Matéria originalmente publicada na meia década da conquista, em 12-12-2015
É incrível como já faz tanto tempo. Ressurgido em 2006 com o regresso de Juan Sebastián Verón, o Estudiantes teve quatro anos prolíficos. E nos outros quatro seguintes, a partir de 2010, foi (ainda que sob críticas) um celeiro do melhor desempenho da seleção argentina em Copas do Mundo em décadas, ofuscando a seca de taças que voltou aos pincharratas. Até havia motivos para tanta confiança do técnico Alejandro Sabella: aquele Estudiantes, com lesionados, teve a terceira melhor pontuação dos torneios curtos, mesmo não atuando em La Plata em razão da construção do Estádio Único. Como o saudoso Sabella definiu, era “o Estudiantes de La Pátria“. É sem festas e com muita saudade do mestre, falecido há quatro dias, que a torcida hoje se recorda da última estrela bordada na camisa.
Mas se no contexto atual as atenções se voltam ao luto por Pachorra, o protagonista na ocasião compreensivelmente era La Brujita Verón. É preciso, mais uma vez, voltar o filme a 2006, ano em que o meia ausentou-se da Copa do Mundo e respondeu voltando ao clube do coração para liderá-lo ao primeiro título em 23 anos. Se tamanho desjejum seria notável por si só, a conquista instantânea de Verón seria apenas um entre tantos elementos a fazer daquilo um conto de fadas. Em tempos em que o Clásico Platense era equilibradíssimo ao menos no confronto direto, o Gimnasia levou de 7-0 naquela campanha. Não só é a maior goleada do dérbi como tamanho massacre fez o rival, que tinha uma só vitória a menos em jogos pela liga argentina (tendo até mais vitórias na soma total), só conseguir um único triunfo desde então.
Havia mais? Havia: furiosa, a torcida gimnasista pressionou os próprios jogadores para perderem do Boca, concorrente do Estudiantes à taça. Os auriazuis, que lutavam por um tricampeonato seguido ainda inédito, venceram mesmo e na reta final precisavam de um único ponto nas duas rodadas finais para serem campeões. Perderam as duas, foram igualados pelo Pincha e forçados a um jogo-extra, onde ainda terminaram perdendo de virada, em reviravolta que seria um roteiro piegas em Hollywood se não fosse verdade. Sabella, por sua vez, vibrava de longe, ainda como auxiliar técnico de Daniel Passarella no River; o treinador alvirrubro era um iniciante Diego Simeone.
Embora não engatassem propriamente a uma sequência de taças, Verón e colegas continuaram nas cabeças: terceiros no Clausura 2007, vices no Clausura 2008 (para o novo time do técnico Simeone, o River) e também na Sul-Americana daquele ano. Leonardo Astrada era o técnico, mas o retorno platense a uma decisão continental não foi o suficiente para sedimentá-lo no cargo. Então Sabella iniciou uma tardia carreira solo de treinador para conduzir o elenco que dali a um semestre voltaria a uma final continental, mas da Libertadores. A reconquista de La Copa ainda encerrou 39 anos de jejum, um a mais que o suportado pelo Flamengo até 2019. E, por minutos, não veio também o Mundial de Clubes.
A perda traumática do mundial para o tão endeusado Barcelona, que só empatou a peleja no finzinho para virar na prorrogação, não foi amenizada de imediato: os alvirrubros perderam por um ponto o campeonato argentino que se seguiu, o Clausura 2010 – foi para o Argentinos Jrs, com direito a derrota no confronto direto com gol do veteraníssimo José Luis Calderón, ídolo pincharrata que se desligara do clube de La Plata pouco após a Libertadores 2009 por suposta desavença com Verón. Mesmo não sendo titular na época, Caldera foi baixa sentida em relação ao elenco de 2009, mesmo caso de Clemente Rodríguez, Marcos Angeleri e José Sosa.
Além deles, meio time titular da Libertadores 2009 deu lugar a peças novas no elenco titular campeão um ano e meio depois no Apertura 2010. O goleiro Mariano Andújar, vendido ao Catania, deu lugar a Agustín Orión – Sabella não quis saber e levaria ambos para a Copa do Mundo de 2014, mesmo que para o banco. O resto da defesa conservou o lado esquerdo, com o zagueiro Leandro Desábato e o lateral Germán Ré, mas não o direito: Christian Cellay fora ao Boca e Rolando Schiavi, ao Newell’s. A outra lateral ficou então com Gabriel Mercado e a outra zaga foi revezada entre Facundo Roncaglia e Federico Fernández. Por vezes, os dois jogaram juntos com Desábato, em esquema com só três defensores.
Fernández, titular da defesa menos vazada (só oito gols sofridos) também iria à Copa de 2014, assim como o Enzo Pérez e Marcos Rojo. Rojo, ainda reserva na Libertadores 2009, jogou algumas vezes na lateral-esquerda – o suficiente para que Sabella ter a convicção de que ele teria sucesso nessa vaga no Mundial do Brasil. Já Pérez e sua dupla Rodrigo Braña remanesciam do time titular da Libertadores, com Braña também participando da caminhada à Copa, ainda que não terminasse convocado para vir ao Brasil. Só ele e Verón foram titulares em todo o ciclo vitorioso de 2006-10. O outro participante do ciclo foi Leandro Benítez, que perdeu a titularidade para Rojo mas continuou influente, como nas duas assistências no 4-0 sobre o River na penúltima rodada.
O futuro gremista Gastón Fernández era outro remanescente titular da Libertadores, sendo o artilheiro do elenco campeão. Mas não foi tão simples: La Gata havia saído para o futebol mexicano e voltou decadente, a ponto de participar do campeonato de times B (prática ainda existente na Argentina). O hoje corintiano Mauro Boselli deixara grande lacuna ao ser vendido ao Wigan. Ex-reserva, Leandro González não demonstrou ser o melhor homem, assim como Juan Pablo Pereyra, reforço após chamar a atenção pelo Atlético de Tucumán a ponto de ter sido usado meses antes pela Argentina mesmo após o rebaixamento dos alvicelestes (ainda é o último jogador do futebol tucumano na seleção). A solução final à deficiência no ataque, como veremos, foi problemática antes de ter sua redenção.
Diferentemente do sofrido Apertura 2006, o Estudiantes esteve entre os primeiros desde o início. A estreia foi em Rosario contra o Newell’s, e Verón, de pênalti, deu a vitória aos visitantes. Os alvirrubros venceram oito dos dez primeiros jogos, perdendo apenas um e empatando o outro. O senão naquele momento foi a perda da Recopa para a LDU do técnico Edgardo Bauza. Em 25 de agosto, Hernán Barcos marcou os dois gols dos anfitriões em Quito. Quatro dias depois, a torcida perdoava: lembram que o Gimnasia desde 2006 só venceu um clássico? Ele ocorrera no Clausura daquele 2010 e pesou para o título escapar dos alvirrubros. Que tiveram seu troco em gols de Federico Fernández e Verón nos 2-0.
Na sequência, em 3 de setembro, o Pincha ainda arrancou bom triunfo longe da província de Buenos Aires, um 2-1 em Mendoza sobre o ótimo Godoy Cruz da época, com Leandro González virando a partida aos 48 do segundo tempo. Mas não conseguiu fazer o dever de casa ao receber a LDU para a revanche: os equatorianos seguraram o 0-0 no estádio do Quilmes (onde o Estudiantes vinha mandando seus jogos) e garantiram a Recopa. Decepção amenizada com três vitórias sobre “grandes” nos quatro jogos que se seguiram: após um 2-0 no Racing, a surpreendente queda de 1-0 para o All Boys foi sucedida por duas vitórias mínimas, sobre Boca e San Lorenzo (este, fora de casa). Até o fim da campanha, os platenses sofreram apenas uma outra derrota.
Quem desde o início disputava palmo a palmo a liderança era o Vélez, ansioso para ser campeão em seu ano oficial de centenário. Era outro clube que se reerguia recentemente, tendo faturado no ano anterior o Clausura (naquela cardíaca “final” com o Huracán de Pastore, Bolatti e Defederico) após ter conquistado apenas um título (em 2005) entre 1998 e 2008. A disputa acirrada, a ascensão conjunta misturada à fraqueza de seus rivais (o verdadeiro clássico velezano, com o Ferro Carril Oeste, completava então dez anos de ausência por conta da decadência do rival nas divisões inferiores) até ensejou opiniões de que surgia um clássico. Na época, o Futebol Portenho refutou: clique aqui e confira.
O Vélez teve a chance na 12ª rodada, quando recebeu o Estudiantes em jogo de líderes. Vinha de um inapelável 6-0 no Colón e de um 2-0 fora de casa no Quilmes. Além disso, Verón, lesionado, não jogaria. Mas quem parecia anfitrião eram os platenses, que se arriscaram em um 3-5-2 contra o conservador 4-4-2 que Ricardo Gareca aplicou aos fortineros. Ficou-se no 0-0 e faria a diferença adiante, pois a taça escaparia de La V Azulada por apenas dois pontos. Na rodada seguinte àquele duelo, os alvirrubros despacharam o Lanús com um 3-0, e ainda que tenham caído por 2-1 para o Tigre, emendaram uma sequência de vitórias até o fim do campeonato.
Começou com um 2-0 no Huracán e seguiu com 2-1 no Independiente em Avellaneda (gol no finzinho de La Gata Fernández), 3-1 no Argentinos Jrs e a mais incrível da campanha: um 4-0 no River em pleno Monumental de Núñez (gols de Desábato, Matías Sánchez, Rojo e Mercado), já na penúltima rodada. Ainda assim, o título ainda estava em disputa: o Fortín também vinha invicto desde aquele 0-0 e tinha o artilheiro do campeonato, o uruguaio Santiago Silva no auge da forma. O problema é que deixou de vencer outra partida na sequência – por ironia, contra o arquirrival do concorrente, ao visitar em La Plata o Gimnasia e não sair do 0-0.
Explica-se: ameaçado de um rebaixamento que se consumaria ao fim daquela temporada 2010-11 mesmo com a volta do ídolo Guillermo Barros Schelotto, o Lobo precisava desesperadamente somar pontos. Mas os comandados de Gareca puderam manter a perseguição com um 3-2 fora de casa no Banfield, um 1-0 no Lanús (dois times em grande momento, diga-se; haviam jogado a Libertadores de 2010), um 2-1 no Tigre, um 4-0 no Godoy Cruz em Mendoza e um 2-0 no Huracán – com dois gols salvadores do futuro palmeirense Jonathan Cristaldo, que saiu do banco no lugar do volante Fabián Cubero para reforçar um ataque desanimado com a notícia do 4-0 do Estudiantes sobre o River.
Veio a rodada final. O Vélez, mesmo jogando fora, tinha uma presa fácil: enfrentaria um Racing desanimado com o cruel sumiço da última vaga na Libertadores, “roubada” pelo rival Independiente assim que este vencera a Sul-Americana sobre o Goiás quatro dias antes. O problema era a necessidade de secar o Estudiantes, que não poderia vencer sua visita, o Arsenal. Havia ainda a possibilidade de um jogo-extra, caso o líder não saísse de um empate com o Arse. E até os últimos quinze minutos das duas partidas, o sonho velezano do centenário campeão até que foi possível, pelos gols do vídeo abaixo.
Ainda no primeiro tempo, o Vélez abriu 1-0 em jogadaça do ainda craque Juan Manuel Martínez: o futuro bonde corintiano arrancou recebeu a bola antes do meio-campo e partiu com ela deixando meio time do Racing para trás antes de concluir na saída do goleiro. O lance maradoniana do Burrito Martínez foi um dos maiores golaços já registrados em vídeo no campeonato argentino e bem merecia simbolizar uma conquista fortinera. No início do segundo tempo, aos 13 minutos, Maxi Moralez ampliou em cobrança de falta no ângulo, embora preferisse não comemorar contra o ex-clube. A torcida velezana comemorava por ele: ao mesmo tempo, aos 13 minutos, Verón jogava tão mal sua partida contra o Arsenal que foi substituído.
O Estudiantes, na “sua” Quilmes, não saía do 0-0, forçando assim ao jogo-desempate. Mas a definição do Apertura 2010 não escolheria premiar o golaço de Martínez e sim temperar uma história de redenção com aquela sorte de campeão. É que coube justamente ao substituto de Verón definir tudo: o veterano uruguaio Hernán Rodrigo López. Ele havia tido bom desempenho no Vélez para a idade (23 gols em 53 jogos para um atacante de 32 anos) mas, já criticado, o trocara exatamente naquele semestre pelo Estudiantes com a missão de substituir Boselli. Mas veio bichado.
Rorro López jogou apenas 120 minutos em todo aquele Apertura (sempre vindo do banco, na 2ª, 10ª, 15ª, 16ª, 17ª, 18ª e naquela 19ª rodadas), motivando críticas à sua contratação, embora o elenco sofresse com diversos jogadores precisando do departamento médico na reta final. Mas o veterano teria estrela. Nesse equivalente a duas horas somadas de atuação em todo o Apertura, o uruguaio totalizou quatro gols, o suficiente para ser vice-artilheiro de um elenco onde todos contribuíam (dos 21 jogadores de linha, 15 marcaram gols na campanha). E metade deles seriam os do título.
Os gols da conquista saíram aos 29 e aos 42 do segundo tempo – embora no primeiro, as câmeras tenham focado em Gastón Fernández, que até fez o movimento com a perna para emendar o cabeceio de López após um escanteio. O gol parecia ter sido de La Gata, que, honesto, assumiu não ter tocado na bola. O segundo também veio da iluminada cabeça de López, após cobrança de falta. A bola encobriu calmamente o goleiro Cristian Campestrini. E liquidou o Apertura. Quando, dali a seis meses, a Argentina decepcionou na Copa América em casa, o substituto natural ao curto ciclo de Sergio Batista só poderia ser alguém professoral com sorte de campeão.
Confira abaixo matérias da época do Futebol Portenho sobre os dois últimos jogos:
Estudiantes sofre, mas vence o Arsenal no fim e é campeão do Apertura
Renegado no Vélez, Rodrigo López é o herói do título no Estudiantes
Meta do campeão Estudiantes é segurar Sabella para 2011
Gareca admite: “Estudiantes foi campeão merecidamente”
Dale León: A campanha do Estudiantes, campeão argentino 2010
"Porque isto é algo mais do que uma simples partida, bastante maior do que uma…
As apostas no futebol estão em franco crescimento no Brasil, impulsionadas pelo aumento das casas…
A seleção de 1978 teve como principal celeiro o River Plate: foram cinco convocados e…
Originalmente publicada pelo aniversário de 60 anos, em 15-07-2014 Segundo diversos sites estrangeiros sobre origens…
Originalmente publicado em 12 de julho de 2021, focado na inédita artilharia de Messi em…
A Copa do Mundo de Futebol é um dos eventos esportivos mais aguardados e assistidos…
This website uses cookies.
View Comments