Marselha sorri: relembre os argentinos do Olympique
Com a queda do Paris Saint-Germain, houve quem comemorasse muito na França: os partidários do Olympique de Marselha, com quem o PSG trava Le Classique desde os anos 90, em rivalidade que opõe a capital contra a principal cidade do sul do país, temperada no extracampo também por diferentes visões sócio-políticas e culturais. Afinal, havia ainda o peso de os marselheses se manterem como única torcida francesa que já saboreou o título da Liga dos Campeões. Vale aproveitar o gancho para relembrar o que une Argentina e o OM além das mesmas cores alvicelestes.
Roberto Alarcón (1950-53): meia-direita reserva de Armando Farro no San Lorenzo campeão de 1946 (único título argentino azulgrana entre 1936 e 1959), já estava no Gimnasia quando cavou uma transferência ao Genoa na esteira da famosa greve de 1948-49. O clube italiano formou um ataque argentino unindo ele, Roberto Aballay (também reserva daquele San Lorenzo), o ex-Fluminense Juan Verdeal e o astro Mario Boyé, mas a panelinha só durou a temporada 1949-50: enquanto Boyé voltou à Argentina, os outros três rumaram à França. Alarcón virou com isso o primeiro argentino no OM. Nas palavras do La Provence: “vítima do regulamento de três estrangeiros por equipe, ficou três temporadas; a segunda (36 jogos , 8 gols) foi a melhor”. A Wikipédia chega a dizer que dali ele veio jogar no America-RJ, mas o clube rubro na realidade contou com o xará Martín Alarcón, ídolo argentino importado do Paraguai mesmo.
Héctor Rial (1962-63): curiosamente, fora formado no San Lorenzo e foi outro argentino a deixar o país após o fracasso da greve de 1948-49, rumando ao Eldorado Colombiano como tantos outros. Defendeu o Santa Fe e ainda passou pelo Nacional uruguaio antes de triunfar no Real Madrid multicampeão da Liga dos Campeões no fim dos anos 50, chegando mesmo a defender a seleção espanhola. Mas já estava no Espanyol recém-rebaixado pela primeira vez em La Liga quando veio à França para defender um OM que em paralelo voltava à elite exatamente após promover-se na temporada 1961-62. Os marselheses, contudo, foram novamente rebaixados. Nas palavras do La Provence, o hispano-argentino “não era mais do que uma sombra de si mesmo”.
Robert Traba (1964-65): segundo o site de estatísticas do clube, tinha nacionalidade argentina, mas nascera no Marrocos colonial mesmo. E ele de fato veio do futebol marroquino para jogar apenas três partidas em temporada na qual os ciel et blancs ficaram em antepenúltimo na segundona. Ainda assim, cavou transferência ao Bordeaux.
Orlando Gauthier (1965-66): revelado no Chacarita, esse defensor já estava na França desde 1959, importado pelo Nancy. Veio do Lille para, nas palavras do La Provence, ser um homem “técnico e duro” e “basilar” no regresso marselhês à elite como vice-campeão da segundona de 1965-66 – sua única temporada por lá, seguindo carreira pelo Aix.
Raúl Noguès (1974-77): curiosamente, outro revelado pelo Chacarita que já estava no Lille quando chegou a Marselha, credenciado pelo título da Ligue 2 de 1973-74 no ex-clube. Conviveu com os três próximos nomes dessa lista e foi o mais benquisto, inclusive por ter marcado um dos gols do título da Copa da França de 1974-75, sobre o Lyon. Noguès rodaria o futebol francês, com destaque posterior em especial em um Monaco de outra panelinha argentina.
Alfredo Troisi (1974-75): mais um originário do Chacarita, foi importado diretamente dos funebreros para ser lembrado apenas como “um meio-campista ruivo, que marcou um gol de 50 jogos em 1975 e isso foi tudo”, no resumo do La Provence. Seguiu ao Montpellier e a pequenos times espanhóis depois.
Héctor Yazalde (1975-77): o homem que simbolizou o cardíaco título argentino de 1970 do Independiente (assegurado em virada alcançada com gol dele em pleno clássico contra o Racing na casa rival) brilhava desde então na Europa pelo Sporting Lisboa. Sua mágica temporada 1973-74, onde conquistou a dobradinha portuguesa pelos alviverdes e foi premiado individualmente com a Chuteira de Ouro de máximo artilheiro do futebol europeu, rendeu-lhe uma convocação à Copa do Mundo após anos de ausência da seleção. A crise econômica geral deflagrada pela independência simultânea de diversas colônias naquele período obrigou que o clube lhe vendesse. Yazalde não foi ruim em Marselha, mas também desempenhou-se aquém do esperado e fez força para voltar à Argentina, de olho por uma vaga na Copa de 1978. Já dedicamos este Especial a El Chirola.
Norberto Alonso (1976-77): maestro do River que em 1975 encerrou em dose dupla um jejum de dezoito anos sem títulos, Beto Alonso chegou à Ligue 1 pouco após o vice da Libertadores de 1976 pelo Millo. Ele e o clube tiveram uma temporada medíocre e o astro logo voltou a Núñez, cavando em cima da hora um lugar na convocação ao Mundial – naqueles tempos, ir à Europa mais atrapalhava do que ajudava e exatamente por isso é que Yazalde, similarmente, acertara em paralelo com o Newell’s. Alonso se eternizaria como uma espécie de Zico do River, pendurando as chuteiras em pleno Mundial Interclubes vencido em 1986. Já a recordação francesa ficou no extremo oposto: “prodígio argentino, chegou a Marselha com enorme pressão, pois o clube quebrou o cofrinho para alistá-lo. Obviamente você conhece a história, estamos em Marselha, então o resultado é implacável: uma temporada e depois ir. Muito jovem, difícil aclimatação, etc”, nas palavras do Yahoo Sports. Curiosamente, o craque pontuou que chegou a ser emprestado ao PSG para um amistoso dos parisienses contra o Barcelona, em tempos pré-rivalidade entre os dois clubes.
Oscar Flores (1980): mais um nome do forte Chacarita da primeira metade dos anos 70, o zagueiro seguira carreira na Colômbia e estava no Rayo Vallecano quando reforçou pontualmente os marselheses na segunda divisão de 1980-81. “Líbero lento como um ferro de passar roupa” foi a metáfora curta do La Provence. Ainda naquela temporada, foi repassado ao Martigues, também da Ligue 2. Ídolo do River, o uruguaio Enzo Francescoli brilharia em sua única temporada no Vélodrome (1989-90), mas apenas na virada do século é que o OM voltaria a recorrer a argentinos…
Eduardo Berizzo (1999-2000): vinha de uma passagem consagradora do River e se tornou o primeiro que a seleção argentina importou do OM, mas mais pelo renome local de quem já brilhava desde os tempos do Newell’s de Bielsa. Pois se queimou na França, segundo o Yahoo Sports: “se [o técnico Rolland] Courbis realmente acreditou nele para substituir Laurent Blanc, os torcedores nunca viram nada parecido”. El Toto se reconstruiu na Europa como pilar do cultuado Eurocelta, no auge do clube de Vigo.
Daniel Montenegro e Pablo Calandria (1999-2000): se Berizzo vinha de um River multicampeão, estes dois vinham do Huracán rebaixado com rodadas e rodadas de antecedência na temporada 1998-99. E o Yahoo Sports não os perdoou: “o pacote de apostas perdidas. No verão de 1999, depois de uma temporada magnífica, mas infeliz (vice-campeão de Bordeaux e finalista da Copa UEFA), os dirigentes do Marselha bateram forte e recrutaram 14 jogadores! Entre eles, duas grandes esperanças argentinas que fazem a torcida salivar. Vou parar agora, vai economizar tempo, Pablo e Daniel estão entre os maiores fracassos da história do clube. Não houve nem mesmo dez jogos somados entre eles dois”. El Rolfi Montenegro seria repassado por empréstimo a Real Zaragoza, Osasuna e Huracán até ser vendido a um Independiente onde brilharia no vitorioso Clausura 2002, ainda o último título nacional do Rojo, enquanto Calandria rodaria por nanicos espanhóis após ter um “salário impróprio para o seu estatuto de jovem jogador reserva” segundo o La Provence.
Lucas Bernardi (2001): a promessa do Newell’s “jogou seis meses em 2001, antes de se mudar para o Monaco” foi a lacônica descrição do La Provence, ainda que ela a complementasse com um “ladrão de bola eficaz”. No Principado, viveria seu auge, chegando à seleção na esteira da campanha vice-campeã da Liga dos Campeões de 2003-04.
Eduardo Tuzzio (2001-03): vinha do San Lorenzo campeão do Clausura 2001 com o recorde de pontuação da era do torneios curtos (47 pontos, no embalo de outro recorde do profissionalismo argentino, o de treze vitórias seguidas). Não se ambientou: “sólido mas lento, lembramos especialmente a complexidade de sua transferência” foi o veredito do La Provence (pois o negócio, “via Suíça, interessava à justiça”). Após dois anos, foi recrutado pelo River para reviver a parceria azulgrana de sucesso com o zagueiro Horacio Ameli e o treinador Manuel Pellegrini. Dava certo até descobrir-se dois anos depois o caso extraconjugal de sua esposa com Ameli…
Christian Giménez (2005-06): saíra do Nueva Chicago para o futebol suíço em 1997. Havia sido o artilheiro da liga helvética de 2004-05 com o campeão Basel. E “depois, nada”, na descrição curta e grossa do La Provence. Os franceses chegaram a empresta-lo e depois vendê-lo ao Hertha Berlim, de onde rodaria por México e Grécia até pendurar as chuteiras em volta à Suíça, em 2009.
Renato Civelli (2006-07): o zagueiro vinha de um Banfield em ascensão, estreante na Libertadores em 2005 e parado somente nas quartas-de-final. “Era um completo estranho quando chegou em janeiro de 2006. Tendo ingressado no time, ele não saiu”, destacou o La Provence. Em estadia de uma temporada e meia, teve momentos agridoces: o OM acumulou quatro vices entre a Ligue 1 e a Copa da França e o argentino ficou mais no banco na sua única temporada completa. Mas terminou benquisto: “ah Renato, que amor por você! Super defensor, não ao nível de Heinze, mas excelente jogador da Ligue 1. Valores dentro de campo, mas também fora. Ele sempre respeitou o clube mesmo depois que saiu. Representa aquela época onde o OM soube se fazer respeitado e soube estar ao nível nos grandes jogos, em particular graças a jogadores como o Civelli” foi o depoimento do Yahoo Sports. Curiosamente, os dois relatos ressaltaram também a quase morte do jogador em uma pesca em um dia revolto do Mediterrâneo…
Juan Krupoviesa (2007-08): veio emprestado do Boca campeão da Libertadores de 2007 para ser lembrado pelo La Provence como o “lateral-esqeurdo destinado a substituir Taiwo em janeiro de 2008, perdido no desastre de Carquefou”, em alusão à vexatória eliminação marselhesa para este clube de quarta divisão na Copa da França daquela temporada. Logo voltou aos xeneizes.
Gabriel Heinze (2009-11): revelado no Newell’s, El Gringo teve justamente no PSG seu primeiro grande trabalho europeu, o que não foi um problema quando reforçou o rival após passagens pelos gigantes Manchester United e Real Madrid. Ao elegê-lo entre os cinco maiores argentinos da Ligue 1, o site oficial do campeonato descreveu-o exatamente como “um dos raros jogadores lembrados com afeto” pelas duas torcidas – de fato, Heinze foi um raro jogador usado pela seleção vindo de dois rivais europeus. Sobre a passagem marselhesa, na qual ergueu sobretudo a Ligue 1 de 2009-10, o site foi além, ressaltando que nela desempenhou-se em nível até superior ao jogador mais bruto que fora na capital, até começar a declinar fisicamente. “Rapidamente se estabeleceu como líder” e “não se sentindo mais em sintonia com a política do clube, ele saiu sem levar nenhum dinheiro em 2011. Um cavalheiro que um dia pode se tornar o treinador do OM” foi a recordação deixada pelo La Provence.
Lucho González (2009-12): antiga joia de Huracán e River, o meia vinha de uma sequência de títulos com o Porto para ser a mais cara contratação dos marselheses, na época. Uma fratura na clavícula contribuiu para que tardasse algum tempo para conquistar a todos, mas de cara terminou como o recordista de assistências na temporada em que os ciel et blancs encerraram seu jejum de dezoito anos na Ligue 1. Não bastou para cavar uma vaga na Copa de 2010, mas só o estresse de um assalto à sua casa fez com que optasse por voltar ao Porto, pois para o redator do Yahoo Sports “só escrever o nome deste jogador já me deixa feliz, nostálgico e, portanto, triste. Lucho é a Argentina, Lucho é amor, Lucho é um jogo único, Lucho é carisma, Lucho é tudo. Ídolo do Vélodrome até hoje, ele lançou luz sobre o jogo do Marselha, em particular graças a uma conexão quase fusional com Mamadou Niang, oferecendo um título tão esperado aos marselheses. (…) ficará para sempre no coração de um povo que jamais terminará de entoar ‘Ohé ohé ohé ohé Luchooooo Luchoooooo‘”.
Marcelo Bielsa (2014-15): El Loco estava credenciado na Europa pelo grande momento do seu Athletic de Bilbao e fez os marselheses sonharem com o título de 2014-15 já em tempos de poderio descomunal do arquirrival PSG. Conseguiu o simbólico título de “campeão de inverno” ao fechar o primeiro turno na liderança, mas o banco de reservas menos generoso que o da concorrência pesou para o OM decair para o quarto lugar. O genioso treinador ainda começou os trabalhos da temporada 2015-16, mas demitiu-se após a primeira rodada. Ainda causaria furor com outras saídas intempestivas na Lazio e no Lille até reconstruir-se como o comandante que devolveu o Leeds United à Premier League na última temporada – em seu primeiro título no futebol adulto desde o trabalho no Vélez do Clausura 1998…
Lucas Ocampos (2014-19): promessa do River campeão da segundona de 2011-12, dali o ponta chegou ao Mediterrâneo, inicialmente a partir do Monaco. Bielsa (a quem Ocampos exaltaria como “O Professor de La Casa de Papel“) requisitou seu empréstimo para o segundo turno de 2014-15 e ele terminou adquirido em definitivo em seguida, embora terminasse por não convencer inicialmente. “Mas depois de uma passagem pela Itália, Rudi Garcia fez dele um titular indiscutível entre 2017 e 2019 no lado esquerdo”, destacou o La Provence sobre outro argentino “amado pela sua garra”. Com o cenário doméstico dominado deslealmente pelo PSG, restou competir pela Liga Europa, onde o argentino foi vice-campeão da edição 2017-18 antes de vencê-la já pelo Sevilla na sexta-feira passada.
Darío Benedetto (desde 2019): o carismático goleador do Boca vice da Libertadores de 2018 veio com essa credencial fazer já à beira dos 30 anos a sua estreia no futebol europeu. El Pipa armou boa dupla com Dimitri Payet para colocar o Olympique como mais bem colocado time “normal” da Ligue 1 de 2019-20; os marselheses foram vice-campeões com 14 pontos a menos para o arquirrival, ainda que a pandemia fizesse a temporada ser antecipadamente finalizada com o uso da média de pontos, sem realizar-se os jogos pendentes.
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