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Luis María Rongo: mais de um gol por jogo por River e Fluminense

Manuel Lanzini e, especialmente, Darío Conca não só os únicos xodós da torcida do Fluminense vindos do River. A relação entre os grã-finos do Rio de Janeiro e de Buenos Aires é muito mais antiga, quase obscena na virada dos anos 30 para os 40. Luis María Agustín Rongo, dos que jogaram nos dois, foi equilibradamente o de máximo desempenho pela dupla, embora esteja esquecido exatos cem anos após vir ao mundo – nascera em San Isidro em 23 de março, mas de 1915.

Após começar na base do Acasusso, pequeno clube de sua municipalidade natal de San Isidro, Rongo passou ainda na base ao River. Ainda antes da estreia profissional, já ganhava fama de rompe-redes, literalmente: em amistoso em Mendoza contra o Gimnasia y Esgrima local, uma bolada sua não pôde ser detida pelo goleiro nem pelo barbante das traves. Foi um dos três gols que marcou na ocasião, um 6-1. Entre os adultos do River, marcou 58 gols. Em apenas 49 jogos. A efetividade o tornaria inamovível em praticamente qualquer outro clube do mundo. Mas não no grande River dos anos 30.

Não chegava a ser La Máquina dos anos 40, mas foi na década da Depressão que os millonarios se asseguraram como uma potência nacional. O tal mote de millonarios deveu-se, em parte, inclusive à contratação mais cara do mundo na época, a de Bernabé Ferreyra junto ao Tigre em 1931. Bernabé era um ídolo popular e sua chegada é tida como impulsionadora da popularidade da Banda Roja, além obviamente do seu desempenho a envergando, onde totalizou 187 gols em 185 jogos.

Só Bernabé e Rongo têm mais gols que partidas pelo River. E, embora ainda detenha a melhor média de gols entre todos os jogadores do clube, o azar de Rongo foi exatamente ser mais novo em uma mesma época de La Fiera: ambos tinham características parecidas e jogavam na mesma posição, sendo centroavantes fortes e de chutes potentes. Rongo recebeu sua primeira oportunidade entre os adultos em 1935 (quando ainda se conciliava com o time juvenil nos torneios da categoria, vide imagem abaixo) exatamente por lesão de Bernabé. Foi contra o Boca e marcou o gol do empate.

River campeão juvenil em 1935. Rongo é o antepenúltimo na fileira do meio – o penúltimo, Julio Castillo, faleceria como jogador do Flamengo, por diabetes. Virariam ídolos Ramos (último em pé), Vaghi (1º do meio), Pedernera (2º do meio) e Deambrossi (3º agachado)

O feito inicial não bastaria, nem os seguintes. Era Bernabé se recuperar que Rongo deveria se resignar com o banco. Conta-se que o novato, apesar da taxa altíssima de aproveitamento, não era tão bom no jogo em equipe – por exemplo, foram somente dez as assistências conhecidas de Rongo aos colegas de Millo. Em 1937, ele chegou a ser campeão e rebaixado ao mesmo tempo, pois na primeira metade do campeonato atuou em três jogos pelo River e na segunda foi emprestado ao Argentinos Jrs. Fez 8 gols em 13 jogos pelos colorados do bairro de La Paternal, que foram à segundona do mesmo jeito, no primeiro rebaixamento do Bicho.

Em 1938, Bernabé estava cada vez mais baleado de tanto apanhar dos adversários (penduraria precocemente as chuteiras no ano seguinte). O River trouxe de Rongo de volta e não foi tão bem, apesar do ótimo desempenho dele, autor de 33 gols em 20 jogos . Chegou a marcar três gols em três jogos seguidos: todos em um 3-2 fora de casa no Racing, em um 5-1 no Huracán e todos em um 3-1 fora de casa no Vélez.

Ronago também deixou quatro em um 6-1 no Tigre e em um 5-1 no Atlanta, além de mais três em outra goleada no Huracán, um 5-2 fora de casa. Jogando praticamente metade do torneio, foi o vice-artilheiro do campeonato, dez gols abaixo do fenomenal Arsenio Erico, do Independiente – de quem falaremos mais na semana que vem.

Em 1939, Rongo fez cinco gols em um 8-0 no Ferro Carril Oeste, no River um recorde de gols em um só jogo, desde 1976 compartilhado também com Leopoldo Luque, que fez todos dos 5-1 no San Lorenzo. Contudo, quando o concorrente enfim entrava em declínio, um outro novato da base se mostrava como ainda mais classudo na camisa 9: Adolfo Pedernera, que passou por todas as posições de ataque mas celebrizou-se mais como centroavante também.

No Argentinos Jrs, emprestado em 1937: é o cabisbaixo agachado ao meio

Exatamente por ocupar este lugar, Pedernera era o nome central da linha Juan Carlos Muñoz-José Manuel Moreno-Pedernera-Ángel Labruna-Félix Loustau, o mais célebre quinteto ofensivo de La Máquina. Rongo ainda jogou sete vezes em 1939, marcando dez, saindo após anos na sombra em Buenos Aires e dois títulos argentinos, em 1936 (onde atuou onze vezes) e 1937 (três). Sete dos seus 58 gols foram no Boca. Em duas ocasiões, curiosamente, do lado rival marcou Alfredo González, que enfrentaria Rongo no Brasil por outros rivais, Vasco e Botafogo (tendo passado ainda pelo Flamengo no fim dos anos 30).

Rongo primeiramente foi ao Peñarol, clube com quem o River tem amizade (os aurinegros foram os convidados para a inauguração do primeiro estádio riverplatense na fina zona norte portenha, em 1923, e na do Monumental de Núñez, em 1938). Não se saiu tão bem em Montevidéu e ainda em 1940 chegou ao Fluminense. Era a época do Platinismo, onde os clubes brasileiros enchiam-se de argentinos.

Os hermanos viviam geração tão boa, ocultada pela Segunda Guerra, que mesmo os de segunda linha (Juan Echevarrieta, ainda o estrangeiro com mais gols pelo Palmeiras) ou veteranos (Antonio Sastre no São Paulo, Agustín Valido no Flamengo) saíam-se bem. O Fluminense tinha mais um ex-River, Esteban Malazzo, acabara de dispensar outro, Carlos Santamaría, e de hermanos possuía também Américo Spinelli, Ángel Capuano e Vicente Cusatti. Em 1941, ainda viriam Armando Renganeschi, José Della Torre (jogador da Copa de 1930) e Juan Carlos Verdeal.

Rongo estreou a quatro rodadas do fim do Estadual, marcando dois no 4-2 sobre o America, então um clássico para ambas as torcidas. Teve tempo de ser decisivo para a conquista tricolor: a última partida foi contra o São Cristóvão. O reforço abriu o placar, mas a cada gol do Fluminense o adversário empatava, até os 3-3. Foi quando Rongo marcou mais dois para sacramentar vitória e título com os 5-3. Contra o mesmo adversário, no ano seguinte, anotou seis gols em 9-0. Só ele conseguiu tantos gols de uma vez entre os profissionais do Fluminense, tal como no River.

No Fluminense e no Platense

Em 1941, o Fluminense foi bi com seu centroavante tendo um campeonato inteiro para demonstrar seu faro. E não decepcionou. Embora sempre tenha falhado nos Fla-Flus, deixou o seu em vitórias sobre Botafogo (3-2) e Vasco (os dois nos 2-1). Contra os pequenos, fez quatro nos 6-1 no Canto do Rio e outros nos 10-2 no Bangu, além daqueles recordistas seis no São Cristóvão. Foram 25 jogos pelo Flu e 36 gols. Até o casamento de Rongo era notícia na página de esportes naqueles tempos.

Rongo também jogou pela seleção carioca – jamais pôde pela Argentina. Não se sedimentou ainda mais no imaginário popular das Laranjeiras pois em 1942 os argentinos lhe trouxeram de volta. Retornou à zona norte de Buenos Aires, desta vez para o Platense (curiosamente, um clube que iniciaria uma rivalidade com o Argentinos Jrs a partir dos anos 80), onde a média baixou: “apenas” 38 gols em 51 jogos pelos calamares. Desses gols, 23 foram no torneio de 1942, dois a menos que o goleador máximo, Rinaldo Martino, do vice San Lorenzo – enquanto o novo clube de Rongo, que marcou três gols sobre o próprio San Lorenzo fora de casa, ficou só em 11º.

“A gente pedia a Rongo que chutasse desde onde estava parado. Eram 40 metros do gol. Atirou com tanta potência que a bola pegou no travessão e voltou ao mesmo lugar”, contou Ricardo Alarcón, seu colega no Platense. Uma lesão tirou Rongo de quase toda a temporada seguinte. Retornou em 1944 marcando quatro gols no Newell’s.

Parou de furar redes ao fim da década, nas divisões inferiores, por Temperley (pelo qual atuou ao lado de Roque Valsecchi, ex-argentino do Botafogo e onde jogou dez vezes e marcou nove), Excursionistas e San Telmo. Faleceu em 1981.

Jornal brasileiro de 1941 abordando em uma mesma folha o flamenguista Valido (à esquerda), o casamento de Rongo (ao meio) e a notícias do Estudiantes e do Gimnasia LP (à direita): uma amostra do “Platinismo”
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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