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Maior carrasco do São Paulo na Libertadores e descobridor de Agüero: adeus a Agustín Balbuena

Entre 2006 e 2015, o São Paulo levou duas vezes a pior na Libertadores contra Internacional (final de 2006, semi de 2010) e Cruzeiro (quartas de 2009, oitavas de 2015). O outro clube a conseguir algo parecido é o Independiente, nos anos 70. E é daquele Rojo que saiu o único jogador a sorrir por último com gols, incluindo até olímpico, em diferentes fases agudas do torneio contra o Tricolor: também o único atacante presente em todo o tetracampeonato seguido do time de Avellaneda em La Copa, Agustín Alberto Balbuena virou saudade hoje, deixando uma história que nem a posterior passagem pelo rival Racing manchou. Hora de relembrar El Mencho, também membro da Argentina na Copa de 1974. E descobridor de Sergio Agüero.

Mencho é uma gíria argentina para designar a figura interiorana do vaqueiro. Balbuena veio mesmo do interior, da cidade de Santa Fe, onde nasceu em 1º de setembro de 1945. Conciliando ofícios de padeiro e gesseiro, formou-se em um dos dois principais clubes locais, o Colón; com quinze anos de idade, já recebeu uma primeira chance na equipe adulta secundária, para partidas da liga municipal. A estreia na equipe principal veio na esteira de um dos capítulos mais recordados do clube.

O estádio rojinegro se chama Brigadier General Estanislao López, mas é mais conhecido pela alcunha “Cemitério de Elefantes” pela frequência com que o Colón batia em seu alçapão gente poderosa, inclusive o Santos de Pelé em tempos de segundona dos santafesinos, em 1962. O titular teve problemas com a premiação e o garoto Balbuena recebeu no compromisso seguinte uma primeira chance, desastrosa: o Nueva Chicago, de modo contrastante, deu de 5-1 pela segunda divisão… gradualmente, o jovem se estabeleceu como opção de banco e integrou histórica campanha de 1965, quando o Sabalero não só venceu a segunda divisão como também tornou-se o primeiro time de santafesino a garantir-se na elite argentina.

Embora fosse no máximo coadjuvante na campanha histórica, ainda como colonista El Mencho começou a ter experiências internacionais proveitosas. Em março de 1967, o elefante foi o campeão mundial da vez, o Peñarol. Balbuena fez o gol da vitória por 2-1 a dois minutos do fim, ainda que com uma malandragem sob vista grossa da arbitragem; assumiu ter usado a mão para ajeitar a bola antes de desferir conclusão famosa para o futebol local. Nada que importasse muito à torcida e ao clube nem ali – o time recebeu uma série de reprimendas da AFA por não ter solicitado permissão para aquele amistoso.

O gol olímpico que pôs o Independiente na primeira final do tetracampeonato

No mais, a ambição da equipe se satisfazia em permanecer com segurança na elite, batendo ocasionalmente mais algum elefante, enquanto o rival Unión (ascendido logo em 1966) se mostrava um ioiô. Balbuena, que marcou seus primeiros gols na primeira divisão exatamente em 1967, pôde contar com paciência para desenvolver-se na ponta-direita até 1968. Seus gols dobraram para oito e já incluíam também os grandes San Lorenzo (1-1 contra o campeão invicto do Metropolitano), River (1-1 contra o vice do Nacional) e Racing (4-2 sobre o terceiro colocado do Nacional). Mais seis vieram em 1969.

Em 1970, El Mencho deixou o Colón tendo feito por onde para ser eleito para o time dos sonhos escolhidos em 2015 pelo Futebol Portenho para o Sabalero. O clube soube reconhecer quando ainda contava com ele como jogador, bancando-lhe a primeira casa com eletricidade, uma emoção que fez a família inteira dormir com as luzes acesas. Inicialmente permaneceu perto dela, na mesma província de Santa Fe – que, se tem na cidade de mesmo nome sua capital política, tem em Rosario a principal cidade esportiva. Ele não chegou a exatamente se firmar ídolo nos canallas (ao contrário, quase perdeu uma perna após sofrer com furúnculos, passando muito tempo sem jogar), mas fez parte da grande campanha de um time ainda virgem de títulos na primeira divisão.

Foi na a trajetória finalista no Torneio Nacional de 1970, embrião do elenco que levaria em 1971 e em 1973 as primeiras taças da elite para o interior argentino. Calhou de o Central pegar um Boca (e, no caso de Balbuena, enfrentar justamente o time do coração, conforme ele escancarou em 1973) especialmente experiente em definições de títulos naquela década. Na prorrogação do duelo auriazul, o time da capital federal soube vencer de virada. Ainda assim, o vice-campeonato premiaria o clube de Arroyito com o ineditismo de uma participação rosarina e interiorana do país na Libertadores, para a edição de 1971. O ponta, porém, não ficaria: descontente em ser pouco usado, exigiu ser vendido. E o Independiente precisava de um novo herói para suprir a venda do seu Garrincha particular, o veterano Raúl Bernao.

Balbuena não tentou imitar o estilo driblador de Bernao e isso lhe fez bem. Era, sim, um ponta notabilizado pelos piques e pausas para confundir a marcação, conforme destacado ainda em 1970 por um futuro argentino do Real Madrid e da seleção espanhola, Juan Carlos Touriño. E, claro, pelos cruzamentos e assistências ao centroavante que fosse. Mas deixava seus golzinhos também, marcando já em seu primeiro Clásico de Avellaneda, pela quarta rodada do Metropolitano de 1971, um 3-3 dentro do Cilindro racinguista.

Outro ângulo do gol olímpico: na capa pós-jogo da revista El Gráfico, Balbuena foi o merecido protagonista

Fez outros sete gols, seja aplicando a lei do ex sobre o Colón (2-0) ou deixando o clubismo de lado (2-1 no Boca, na Bombonera), de uma campanha campeã com drama na rodada final – o líder e favorito era o Vélez, que conseguiu perder em casa para um instável Huracán enquanto o Rojo fazia o dever de casa contra o Gimnasia. Calhou de aquela ser justamente a primeira temporada em que o Torneio Metropolitano seria contemplado com chances de ir à Libertadores; até então, a segunda vaga era dada ao vice do Torneio Nacional.

Em 1971, então, ela foi definida entre um tira-teima entre esse vice, o San Lorenzo, e o campeão do Metro. Em 29 de dezembro, o Independiente conseguiu a vitória mínima sobre o Ciclón na neutra Bombonera e começou assim a construir o maior domínio já visto no continente. Não que a ocasião fosse de toda feliz a Balbuena: suspenso para aquele jogo após expulsão prévia por reclamação, estava comemorando com os colegas no hotel quando soube que não teria direito a bicho. Aprendeu ali a ser mais sereno em campo, onde seu jeito tímido fora das linhas se transformava em alguém ainda temperamental.

Na única edição do tetra seguido sem contar com a dupla dinâmica formada por Ricardo Bochini e Daniel Bertoni, Balbuena foi o único atacante presente em todas as partidas daquela campanha de 1972 – o centroavante inicial foi Carlos Bulla, depois Manuel Magán e por fim o talismã Eduardo Maglioni, com o coringa Hugo Saggioratto também sendo improvisado no setor. Na outra ponta, Saggioratto se alternou com Dante Mírcoli. A primeira fase foi superada sem sobressaltos, ao passo que as semifinais renderiam duelos contra Alberto Spencer, o maior artilheiro da competição e então no Barcelona do seu Equador; e com o São Paulo.

Contra Spencer, foi empate em Guayaquil e triunfo protocolar em Avellaneda. Mas os brasileiros impuseram em casa a única derrota roja naquele título. Na revanche, os argentinos não jogaram tão bem de novo. Só que contaram com um gol olímpico de Balbuena para iniciar os trabalhos aos 20 minutos – lance beneficiado também pela disputa aérea infrutífera de bola entre os são-paulinos Sérgio e Pablo Forlán com Saggioratto. No segundo tempo, Mírcoli marcou o gol que recolocou o Independiente em uma decisão de Libertadores, após o bi seguido de 1964-65. Só não deu para barrar o Ajax de impedir uma glória que seguiria inédita ao Rey de Copas, o Mundial.

Outra capa da El Gráfico, agora alusiva ao reencontro com o São Paulo em 1974. Balbuena é o jogador mais à direita

O título de 1972, por outro lado, permitiu que o Independiente começasse já no triangular-semifinal a caminhada de 1973. A chave se dividiu com o Millonarios e o San Lorenzo e não começou boa, com derrota em Bogotá. A revanche foi imediata e um cabeceio certeiro de Balbuena fechou um 2-0 que tranquilizou os campeões para os duelos caseiros. Àquela altura, se o Sanloré vencesse em casa, se classificaria. Mas novo cabeceio do Mencho e uma assistência sua para Miguel Ángel Giachello arrancaram um valioso 2-2 em pleno Gasómetro, retardando a definição para Avellaneda. O Independiente fez seu dever de casa mesmo contra a forte retranca azulgrana e seguiu para nova final.

Após dois empates, o Rojo encarou na neutra Montevidéu o Colo-Colo no jogo-extra, o primeiro com ausência de Balbuena ante a ascensão do garoto Bertoni. E também o único em todo o tetracampeonato seguido. Os chilenos foram vencidos a muito custo graças também ao primeiro brilho do prodígio Bochini. Nada que fizesse Balbuena perder o posto. Ao contrário: 15 dias depois, o time já levantava nova taça internacional, a esquecida Copa Interamericana, tira-teima com o vencedor da CONCACAF em definição válida ainda pelo ano de 1972. Os argentinos concordaram em jogar as duas partidas em Honduras contra o representante local, o Olimpia.

Mesmo aterrissando em San Pedro Sula a três horas do pontapé inicial do primeiro duelo, superaram o cansaço com um 2-1, com Balbuena formando o trio ofensivo com Giachello e Mario Mendoza, mesma formação-base do ataque na Libertadores recém-conquistada. Três dias depois, El Mencho fechou o 2-0 aos 39 do segundo tempo, com um toque suava na saída do goleiro Samuel Santini. E, dois meses depois daquele mágico junho para a história roja, Balbuena estreou pela seleção. Foi em um 2-1 não-oficial contra o clube Instituto de Córdoba, em 8 de agosto.

No dia 14, 1-1 em um primeiro encontro contra o Atlético de Madrid, em turnê europeia da Albiceleste a seguir com derrota de 2-1 para o Las Palmas no dia 25 e 2-0 no Újpest, rendendo um primeiro gol do Mencho pela Argentina. A estreia oficial ficou para 9 de setembro, nos 4-0 sobre a Bolívia pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Em novembro, foi a vez do seu Independiente enfim ser campeão mundial; o Ajax se acovardou de voltar a Avellaneda e a Juventus exigiu um jogo-único na Itália. O Rojo topou e conseguiu, sob descrédito geral (a esposa de Balbuena chegou até a cortar uma ligação telefônica para não deixar queimarem as almôndegas que cozinhava), o placar mínimo em pleno Olímpico de Roma, em jogada iniciada com Balbuena para terminar orquestrada entre Bochini e Bertoni.

A grande fase em março de 1975: dois gols no 5-1 no Racing, quase herói no Mundial contra o Atlético de Madri

O sucesso no clube não se repetiu exatamente na seleção. Balbuena registrou oficialmente dez partidas, mas zero gols pela Argentina, ainda que tenha sido titular na bagunçada campanha dela naquela Copa do Mundo. Seus gols se limitaram a partidas não-oficiais, contra clubes e seleções regionais – o último deles, em 1-0 sobre o Munique 1860 em 3 de junho, o último amistoso pré-Copa. Ele ainda esteve na primeira convocação do novo treinador, César Menotti, mas não foi usado e se despediu da Albiceleste em gramados alemães mesmo.

Por outro lado, ele pôde seguir enfileirando taças copeiras no clube. O trio Balbuena-Bochini-Bertoni foi intocável na titularidade da campanha de 1974, desenrolada já após a Copa do Mundo. Novamente podendo começar no triangular-semifinal, o time começou com pouca marcha contra um Huracán ainda treinado por Menotti. O 1-1 foi compensando no jogo seguinte, quando Balbuena fechou um 3-0 construído todo no primeiro tempo contra o Peñarol. Dentro do Centenário. 48 horas depois, a sensação Huracán de Menotti já era história: mais um 3-0 que poderia ter sido mais. O empate em casa no reencontro com os uruguaios bastou.

Dessa vez, o duelo contra o São Paulo foi pela grande final e, sob hostilidade inclusive policial, os argentinos perderam por 1-0 no Morumbi. Em Avellaneda, a tática brasileira foi ganhar tempo. E a cera do goleiro Valdir Peres foi tanta que a arbitragem sancionou com um tiro livre indireto na grande área. Balbuena tocou para disparo forte de Bertoni, que Valdir não segurou: a bola sobrou para Bochini abrir o placar, aos 32 minutos. Aos 2 do segundo tempo, um bate-rebate na área tricolor termina com Bertoni mandando um cruzamento pela linha de fundo para a canhota do Mencho bater Valdir, lance retratado na imagem que abre essa matéria.

Se va el campeón, se va el campeón, se va pa la Cordillera” foi o grito das arquibancadas na Doble Visera. O saldo de gols não dava o título ainda, mas forçava o tira-teima na neutra Santiago. Onde os pênaltis, ainda no tempo normal, fizeram a diferença: os argentinos converteram o seu e o goleiro Carlos Gay pegou o de Zé Carlos. Enquanto não se definia o representante europeu do Mundial, o Rojo ergueu nova Copa, a Intermaricana, em duas partidas na Guatemala com o Deportivo Municipal. Ao fim, o Bayern voltou a arregar e o Atlético de Madrid aceitou jogos em ida e volta desde que o saldo de gols pesassem.

As outras camisas argentinas de Balbuena: Colón, seleção e Racing

As negociações arrastadas fizeram as partidas entrarem no ano de 1975 e Balbuena quase pintou como o herói do bi mundial. Bertoni o deixou na cara do goleiro e El Mencho não desperdiçou, marcando o único gol visto em Avellaneda. Fase coroada com um Clásico de Avellaneda histórico em março: 5-1 em pleno Cilindro, com dois de Balbuena. É a maior vitória do Rojo sobre o arquirrival na casa vizinha. Mas um mês depois o Atleti, turbinado com diversos argentinos, deu atenção merecida ao Mundial e já no fim arrancou um 2-0 que lhe serviu para o título.

A perda do bi mundial e o contínuo desleixo nas competições caseiras fizeram o treinador Roberto Ferreiro, ícone também do bi de 1964-65 como lateral, cair. Chamaram de volta o treinador campeão de 1972, Pedro Dellacha. O Independiente fechou o ciclo com sua campanha mais acidentada, chegando à rodada final do triangular-semifinal precisando de um 3-0 no Cruzeiro para avançar. Pois conseguiu, com o gol olímpico da vez sendo marcado por Bertoni. Teriam sido mais se Balbuena, ganhando “sempre de Vanderlei” segundo a Placar, não perdesse outras chances. Mesmo perdendo Bochini para a decisão, o substituto Ricardo Ruiz Moreno soube trabalhar com Bertoni e El Mencho e o Rojo prevaleceu sobre a Unión Española.

A série de títulos, porém, não significava calmaria interna. E um Racing combalido, mas ambicioso, gastou o que tinha e o que não tinha para montar um time capaz de reagir ao vizinho. Em 1976, Ruiz Moreno, Balbuena e até o treinador Dellacha cruzaram a esquina em Avellaneda. Mas, para a torcida da Academia, falar em El Mencho será sempre para glorificar o carismático atacante entrerriano Ramón Medina Bello, surgido dali a pouco mais de dez anos: é que a versão racinguista do santafesino só registrou três gols em 19 jogos por um time que brigou para não cair no Metropolitano.

Sem os mesmos piques, o trintão Balbuena partiu no mesmo 1976 para um pé de meia na Colômbia (Bucamaranga) e em El Salvador, onde pendurou as chuteiras em 1978 no FAS após um bicampeonato na liga salvadorenha – pena, não integrou o título desse clube na Concachampions no ano seguinte. Mero detalhe a uma carreira que não fez difícil ele se reconciliar com o Rojo. Balbuena virou olheiro infantil e foi o primeiro treinador do prodígio Agüero, quando o Kun ainda tinha 8 anos, conforme destacou emocionado o artilheiro no twitter. Ele poderia também ter dito que “sempre nos apoiaste desde que começamos a jogar como garotos e isso eu jamais vou esquecer”, mas essas foram palavras proferidas pelo próprio mito-mor, Bochini, na mesma rede.

Até sempre, Mencho!

Em 2008, no aniversário de 35 anos do primeiro Mundial do Independiente: o técnico Ferreiro, o goleiro Santoro, os atacantes Maglioni e Balbuena, os volantes Commisso e Galván, o maestro Bochini e o zagueiro Sá

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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