Quem vê o River tão dominante da Era Gallardo pode custar a crer que o clube já passou dezoito anos sem títulos, a pior seca já suportada em Núñez. Oscar Antonio Más talvez seja o personagem ideal para ilustrar aquele período: participou ativamente de dez anos daquela estiagem e buscava fazer sua parte, pois El Pinino (como os argentinos chamam a bolinha de gude, apelido que ele ganhou do tanto que gostava delas na infância) é o segundo maior artilheiro da rica história millonaria. Além disso, dos ídolos forjados nos amargos anos 60, ele foi praticamente o único remanescente a ter sua redenção – voltando do Real Madrid para participar do fim, em dose dupla, do jejum. Hoje a Argentina celebra os 75 anos de um de seus mais longevos artilheiros, capaz até de ofuscar Pelé mais de uma vez.
A palavra Más, em castelhano, significa justamente “Mais”, algo apropriado para alguém insaciável por gols – embora o significado real designasse eremitas na origem verdadeira do sobrenome, que é catalã, língua em que é grafado como Mas (e onde a palavra “Mais” é Més), sem o acento agudo imposto pela Real Academia Espanhola. Curioso é que Más não jogava centralizado. Era um ponta-esquerda, e não tão afeito a malabarismos. O livro Quién es Quién en la Selección Argentina o descreve como alguém que “se destacou por sua potência, velocidade e sua capacidade goleadora, mais do que por sua habilidade para a esquiva. Isso o diferenciou de outros grandes pontas-esquerdas da história, mas ninguém questiona que ele mesmo esteve entre eles. Tinha um forte arremate e não duvidava em realizar a manobra mais espetacular e arriscada que se possa imaginar para concretizar o tento”.
O próprio Más (nascido em Villa Ballester, ao noroeste da Grande Buenos Aires) já havia dito algo nesse sentido ao livro oficial do centenário riverplatense: “no River, converti muitos espetaculares, eletrizantes. Um que tenho sempre presente é o que marquei no Banfield, no campo deles, quando me atirei de peixinho tão ao nível do chão que raspei todo o nariz. (…) O torcedor esperava que eu sempre fizesse algo diferente, que embocasse desde um ângulo fechadíssimo ou desde quarenta metros. Eu me dava conta dessa ansiedade do pessoal e por isso tentava tudo o que parecia impossível. Gostava das definições difíceis e estava convencido de que podia consegui-las. Tudo passava por uma questão de confiança, de segurança, de determinação”.
Já sobre seus inícios, o mesmo livro guardou as seguintes declarações: “eu quando garoto era um vadio: andava o dia inteiro pela rua. Chegava à noite e seguida batendo bola até que ficasse toda raspada. Sonhava em jogar no River: ia dormir e antes de apoiar a cabeça na almofada, imaginavam em minha mente uma partida qualquer. Nesse sonhos, claro, eu sempre tinha a camisa 11 nas costas e convertia um montão de gols. Também pensava muito no festejo dos gols: me parecia que os atacantes estavam obrigados a praticar a maneira de grita-los, como se fosse um ritual. Desde garotinho me caracterizei por fazer gols. Me lembro de quando ainda não havia estreado no time adulto, no River muita gente comentava que nos juvenis havia um moço que metia gols de qualquer lado. Esse, modestamente, era eu”.
Já o perfil de Más na edição especial em que a El Gráfico escolheu em 2010 os cem maiores ídolos do River destaca que sua paixão millonaria era tamanha que ele conscientemente usou de autossabotagem em um teste feito nos infantis do Boca, quando tinha dez anos: “chutei um pênalti para fora. Até parece que eu ia fazer um gol para o Boca…”. Ernesto Duchini, um dos mais renomados olheiros e formadores de jovens no futebol argentino, foi o responsável por leva-lo ao caminho “adequado”: “o vi num sábado de manhã que havia saído com minha senhora para dar uma volta… peguei a Avenida General Paz e no campinho do Siam vi um garotinho que tinha uma potência bárbara. Falei com o pai e o inscrevi no River”. Quem seguiu sim no Boca foi um irmão mais velho, Luis Más, que pôde estrear entre os adultos da camisa azul y oro ainda em 1963. Mas que jamais teria êxito próximo do caçula.
Uma vez em Núñez, foi aprimorado por outro especialista: Carlos Peucelle, o próprio craque que inspirara o apelido de Millonario ao chegar em 1931 ao clube, um ano após marcar gol na final da primeira Copa do Mundo. Após parar, Peucelle vinha desde os anos 40 se destacando por lapidar novos craques ao River (Alfredo Di Stéfano foi o exemplo mais famoso) e, ao assumir interinamente o cargo de técnico do time principal em 1964, bancou aquele rapaz de 17 anos já na rodada inaugural do campeonato: “baixinho, chegou tua hora. Arrebente, não pense em nada, deixe que o futebol te saia espontaneamente” foram as instruções. E El Pinino não decepcionou o mestre, com uma primeira assistência – ao cruzar para um cabeceio certeiro de Eladio Rojas para render o único gol de duelo com o Chacarita.
Essas informações também foram destacadas por aquele perfil na El Gráfico, que não escondeu que gradualmente as assistências deram lugar a alguém fominha demais para quem jogava na ponta (“podiam me crescer teias de aranha esperando na área um cruzamento do Pinino” foi a queixa registrada ali do ex-parceiro Carlos Morete). Mas que a longo prazo terminou mais lembrado como “um torcedor que cumpriu com louvor seu sonho de vestir a camisa mais sonhada. Seu pique era demolidor, tinha um canhotaço letal e sua obsessão pelo gol era fora do comum”. O primeiro de seus 199 gols oficiais viria na oitava rodada, no 4-1 sobre o Newell’s. O segundo apareceu já na seguinte, um 2-1 dentro de Rosario sobre o Rosario Central. Contudo, só registrou mais um gol naquele 1964, no 3-0 sobre o Chacarita na rodada inaugural do segundo turno.
Más parecia concluía um sonho, jogando lado a lado do ídolo Luis Artime, o Gerd Müller argentino, e que igualmente marcou nessas três partidas em questão. Artime foi qualificado como seu modelo naquelas memórias à enciclopédia oficial do centenário do Millo: “me deixava louco. Era um goleador fenomenal e quando o via jogar, tratava de não perder detalhes de seus movimentos. E pensar que havia gente que o criticava, que dizia que não sabia pegar na bola, ou que o único que fazia era metê-la nas redes… quase nada, não? Se marcar gols é o mais difícil do futebol. Eu ficava afônico celebrando os gols do Luisito“.
Por outro lado, tamanha inspiração também atrapalhava; já no ano de estreia se notava individualismo do garoto recém-lançado. A El Gráfico não o perdoou em derrota de 4-3 para o Racing: “vai muito mal na disputa de bola. Arriscando muito (por isso recebe golpes como o de Martín, apenas iniciado o jogo). Com risco muito alto para o adversário (assim mandou Martín por vários minutos para fora do campo). Não cuida de sua colocação nos contra-ataques. Fica em impedimento com muita facilidade. Não termina bem uma só manobra ofensiva e se houvesse olhado e dado o passe para trás quando entrava sozinhos Onega e Delém, ao invés de atirar ao arco desde um ângulo impossível, teria demonstrado que, além de fervor e tenacidade na luta, tem intenções de chegar a ser um bom ponta”.
Um dos mais célebres redatores da El Gráfico era Julio César Pasquato, conhecido pela alcunha Juvenal. Ele já trabalhava nela na época e era testemunha ocular do futebol argentino desde os anos 30 até falecer em 1998, dois anos após opinar à própria revista sobre quem teria sido o melhor ponta-esquerda do seu River até então – se Más ou Félix Loustau, o Chaplin da celebrada La Máquina riverplatense dos anos 40, e avaliado como alguém melhor para o jogo coletivo: “Loustau era completíssimo. Driblava, tinha um freio sensacional, chegava ao fundo, esquivava, metia o passe para trás. Quando entrava em diagonal, cravava o canhotaço na medida. Recuava para ajudar a defesa, se atirava aos pés, subia armando jogo. Tudo. E nos 90 minutos. Oscar Más era fabuloso como goleador e divertido para o espetáculo. Para a equipe, Félix”.
Naquele 1964, o River foi capaz de aplicar um 5-1 no Barcelona em amistoso em junho, mas também teve cinco técnicos diferentes em um ano de muita instabilidade. Embora fechasse o pódio, não chegou a brigar até o fim pelo título e ainda viu a taça ser garantida na penúltima rodada pelo Boca em pleno Superclásico – e graças a gol de um vira-casaca, Norberto Menéndez, no 1-1 que bastava ao arquirrival. Mas a qualidade inegável daquele diamante bruto foi logo reconhecida pela seleção: Más foi um dos mais jovens estreantes da Albiceleste, estreando aos 19 anos incompletos em vitória de 1-0 em casa sobre o Chile em 14 de julho de 1965, pelo troféu binacional Copa Carlos Dittborn. No jogo da volta, uma semana depois, marcou inclusive o gol do título, garantindo o empate em 1-1 em Santiago.
O River, por sua vez, estabilizou como treinador o lendário Renato Cesarini, co-formador junto de Peucelle da celebrada La Máquina dos anos 40. Naquele 1965, Más saltou para 16 gols, incluindo uma primeira tripleta (todos da tarde de um 3-0 sobre o Gimnasia) e em cada duelo contra um Independiente bicampeão da América. Dessa vez, o Millo ofereceu combate ao Boca pelo título e até chegou a abrir vantagem provisória na liderança. Mas o filme de 1964 praticamente se repetiu: na antepenúltima rodada, o Boca novamente sorriu ao fim do Superclásico, virando para 2-1, com novo gol decisivo de Menéndez. O rival ultrapassou ali o River (“Renato, Renato, lhe roubamos o campeonato”, gritava a torcida auriazul em referência a Cesarini) e adiante confirmou nova conquista.
Más, do seu lado, virou figura carimbada na seleção, participando ativamente das eliminatórias à Copa de 1966, seguindo na equipe mesmo com três treinadores passando pelo cargo entre a classificação à Inglaterra e o Mundial em si. Antes do embarque a Londres, nova decepção: na primeira Libertadores a admitir livremente também vice-campeões nacionais, o River soube enfim prevalecer sobre o Boca e também sobre o Independiente no quadrangular-semifinal… para, na finalíssima, perder de 4-2 uma partida que parecia ganha por 2-0 diante do Peñarol – resultado que originaria o apelido de Gallinas à equipe de Núñez, que já sentia nove anos de jejum. Na Copa do Mundo, a referência ofensiva foi mesmo o ídolo Artime, autor de quatro dos cinco gols argentinos nos campos britânicos.
No regresso da Copa, não havia como brigar contra um Racing espetacular na liga argentina. O clube de Avellaneda embalou-se em um recorde de 39 jogos seguidamente invicto (marca só superada na era profissional pelos 40 do Boca de Carlos Bianchi, em 1999) para garantir com bastante antecedência a taça. Más destacou-se justamente na partida de gigantes que encerrou a série, quando o River venceu a Academia por 2-0, na 26ª rodada. Foram onze gols no torneio, incluindo os primeiros dele no Superclásico: dois deles no 3-1 que marcaram a primeira vitória millonaria em vinte anos em La Bombonera sobre o rival, e outro no 2-0 no Monumental no returno.
O ano de 1967 começou com a amargura vindo na seleção: na última Copa América disputada em pontos corridos, a Argentina a liderou até a rodada final, em fevereiro, quando jogou pelo empate diante do anfitrião Uruguai. Mas a Celeste fez valer o fator casa e triunfou no clássico, retendo o troféu. Autor de gol nos 4-1 sobre o Paraguai, Más voltou as atenções para a Libertadores, iniciada em março. O River chegou a conseguir numa mesma tarde duas tripletas no 6-2 sobre o Independiente Medellín (uma do Pinino e outra de Daniel Onega), mas aquele Racing voltou a prevalecer, agora nas semifinais. O que pareceu condicionar o resto da temporada em Núñez.
Em 1967, apesar de 17 gols de Más, as campanhas foram pobres em ambos os torneios argentinos (Metropolitano e Nacional, introduzidos naquele ano) e a diretoria reagiu recontratando o velho ídolo Ángel Labruna, justamente a única pessoa que tem mais gols do que Más na história do River. Labruna havia treinado um modesto Platense quase campeão daquele Metropolitano de 1967. A reação colheu frutos, mas ainda amargos, agora pelos títulos voltarem a se aproximar… e voltarem a escorrer. No Metropolitano de 1968, o quarentão goleiro Amadeo Carrizo, justo em seu último ano de River, conseguiu um recorde de minutos sem tomar gols para a época. Só que do outro lado na semifinal tinha outro invicto, o San Lorenzo, que levou a melhor e adiante se tornaria justamente o primeiro campeão profissional invicto.
O Nacional de 1968 foi ainda mais dramático. O River pegou o Racing na última rodada e quem vencesse seria campeão. Empataram e foram igualados pelo Vélez, que forçou um triangular entre eles. Nele, o River enfim derrotou o Racing (com Más somando seu 16º gol no ano naqueles 2-0), mas só empatou com os velezanos, ainda com zero títulos argentinos. O detalhe é que o duelo com o Fortín poderia ter sido diferente se o árbitro marcasse pênalti quando um zagueiro oponente usou a mão para impedir um gol certo. O Vélez depois venceu o Racing por uma diferença superior e levou seu primeiro troféu na elite por acumular um golzinho a mais no saldo… como se não bastasse, o Millo acumularia nada menos que quatro vice-campeonatos seguidos a partir daquele.
Já no torneio seguinte, voltou-se a “desvirginar” um time nanico: na semifinal do Metropolitano de 1969, o êxtase de eliminar o Boca na semifinal virou pesadelo na decisão ao ser massacrado por 4-1 pelo Chacarita, que nunca voltou a ganhar a primeira divisão e há décadas se acostumou à terceira. Expulso logo no início, o jovem Hugo Dreyer seria defenestrado para o futebol curitibano, onde viraria ídolo. O sadismo do roteirista das desventuras gallinas não conhecia limites. Pois no Nacional de 1969, um início ruim foi no Nacional foi corrigido com uma sequência invicta sempre com vitórias no Monumental, permitindo ao River chegar ao último compromisso tendo chances desde que somasse uma nova vitória seguida em casa contra o líder, em duelo direto pela taça agendado por acaso na rodada final. O adversário? O Boca. O técnico do adversário? Ninguém menos que Alfredo Di Stéfano.
O Boca abriu 2-0 (dois gols de Norberto Madurga, depois campeão brasileiro com o Palmeiras em 1972) e o River soube buscar o empate com Más somando seu 22º gol na temporada (para descontar para 2-1 ainda no primeiro tempo), mas a reação se resumiu a isso. E pela primeira vez teve de ver o rival dando volta olímpica em pleno Monumental. A decepção somou-se à desclassificação da seleção argentinas nas eliminatórias para a Copa de 1970. Ironia: com gol do Pinino, a Albiceleste triunfou por 2-0 no Beira-Rio sobre o próprio Brasil em amistoso pré-Copa de Pelé e colegas, em 4 de março de 1970. Uma semana depois, pela Libertadores, Más foi impiedoso contra o Universitario de La Paz, anotando quatro gols em um 9-0 sobre os bolivianos.
Naquela Libertadores, ele chegou a perder pênalti em Superclásico, mas o River parecia sorrir por último, eliminando o rival na segunda fase de grupos. Mas, na semifinal, o Millo não teve casca para prevalecer em maio sobre um Estudiantes que caminhava para o tricampeonato seguido. O pior viria depois: em paralelo, na disputa do Torneio Metropolitano, o River terminou na co-liderança, e tendo em Más o artilheiro do campeonato (16 gols). Mas, embora tradicionalmente o futebol argentino preveja jogos-extra em casos assim, justamente aquele torneio foi uma exceção. E esse foi a tragédia que nem Shakespeare escreveria: com dois gols do Pinino, o River goleou por 6-0 em seu jogo final, enquanto o do concorrente terminou adiado pelas chuvas. O concorrente era o Independiente, que tinha que enfrentar ninguém menos que o rival Racing no estádio vizinho precisando de uma vitória por dois gols de diferença ou de no mínimo 3-2 para ser campeão.
A Academia esteve duas vezes na frente do placar. Mas o Rojo, após um empate cobrando um pênalti repetido não uma, mas duas vezes após o goleiro racinguista Agustín Cejas adiantar-se e defender nas duas primeiras execuções, conseguiu virar para 3-2 a dez minutos do fim. Mais ironia é que o campeão havia sido derrotado no confronto direto por 3-1 quatro rodadas antes, com outros dois gols de Más. Tamanha situação decretou o fim do primeiro ciclo de Labruna como treinador em Núñez. Seu sucessor foi o brasileiro Didi, credenciado por ter, com a seleção peruana, desclassificado em plena La Bombonera a Argentina da Copa de 1970 – e ter feito um ótimo papel no Mundial do México.
O grande mérito do “Príncipe Etíope” foi bancar muitos de juvenis que protagonizariam o desjejum, sendo talvez o mais querido técnico que o River teve dentre os nunca campeões no clube. Pois se com Labruna se sofria com o tetravice, com o brasileiro o time sequer cheirava a taça; Más fez os dois gols da vitória por 2-1 no Superclásico do Torneio Nacional de 1970, mas o River não avançaria de fase enquanto o rival terminaria campeão. Em 1971, o ponta marcou 20 gols no ano, mas o clube esteve longe do páreo do Metropolitano e do Nacional – cujo treinador campeão, ironicamente, era um Labruna a serviço do Rosario Central, ali campeão argentino pela primeira vez.
Em 1972, Más registrou 27 gols entre o Metropolitano e o Nacional. Didi durou no cargo até meados de um Metropolitano medíocre. Mas o Nacional começou com tudo, em um Superclásico histórico: com nove minutos, o Millo já vencia por 2-0, com Más anotando o segundo. Mas, ainda no primeiro tempo, o rival soube virar pra 4-2. Só que El Pinino recolocou o Millo no páreo ao descontar para 4-3, impulsionando adiante a memorável contravirada para 5-4. Novo Superclásico viria pelas semifinais e, novamente, deu River. Mas, na decisão, La Banda Roja sucumbiu em jogo único contra o San Lorenzo. Detalhe: o autor do gol, Luciano Figueroa, era atacante, mas aquele foi justamente seu único gol naquele ano! Más seguiu em Núñez inicialmente até 1973. Deixou o dele em um 7-1 no Oriente Petrolero, sem evitar que o River fosse eliminado ainda na primeira fase – e fizesse um Metropolitano morno a despeito da artilharia do torneio ficar com os 17 gols de Más, mesmo que El Pinino só atuasse no primeiro turno de um campeonato longo, a durar até setembro.
O Real Madrid, afinal, viera lhe contratar para uma temporada europeia de 1973-74 já em andamento. Más, que já havia recusado uma proposta do Boca em 1973, aceitou a oferta espanhola mesmo ciente de que ir ao Bernabéu, ao contrário de hoje, significasse ficar longe do radar da seleção argentina; ele, de fato, não voltou a ser chamado depois de 1972. Melhor para seu reserva, Jorge Ghiso, que contaria já em 2017 que “Pinino Más jogava sempre, não se machucava nunca e, se lesionava-se, ia a campo igualmente”. Detalhe é que Ghiso era chamado à seleção do mesmo jeito, o que corrobora a qualidade de Más. Sua estreia como madridista foi inclusive em amistoso contra o River, em 28 de agosto, em triunfo espanhol por 3-1.
Em La Liga, o argentino teve sua qualidade reconhecida pelo colega Vicente del Bosque, mas não se ambientou. Recém-reforçado com Johan Cruijff, o Barcelona quebrou 14 anos de jejum no campeonato. O troco veio na final da Copa do Rei (então Copa do Generalíssimo), mas o 4-0 sobre os catalães não contou com o argentino em campo. Após mais um semestre na Espanha, Más acertou seu regresso ao River no início de 1975. Labruna estava de volta ao cargo de técnico após seu Talleres levar a melhor sobre o próprio River na classificação à segunda fase do Torneio Nacional de 1974. Como uma opção regular de banco, Más contribuiu com cinco gols nas 24 partidas em que foi acionado por Labruna no Torneio Metropolitano. Embora com anticlímax no jogo do título, o River enfim voltou a ser campeão.
Do time-base campeão, apenas Reinaldo Merlo (recordista de partidas pelo River) havia estreado ainda nos anos 60, mas já em 1969. Em alto estilo, o River fechou 1975 campeão em dose dupla, pois faturaria também o Torneio Nacional, com participação até mais ativa do velho ídolo: sete gols em 18 jogos. Em contraste, o ano de 1976 foi amargo. Como único remanescente dos vices na Libertadores de dez anos antes, Más esteve na segunda vez em que o River chegou à decisão do torneio. E até deixou seu rastro nos duelos finais contra o Cruzeiro: fez o gol argentino de honra nos 4-1 sofridos no Mineirão. Em Núñez, o 2-1 do River bastou para forçar um jogo-extra pelo regulamento da época. Os brasileiros abriram 2-0 e Más iniciou a reação; ele marcou o primeiro gol do Millo na reação que alcançou um empate provisório. Mas então veio o célebre lance de Joãozinho para dar a taça aos mineiros.
Como se não bastasse, na liga argentina o Boca respondeu aos dois títulos que o River tivera em 1975: o próprio rival venceu tanto o Metropolitano como o Nacional, este em final travada em Superclásico – na única vez em que a dupla duelou em uma final oficial até 2018. Más deixou um último gol dias depois, em uma pré-Libertadores contra o Huracán (o vice do Boca no Metropolitano) pela outra vaga argentina para o torneio de 1977. O 4-1 que classificou o Millo para La Copa mascarou um jogo duro: até os 29 minutos do segundo tempo, estava empatado em 1-1. Foi quando Más usou a cabeça para aproveitar bola levantada por Juan José López. Conseguiu vazar o goleiro Héctor Baley mesmo dividindo o rosto com o pé do marcador Jorge Carrascosa. Mal comemorou o último gol naquele momento: o treinador Labruna imediatamente o substituiu por Alberto Beltrán. Com passe livre, Más buscou um pé de meia no lucrativo narcofútbol colombiano, reforçando o emergente América de Cali.
El Pinino saiu-se bem na Colômbia (38 gols em 68 jogos), embora o primeiro título nacional do América viesse apenas em 1979, justamente o ano do regresso do veterano à Argentina: o Quilmes havia conseguido um surpreendente título no Metropolitano de 1978 (foi a primeira taça dos Cerveceros desde 1912 na primeira divisão, e a última até hoje na elite) e buscou reforçar-se à altura para sua primeira Libertadores. Más decepcionou. Limitou-se a sete partidas e três golzinhos no novo clube. A ironia é que um deles foi justamente diante do River, em empate em 2-2 pelo Metropolitano onde todo o Monumental aplaudiu seu antigo artilheiro. Em 1980, ele voltou às vizinhanças de Núñez, mas para jogar nas divisões de acesso no outro time do bairro, o Defensores de Belgrano. Com dignidade no novo habitat, embora o Defe não subisse, ele reapareceu na primeira divisão com destaque em 1982.
Naquele ano, o Torneio Nacional passou a ser disputado no primeiro semestre. E o veterano reforçou o novato Mariano Moreno de Junín. Pôde voltar a comemorar gol sobre o Boca, acertando uma falta que que não evitou derrota em casa por 4-1. Naquele torneio, Más ainda vazou Estudiantes (derrota de 2-1), o semifinalista Talleres (os dois gols de honra num 8-2) e deixou o dele no Clásico Juninense com o Sarmiento, vencedor por 4-1. O próprio Sarmiento o buscou para o Metropolitano… e Más, incrivelmente, deixou o dele em novo reencontro com o Boca (novamente, não evitou um 4-1). Também aplicou duas vezes a lei do ex, em derrota de 2-1 para o River e em 1-1 com o Quilmes. Entre 1983 e 1989, ele então rodou clubes do “mundo ascenso” ou do interior, inclusive por dois Boca Juniors – o de Bariloche e o de Coronel Suárez, claro. Nesse período, ainda competiu na primeira divisão em 1985, na participação do Huracán Las Heras no Torneio Nacional; foi a última aparição dessa equipe de Mendoza na elite.
Assim, El Pinino era um raro jogador ainda oficialmente em atividade a participar da edição inaugural da Copa Pelé, em 1987. Era um mundial de jogadores veteranos (ou masters, para seus publicitários) com bastante repercussão para a época, ainda que o próprio Pelé se limitasse à partida canarinha contra a Itália de Paolo Rossi. A decisão foi um Brasil e Argentina… e “o ponta-esquerda Oscar Más barbarizou” sobre o elenco liderado por Rivellino, nas palavras da revista Placar já em 2004. No calor do momento, em 1987, a revista reconheceu, com palavras do próprio Más, que os hermanos fechavam um ciclo – em referência aos recentes títulos da Argentina no Sul-Americano Sub-17 de 1985, na Copa do Mundo de 1986… e aos do River na Libertadores e no Mundial Interclubes, também em 1986.
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