Gabriel Batistuta, que no início do mês fez 50 anos, não é o único atacante revelado no grande momento oitentista do Newell’s a defender a seleção apesar de um rebaixamento no campeonato italiano. Abel Balbo, que teve carreira bastante relacionada à de Batigol, foi um antecessor, assim como Gustavo Abel Dezotti, que faz hoje 55 anos. Primeiro jogador da Lazio aproveitado pela Albiceleste, Dezotti foi à Copa de 1990 com predicados: esteve entre os artilheiros da Serie A mesmo tendo atuado pelo penúltimo colocado. Vamos relembra-lo.
Se Balbo e Batistuta irromperam a partir de 1988, Dezotti já tinha relativa experiência àquela altura. Estreara no time adulto do Newell’s ainda em 1982, marcando dois gols, em 4-0 no Platense e em 1-1 com o Independiente. Em 1983, ainda não estava firmado, marcando uma única vez, na vitória de 3-1 sobre o rebaixado Nueva Chicago. Mas já defendia seu país pela seleção sub-20, figurando no Mundial da categoria realizado naquele ano. Era promissor, com cinco gols em 16 jogos pelas seleções juvenis da Argentina. Embora não deixasse o dele no mundial (terminou no vice para o Brasil), apareceu mais no Newell’s em 1984: foram cinco gols, incluindo seu primeiro no Clásico Rosarino, anotando o segundo da Lepra no triunfo por 2-1. A partir do ano de 1985, o Newell’s passou a lutar pelas cabeças, parando na semifinal do Torneio Nacional e em seguida terminando como vice do River na temporada de 1985-86.
Se o Ñuls não chegou a ameaçar o título millonario, viveu uma grande decepção no pós-temporada, com a perda da liguilla pre-Libertadores para o Boca em um cenário totalmente favorável: havia vencido por 2-0 o jogo de ida na Bombonera, abriu o placar em Rosario e teve um adversário expulso. Ainda assim, tomou a virada por 4-1. Entre campeonato e liguilla, Dezotti marcou seis gols. Na temporada 1986-87, o Newell’s foi novamente vice, com desgosto extra de perder o título para o arquirrival, que ainda por cima vinha da segunda divisão. Após duas temporadas sob galhofa em Rosario, os leprosos reagiram e deram início à sua era mais celebrada. Ganharam o campeonato seguinte com um verdadeiro show: foram 68 gols, quinze a mais que o do segundo melhor ataque, tendo saldo de 46 gols – o saldo do vice-campeão foi de 21 gols.
Dezotti, vindo de um bronze nos Jogos Pan-Americanos de 1987, marcou doze na campanha campeã. Em especial, deixou o dele em dois 5-1, sobre o Vélez e o Boca (ambos em Buenos Aires!), além de marcar os dois em 2-0 sobre o Unión e no 2-1 fora de casa no cascudo Deportivo Español. Seu gol mais importante, porém, foi o único em nova vitória sobre o rival Rosario Central, pela 21ª rodada, dando confiança a um elenco que ainda tinha resultados erráticos no primeiro turno. Esse gol, porém, não impediu que no segundo turno Dezotti perdesse a posição para a revelação Balbo, atacante de mais recursos; Dezotti, afinal, não era exatamente um atacante de habilidade. Oferecia perigo mais pela potência, pelo bom jogo aéreo e, sobretudo, pela velocidade. Ainda assim, somou mais gols que o concorrente naquele título, onde foi o vice-artilheiro do elenco campeão. Números que chamaram a atenção do futebol italiano.
Por sinal, Dezotti atrasou a saída do próprio Gabriel Batistuta, que já despontava na base. Os empresários que sondaram o futuro Batigol terminaram por optar por alguém mais experiente e lapidado. Se transferiu então a uma Lazio recém-saída da segunda divisão, a apostar nele e nos uruguaios Nelson Gutiérrez (do River campeão de tudo em 1986) e Rubén Sosa para as três vagas de estrangeiros. A boa fase de Dezotti também rendeu sua estreia pela seleção, já como laziale, em 12 de outubro de 1988. Entrou no lugar de Claudio Caniggia nos quinze minutos finais de um 1-1 com a Espanha em Sevilha. Foi a primeira vez que a seleção argentina chamou alguém da Lazio, clube historicamente associado a hermanos. Mas Dezotti não rendeu em Roma; marcou só três gols na Serie A e terminou de fora da Copa América de 1989. Foi repassado a uma equipe menor, de curioso uniforme rubrocinzento, a Cremonese. Dessa vez, conseguiu destacar-se. E muito: dos argentinos “humanos”, foi quem mais fez gols na Serie A de 1989-90. Foram treze, a três de Maradona e a seis da artilharia ocupada por Marco van Basten.
A diferença é que Maradona jogava pelo último Napoli campeão italiano e Van Basten integrava exatamente o vice Milan – vazado por Dezotti nos dois duelos. Já a Cremonese, embora ficasse até invicta contra o Milan (que na mesma temporada venceu a Liga dos Campeões, mas perdeu por 1-0 empatou em 1-1), terminou em penúltimo. Além do Milan, Dezotti pôde vazar também o próprio Napoli, além da Internazionale e da forte Sampdoria da época, e também fez valer a “lei do ex” nos dois encontros contra a Lazio. Tudo em meio a desventuras dos grigiorossi: contra a Inter, seu gol empatou em 1-1 a oito minutos do fim, mas, faltando três, o adversário anotou o 2-1 com Andreas Brehme convertendo pênalti; contra o Napoli em Cremona, também abriu o placar no minuto final do primeiro tempo e viu Maradona empatar faltando doze minutos; contra a Samp, abriu o placar fora de casa aos 4 minutos do segundo tempo, mas no minuto seguinte Roberto Mancini converteu um pênalti para assinalar o 1-1 final…
A boa fase individual fez Dezotti fazer em 21 de dezembro de 1989 seu segundo jogo pela seleção principal da Argentina e o primeiro como titular, em 0-0 contra a Itália em Cagliari. O terceiro foi em partida não-oficial em 3 de abril de 1990, contra o clube norte-irlandês Linfield – 1-0 em Belfast, de novo como titular. Em 8 de maio, substituiu Balbo (que também sofreria rebaixamento em 1989-90, com a Udinese) no 1-1 com a Suíça em Berna, voltando à titularidade no 2-1 sobre Israel em Tel Aviv, no dia 22. No dia 25, fez seu único gol, em novo amistoso não-oficial: substituiu Jorge Burruchaga no intervalo e em três minutos anotou o gol do empate em 1-1 com o Valencia no Mestalla. Foi o último teste da Argentina antes da Copa do Mundo. O técnico Carlos Bilardo ignorava o veterano Ramón Díaz, que tivera grande fase na Inter campeã de 1988-89 e que a mantinha no Monaco. E, com o desfalque de Jorge Valdano por lesão, optou por Dezotti.
O treinador explicaria anos depois que, diante da safra insatisfatória de atacantes, usaria abertamente o contra-ataque, com Caniggia sendo o único atacante fixo a despeito de marcar só oito vezes na Serie A de 1989-90 pela Atalanta. Afinal, Cani, além de El Pájaro, não era apelidado também de El Hijo del Viento à toa. Do mesmo modo, a qualidade da velocidade renderia o apelido de Dezotti: El Galgo. “Quem parecia Caniggia era Dezotti. Gostava mais de Dezotti [do que de Ramón Díaz] e pensava que no dia que Caniggia me ferrasse, teria ele. Também me servia para o contra-ataque. No Cremonese, era tudo contra-ataque”, descreveu Bilardo. No mundial, Dezotti foi usado três vezes: substituiu Burruchaga aos 6 do segundo tempo contra a Romênia e Gabriel Calderón no penúltimo minuto do tempo normal contra a Iugoslávia, visando a prorrogação – acabaria convertendo o último pênalti argentino, logo antes de Sergio Goycochea garantir a classificação; e foi titular exatamente na final.
Afinal, Caniggia estava suspenso para a partida e uma Argentina em frangalhos, desfalcada também de Jorge Olarticoechea, Ricardo Giusti e Sergio Batista (e com Maradona jogando no sacrifício), teria de apostar mais do que nunca no contra-ataque. A ocasião parece ter pesado demais em Dezotti, que fez um jogo visivelmente estabanado: recebeu um cartão amarelo já no início da partida, quando parou com falta um ataque alemão, e não se inibiu de recuar à defesa e cometer diversas outras faltas ao longo do primeiro tempo. A expulsão até tardou e veio pouco após o único gol da partida; a Argentina já tinha um jogador a menos, com Pedro Monzón tendo para si a desonra da primeira expulsão (esta, injusta, com Jürgen Klinsmann caprichando na encenação, apesar da falta ter existido) em final de Copa. Mas El Galgo ainda assim rodopiou o pescoço de Jürgen Kohler aos 42 minutos do segundo tempo.
Dezotti, que curiosamente jamais jogou em solo argentino pela Albiceleste apesar das nove partidas (sete oficiais), não voltaria mais a defendê-la; segue como único jogador da Cremonese aproveitado pela Argentina. No clube, ele seguiu rei: foi o artilheiro grigiorosso na temporada de 1990-91, com nove gols na Serie B, cujo terceiro lugar rendeu o imediato reacesso do time à elite; e outros dois na Copa da Itália, em que a queda ainda nas oitavas-de-final escondeu um duro 4-3 perdido no agregado para a Sampdoria, campeã na mesma temporada na Serie A. O retorno à primeira divisão foi curto, com nova queda embora o argentino repetisse os nove gols, incluindo os dois de 2-0 sobre a Inter dentro do San Siro. Curiosamente, voltou a aplicar duas vezes a “lei do ex” sobre a Lazio, em triunfo de 2-0 e em derrota de 3-2.
Como um ioiô, a Cremonese teve novo reacesso imediato, como vice da Serie B de 1992-93, ganhando no processo também a Copa Anglo-Italiana, sobre o Derby County. Àquela altura Dezotti já não foi a principal referência ofensiva, agora em Andrea Tentoni, mas seguiu importante para a temporada 1993-94 na Serie A. Deixou sete gols, incluindo em triunfo de 2-1 sobre a Roma no Olímpico, e viu o clube enfim manter-se na primeira divisão, com um décimo lugar, até hoje a colocação mais alta do clube na elite italiana. Nada que fizesse-o voltar à seleção, cujo atacante titular para a Copa do Mundo foi mesmo Gabriel Batistuta, campeão da Serie B com a Fiorentina, acompanhado por Balbo e Caniggia, além de Ramón Medina Bello – que estava no futebol japonês, mas antes havia sido o artilheiro da Argentina nas eliminatórias.
Com 30 anos, El Galgo seguiu carreira pelo México. Foram treze gols pelo León na temporada 1994-95, mas minguou depois: foram três na seguinte e apenas um na de 1996-97, já pelo Atlas. Voltou ao futebol argentino como jogador do Quilmes, na segunda divisão de 1997-98. Em 1998, rumou ao Uruguai para pendurar as chuteiras no Defensor, vice-campeão de 1997, mas não teve maior êxito nos violetas. A efetividade foi deixada mesmo no Coloso del Parque em Rosario (figurando na edição especial da revista El Gráfico que elegeu os 2011 os maiores ídolos do Newell’s) e, sobretudo, no Giovanni Zini de Cremona, onde é o estrangeiro com mais gols marcados.
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