ficou atrás não só do trio principal (Olimpia, Cerro e Libertad) como também do Guaraní. Mas retomou alguma força nos anos 80, com dois vices e suas primeiras participações na Libertadores. Um dos integrantes era o atacante Félix Torres. Chegou à Argentina em 1989 para jogar no emergente Mandiyú, um dos mais cascudos times argentinos da época (clique aqui) e primeiro clube treinado por Maradona.
Torres ficou até 1991 no Algodolero, com 28 gols em 91 jogos. Passaria ainda por Estudiantes (7 gols em 18 jogos), e, já sem brilho, Racing (8 jogos), Platense (7 jogos e 1 gol), Deportivo Morón (15 jogos e 2 gols). Aos 40 anos, voltou ao Nacional em 2002 com o clube nas divisões inferiores para ali encerrar a carreira. O time voltou à elite em 2004 tendo Óscar Cardozo, um dos mais principais atacantes recentes do seu país, lembrado pelo pênalti perdido que quase complicou a Espanha na Copa 2010.
Cardozo saiu do Nacional em 2006 com quase meio gol por jogo (47 em 102). Foi trazido ao Newell’s e tornou-se o estrangeiro com mais gols pela Lepra (21), ao lado do brasileiro Mário Zuca e já em 2007 foi ao Benfica por oito vezes o preço que havia custado ao NOB. Já o Nacional teria em 2009 seu primeiro título desde aquele de 1946, ainda sob Fleitas Solich. O goleiro era argentino: Ignacio Don, campeão também nas taças seguintes, em 2011 e 2013, e presente ontem na histórica eliminação sobre o Vélez.