Em 15 de março de 2021, o cordobês Mateo Klimowicz se tornou o primeiro argentino aproveitado por uma seleção alemã – ainda que pela sub-21 -, algo possibilitado pela cidadania local conferida ao pai (Diego Klimowicz, ex-Wolfsburg, Borussia Dortmund e Bochum) após seguidos anos de residência a trabalho na Bundesliga, pois a origem familiar mais presente é polaco-ucraniana. Pelas regras atuais da FIFA, a presença na sub-21 da Alemanha não impede que Mateo eventualmente prefira, a nível adulto, servir a Argentina natal. Mas por enquanto somente um homem sentiu o gosto de jogar pelas seleções dos dois países, um alemão nativo chamado Marius Edvard Hiller. Bubi nasceu há exatos 130 anos, quando sua cidade de Pforzheim, naquele 5 de agosto de 1892, ainda integrava o Reich do Kaiser Guilherme II.
E foi no próprio clube local Pforzheim que ele pôde se notabilizar em casa, em uma verdadeira dinastia familiar na Floresta Negra: seus irmãos Wilhelm (o “Hiller I”) e Arthur (o “Hiller II”) também jogaram pela seleção alemã, ambos no embalo da maior conquista do clube, o título da liga do sul da Alemanha de 1905-06 – torneio definido em um triangular entre líderes de subgrupos. Dentre os times envolvidos, os mais notórios foram Bayern Munique, Stuttgart, Kaiserslautern, Nuremberg, Munique 1860, Freiburg, Darmstadt, Karlsruhe e times atualmente franceses (de Strasbourg, Mulhouse, em tempos em que a Alsácia-Lorena de ambos era do Império Alemão).
Aquela liga do sul era por sua vez um classificatório para o campeonato alemão propriamente dito, então disputado em mata-matas entre os sete campeões regionais e o detentor do título anterior. O Pforzheim passaria pelo Union Berlim nas semifinais, mas cairia na decisão para a equipe que hoje é o Lokomotive Leipzig. Marius ainda tinha 14 anos e não chegou a integrar decisivamente naquela campanha. Ainda assim, foi um prodígio: com menos de 18 anos, pôde estrear, e com direito a gol, pela seleção, no 3-2 em Basileia sobre a Suíça em 3 de abril de 1910.
O “Hiller III” tinha naquela ocasião 17 anos e 7 meses, estatística que fez seu nome ser ser relativamente relembrado em 2021, como único jogador a superar Jamal Musiala (então com 18 anos e 7 meses) como mais jovem a marcar algum gol pela seleção alemã adulta.
Bubi Hiller esteve em mais duas partidas pelo Nationalelf: 2-2 em Berlim contra a Inglaterra em 14 de abril de 1911; e por fim em derrota por 2-1 em Dresden em clássico contra a Áustria, em 9 de outubro de 1911. Contudo, eram tempos em que o futebol da Europa Continental estava distante do profissionalismo autossustentável. Hiller fora à Suíça para trabalhar em uma empresa de relógios. E como não se convocava quem atuasse fora do país, ele acabou tendo um ponto final igualmente precoce com a Mannschaft, que não o convocou para as Olimpíadas de 1912. Não que parasse de jogar; atuou em 1912 e em 1913 pela equipe suíça de La Chaux-des-Fonds, em paralelo ao emprego nos relógios da Palmer & Co.
A chegada de Hiller ao Rio da Prata deveu-se justamente ao seu emprego por lá, segundo detalha seu perfil no livro Quién es Quién en la Selección Argentina: “alemão de nascimento, chegou a Buenos Aires como representante de uma empresa suíça de relógios, e aproveitou para jogar em duas partidas internacionais da seleção argentina nos quais se permitia a participação de jogadores sem importar sua nacionalidade (…). Alguns meios jornalísticos argentinos o chamavam de ’42’, por um canhão que o exército alemão usou na Grande Guerra”.
O mesmo livro o menciona como um jogador que teria defendido até os primórdios do River Plate naqueles tempos, mas o estatístico Pablo Keservan não chegou a localizar partidas do alemão como millonario, ao menos não no campeonato argentino e nas copas oficiais que a AFA organizava. A primeira equipe de Hiller na nova terra foi o All Boys, em jogos da segunda divisão de 1914. Enquanto a eclosão da Primeira Guerra Mundial despertava nacionalismos mesmo longe da Europa, levando até filhos de imigrantes a se alistarem nos exércitos dos países de suas origens europeias, o atacante não colocou a pele a serviço do Kaiser.
Em 1915, El Alemán (o óbvio apelido que deram na Argentina a Bubi) passara a jogar na primeira divisão argentina, com a camisa do Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires. Eram os anos finais em que o clube do fino bairro portenho de Palermo teve um time de futebol inscrito em competições oficiais. Foram 12 gols em 16 partidas pelo GEBA no torneio argentino de 1915 e mais 16 em 20 partidas no de 1916, que renderam ao alemão a artilharia da liga – e então seus jogos pela seleção.
Um primeiro jogo de Hiller com a Albiceleste ficou visto como não-oficial com o tempo: em 18 de junho de 1916, marcou os dois gols da vitória por 2-1 sobre a seleção rosarina pela Copa Mariano Reyna, no estádio do próprio GEBA, em um “esquenta” para a primeira edição da Copa América, a ter dali a duas semanas todos os seus jogos naquele campo. Porém, para ela não se admitia estrangeiros. E precisou ser finalizada no estádio do Racing, após tumultos de público prejudicarem a estrutura gimnasista.
Os dois jogos “oficiais” de Hiller que ficaram para as estatísticas se dariam mesmo no campo racinguista: a estreia oficial, em 15 de agosto, valeu pelo troféu binacional Copa Newton, uma primeira revanche contra um Uruguai recém-campeão sul-americano em plena Argentina. Ele fechou a vitória por 3-1 sobre a Celeste, aos 42 minutos do segundo tempo. Em 1º de outubro, então, as duas seleções simplesmente jogaram duas vezes – claro, com dois grupos de onze diferentes jogadores cada uma. Enquanto em Montevidéu a Albiceleste venceu por 1-0 pela taça “Gran Premio de Honor Argentino”, o campo do Racing foi uma partida beneficente ao Círculo da Imprensa, resultando em um inapelável 7-2 nada beneficente.
Ironicamente, um dos colegas de Hiller naquelas duas partidas dele contra o Uruguai era um uruguaio de nascença: Zoilo Canaveri, ele próprio também utilizado oficialmente apenas naqueles mesmos dois jogos. Detalhe não menor é a presença de descendentes de britânicos nos dois lados naquele contexto de guerra: Juan Brown, Heriberto Simmons e Ennie Hayes pela Argentina, John Harley pela Celeste. Enquanto Harley perdeu um pênalti, Simmons abriu o placar aos 7 minutos e aos 19 o alemão começou seu show. O segundo gol dele veio aos 3 minutos do segundo tempo.
Entre os 15 e os 27 do segundo tempo, então, os visitantes sofreram o tal “apagão”: Félix Cabano assinalou o quarto aos 15, Hayes marcou o quinto aos 17, Hiller completou seu hat trick aos 23 e Hayes completou quatro minutos mais tarde o massacre.
Considerando-se só jogos oficiais, El Alemán soube somar dois gols por jogo e o livro Quién es Quién en la Selección destaca isso: “na equipe nacional, compartilha com Guillermo Stábile a média goleadora mais alta de todos os tempos e tem o recorde – também compartilhado, neste caso com Sergio Almirón – de tentos assinalados em seu jogo-despedida, que foi uma espetacular goleada contra o Uruguai, uma das maiores de sempre”. O artilheiro da primeira Copa do Mundo também conseguiu dois gols por jogo, ao somar oito em quatro partidas oficiais pela seleção, todas naquela Copa; já o recorde de Almirón, um reserva na Copa do Mundo de 1986, veio curiosamente em outro 7-2, sobre Israel.
O perfil no Quién es Quién termina com outro dado estatístico, o de que apenas Gonzalo Higuaín supera Hiller como goleador da Albiceleste nascido no exterior. Mas nem os 10 gols em 19 jogos do alemão no torneio argentino de 1917 impediram a participação final do rebaixado GEBA na primeira divisão.
O time até se manteve inicialmente nos campeonatos da AFA, na segundona; as estatísticas de Kerservan garantem a participação de Hiller no ascenso nas edições de 1918 e 1919, ano em que, finalizada a guerra, ele se permitiu voltar rapidamente à Alemanha e ao Pforzheim – pois em 1921 ele reapareceu em campos portenhos pelo Estudiantil Porteño.
Com idade já elevada para um jogador naquela época, ele estava convertido em zagueiro, o que se refletiu nos seus números: foram dez golzinhos em 36 jogos pelo torneio de 1921 e apenas um em 31 no de 1922. Ainda bateu bola na liga argentina pelo Sportivo Barracas (1923-24) antes de parar em 1925 em um retorno ao All Boys, inclusive sendo um duelo contra o Huracán de Guillermo Stábile a partida final do alemão na liga argentina.
Desde então, o futebol viu apenas outros dois defenderem uma seleção europeia antes de jogar por uma sul-americana: Hiller antecedeu primeiramente Roberto Porta, ex-jogador do Independiente que atuou primeiramente pela Itália (uma única partida, em 1935, pela precursora da Eurocopa, a Copa Internacional Dr. Gerö) antes de estrear pelo Uruguai natal – e realizar 34 partidas oficias pela Celeste, entre 1937 e 1945. Porta também foi o técnico da seleção uruguaia na Copa do Mundo de 1974.
Mais recentemente, Franco Vázquez, prata-da-casa do Belgrano, foi usado em dois amistosos pela Itália em 2015, no embalo do desempenho com o Palermo; e então em outros três pela Argentina natal, no segundo semestre de 2018.
Hiller, por sua vez, eventualmente veio a se naturalizar formalmente (algo ainda não-exigível para servir a seleção nos tempos em que ele jogava) e uma lista telefônica dos anos 50 inclusive já se referia a ele como Mario Hiller, residente no número 313 da Avenida General Donato Álvarez, no bairro de Caballito – a quatro quadras do estádio do Ferro Carril Oeste, mas a uma caminhada não muito longa do bairro da Floresta, tradicional reduto do All Boys. Um time que parecia mesmo a sua cara, com uniforme bastante similar à combinação branco-preto-branco característica da seleção alemã; a imagem esquerda acima pode até confundir, em uma visualização apressada.
O teuto-argentino faleceu em Buenos Aires em 25 de novembro de 1964, bem distante de uma terra natal dividida em dois países.
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