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Muito Além das Malvinas: rivalidade Inglaterra-Argentina no futebol

Há 29 anos começava a Guerra das Malvinas. Um episódio desastroso para os argentinos, resultado de um ato de desespero de uma agonizante ditadura, que buscava sobreviver ao desgaste de anos de sequestros, torturas e assassinatos. Mas a guerra foi uma parte relevante de um processo que transformou argentinos e ingleses em grande rivais futebolísticos.

Os clubes argentinos e ingleses estão entre os maiores campeões continentais: 21 Libertadores foram conquistadas por clubes argentinos, e os ingleses venceram 11 edições da UEFA Champions League. No entanto, por várias razões, os enfrentamentos entre clubes dos dois países na Copa Intercontinental foram apenas dois, ambos vencidos pelos argentinos. Em 1968 o Estudiantes venceu o Manchester United em casa e empatou na Inglaterra, conquistando seu primeiro título mundial. E em 1984 o Independiente bateu o Liverpool por 1 a 0 em partida única, disputada no Japão.

Poém, a rivalidade futebolística entre os dois países não nasceu no universo dos clubes, mas nos encontros entre as seleções nacionais em copas do mundo. E isso demorou para acontecer, já que tanto ingleses como argentinos, a despeito de constituírem duas das mais importantes tradições futebolísticas do planeta, demoraram a levar o mundial a sério. O primeiro encontro ocorreu em 1962, na fase de grupos, quando o English Team obteve uma vitória por 3 a 1, essencial para sua classificação para a segunda fase do torneio.

Em 1966 a coisa seria diferente. Talvez pela primeira vez os dois países levaram a Copa realmente a sério. Os ingleses, jogando em casa, não queriam sonhar em perder o mundial. Os argentinos, que não faziam boa campanha desde 1930, se prepararam de verdade para a copa. As duas equipes se encontraram nas quartas de final. Os ingleses venceram por 1 a 0, em uma partida decidida na expulsão do craque argentino Antonio Rattín. Aparentemente o jogador do Boca Juniors apenas pedia um tradutor, mas o árbitro o expulsou de campo, destruindo as chances da albiceleste na partida. Consta que o episódio foi decisivo na adoção dos cartões vermelho e amarelo, linguagem que paira acima das línguas nacionais.

20 anos depois a rivalidade seria acirrada com o confronto entre as seleções no México. A guerra era fenômeno recente, e os dois lados acreditavam que havia muito mais em jogo do que apenas o futebol. Foi o dia de glória de Maradona, que marcou um gol de mão, e depois ampliou o placar com o mais belo gol da história das copas. O jogador, até então um entre outros grandes craques da época, se transformava no maior jogador de seu tempo e no ídolo maior da história do futebol argentino. Por seu maravilhoso desempenho, mas também por proporcionar a seus contemporaneos uma especie de revanche futebolística da guerra perdida.

Em 1998 um novo encontro, pelas oitavas de final do mundial da França. Uma grande partida que terminou em 2 a 2, com vitória argentina nos pênaltis. O momento decisivo do jogo talvez tenha sido a expulsão de David Beckham, tolamente envolvido em uma provocação de Diego Simeone. O jogador inglês, então um dos mais famosos do mundo, viu sua carreira ser manchada. Mas o destino lhe daria a chance de uma revanche.

4 anos depois, a Argentina de Marcelo Bielsa chegou à Ásia como uma das melhores equipes do mundo, e favorita ao título. Mas o sorteio lhe foi ingrato: a Argentina caiu no chamado “grupo da morte”. Um dos inimigos, a Inglaterra. Na primeira partida, a albiceleste bateu com autoridade a Nigéria. Mas na segunda partida, derrota frente os ingleses, gol dele, Beckham, de penalti. O gol do meia do Manchester foi decisivo na eliminação inesperada da albiceleste naquele mundial.

Todas essas partidas consolidaram a rivalidade entre os dois países no futebol. A guerra em si pode parecer tola, com uma ditadura assassina e decadente buscando sobreviver com uma guerra causada por algumas ilhas atlânticas. Mas o confronto futebolístico é parte central para manter acesa a chama da rivalidade entre ingleses e argentinos.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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  • O interessante em meio a isso tudo é que durante a guerra das Malvinas, ou Falklands para os ingleses, muitos estabelecimentos na Argentina batizados na língua inglesa foram forçados a mudar de nome. Porém, os clubes de futebol permaneceram intactos. Hoje, na primeira divisão, temos River Plate, Racing, Banfield, Arsenal, Newell´s Old Boys e All Boys. Todos em inglês.

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