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Los Andes: clube de subidas com avô, filho e neto

Ontem fez vinte anos a data de 3 de julho de 1994. Nela, a Argentina se entristecia com a eliminação da seleção na Copa de 1994, em jogo eletrizante entre os colegas de Maradona (expulso do mundial no dia 30 anterior) e a sensação Romênia. Mas a cidadezinha de Lomas de Zamora, ao sul da capital federal, se dava ao direito de festejar, mesmo que uma reles promoção de seu clube à segunda divisão. Ingredientes extras ajudaram.

O clube em questão é o Los Andes, que é o rival original do Banfield, da mesma municipalidade de Lomas de Zamora. Mas o enfraquecimento das Milrayitas (“Mil Listrinhas”, em alusão à camisa de finas listras alvirrubras) fez com que os torcedores do Banfield redirecionassem o ódio a um antigo amigo, o também vizinho Lanús, cujos hinchas por razões parecidas retribuíram mutuamente, fazendo o Clásico del Sur: seu rival original é o Talleres da cidade de Remedios de Escalada, outro sumido – ele não joga a elite desde 1938 e hoje o principal Talleres do país é o da cidade de Córdoba.

Quando a realidade ainda não era essa, o Los Andes chegou pela primeira vez à segunda divisão, e com uma campanha arrasadora: de 30 pontos possíveis, os lomenses somaram 28 e se sagraram campeões da terceirona. O artilheiro do torneio foi um certo Manuel Da Graca. Em 1960, sem ninguém da linhagem, o time venceu a segundona e chegou à elite pela primeira vez. Curiosamente, o jogo do acesso foi um 2-1 no Talleres de Escalada. Em 1961, quando a equipe esteve na primeira divisão e o Banfield, não, foi logo rebaixada – junto com o Lanús, por sinal.

A volta à elite veio em 1967, de forma incomum: os quatro primeiros da segundona jogaram um “torneio reclassificação” com os seis últimos da elite. Os seis primeiros do torneio jogariam a primeira divisão em 1968. Isso fez com que o Defensores de Belgrano, melhor colocado na segundona, ficasse de fora da elite em 1968 (foi o mais perto que chegou dela na era profissional). Já o Los Andes, com um suado quarto lugar, conseguiu, marcando a 5 minutos do fim o gol da vitória por 2-1 sobre o Unión. E aí foi a vez de Abel Da Graca brilhar: com 10 gols, o filho de Manuel foi o artilheiro do minitorneio.

Da Graca filho não marcou naquele dia, mas deu o passe para o primeiro gol. O técnico era Jim Lopes, que havia acabado de treinar a Argentina vice da Copa América naquele ano. Ele fizera carreira no futebol brasileiro, com títulos por Portuguesa, São Paulo e Palmeiras. O Los Andes seguiu na elite até 1971 e não tornou a ter uma década tão boa. Para a temporada 1993-94, estava na terceirona outra vez.

Los Andes de 1994. Hernán Da Graca é o primeiro agachado. Fuertes é o terceiro

Aquela edição da Primera B Metropolitana foi ainda mais confusa que a dos acessos de 1967: haveria Apertura e Clausura e o título seria definido entre os vencedores de ambos, caso fossem diferentes. A taça ficou com o Chacarita Juniors, que derrotou o Tigre na final. Mas o Tigre não subiu junto, apesar do vice: ele se juntaria nas semifinais de um “torneio reduzido”, travado em mata-mata pelos clubes que, fora ele e o Chaca, ficaram do terceiro ao oitavo lugar na tabela unificada dos dois turnos. Por um ponto a mais que o nono colocado, o Los Andes se garantiu nesse torneio.

A grande revelação dos alvirrubros foi o atacante Esteban Bichi Fuertes, que passaria pelos gigantes Racing, Independiente (é talvez o mais célebre a fracassar na dupla rival de Avellaneda) e River mas que brilharia especialmente no Colón, onde é quem mais jogou e mais marcou gols – já veterano e ainda nesse clube, aos 36 anos, se tornou em 2009 o mais velho estreante na seleção argentina. E foi Fuertes o herói do primeiro mata-mata, marcando em ambos os jogos contra o Defensa y Justicia: vitória em casa por 2-0 e fora por 1-0.

Mas no segundo mata-mata, uma semifinal justo contra o Tigre, a estrela que passou a brilhar nas Milrayitas foi a de Hernán Da Graca Guerra, filho de Abel e neto de Manuel. Em casa, 0-0. Fora, ambos empataram em 1-1 e na prorrogação cada um fez mais um, com Hernán deixando o seu ali. Nos pênaltis, ele converteu a sua e, embora Fuertes tenha errado, o Los Andes avançou por 4-3 para a final, contra o Deportivo Armenio. Em casa, o Los Andes venceu por 1-0. E fora abriu a contagem com somente 15 segundos de jogo. O gol? Foi de Hernán. O Armenio só conseguiria empatar e a partida ficou no 1-1.

“Quando entrávamos em campo pela porta atrás do gol, e nos aproximávamos da plateia, os torcedores do Los Andes iam parando para aplaudir o velho, que baixava a cabeça envergonhado, enquanto eu o olhava orgulhoso. (…) Quando logramos o acesso à primeira divisão, senti o lisonjeio e o carinho dos torcedores do Milrayitas em suas inumeráveis mostras de apreço”, já escreveu Abel Da Graca sobre a experiência própria e com o pai nos acessos com o clube de Lomas.

Já sobre aquele 3 de julho de 1994, Abel assim relatou: “nesse dia fui ao campo com meu pai e ambos nos abraçamos chorando quando Hernán fez o gol e essa foi a alegria maior que me deu o futebol; em pouco tempo o velhinho nos deixou, mas pôde ver seu neto ganhar um acesso igual ao que eu e ele ganhamos”. A família Da Graca também retrata bem como muitos dos argentinos de pele clara e cabelos lisos podem ter sangue africano, embora os hermanos negros sejam hoje mais raros.

Hernán celebra o gol que ontem fez vinte anos
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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