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Lautaro Acosta, homem do Lanús

A entrevista abaixo foi dada por Lautaro Acosta ao site “Pagina 12”, da Argentina, há alguns dias. Nela, vemos um jogador de futebol se desnudar daquela tradicional imagem de ser alienado de tudo, principalmente das causas sociais e do apego cego a dinheiro e fama. Laucha é diferente. Recebeu e rechaçou inúmeras propostas milionárias para deixar o clube do Sul da Grande Buenos Aires. Também foi sondado recentemente pelo Cruzeiro, mas tanto ele quanto o clube não deram à mínima. Isto em virtude do momento decisivo na Libertadores e também, de novo, pela paixão declarada do jogador ao clube do coração.

Fácil pensarmos, hoje em dia, que dinheiro compra tudo. Não compra e não dobra os valores do homem que ainda garoto viu um clube salvar sua família das dificuldades financeiras. Mais que isso: viu também esse mesmo clube espalhar alívio para muitos dos seus amigos de infância, investindo pesado para atenuar a tragédia social que faz parte das grandes cidades da América Latina e de seus entornos.

Na data de 03/01/2018, o clube Lanús vai inaugurar uma estátua em homenagem a Lautaro Acosta. Trata-se, portanto, de uma relação putada no amor, compromisso e fidelidade. Possível percebê-la em cada palavra do ídolo atual do Lanús. Então, vamos a entrevista.

Ele percorre os corredores internos de La Fortaleza como se desejasse ver quem veio trabalhar hoje. Acena para um e para outro com um beijo. Há aqueles que o conhecem como uma criança e chamam-lhe “Lauti”. Há aqueles que têm muito respeito e dizem “Lautaro”. E há os curiosos, que o detêm para uma foto com o pequeno grito de “Laucha! Laucha!”. Ele passa pela urna que reúne as chaves que serão o metal da sua estátua e sobe as escadas. Diz “oi” a um par de crianças que saiu da escola há pouco. Enfim, ele segue caminhando até chegar à sala de imprensa. “O que você faz aqui se é o seu dia de folga?” Questiona um funcionário que o conhece há anos. “Eu estava entediado na minha casa e achei por bem vim para cá. Sabes que sou assim. Além disso, hoje é mais silencioso”, responde.

Se Lautaro Acosta se apresentasse no momento às eleições para ser presidente da Lanús, ele as ganharia pela maior margem de votos de todos os tempos. Porém, mesmo que Nicolas Russo, atual presidente do Granate, diga, entre sério e sorridente, que vê Laucha nesta posição, em futuro breve, o atacante responde: “eu me vejo em quase todos os lugares no clube, exceto na sala da presidência”.

Por que o Lanús?

É minha casa. Cheguei por aqui quando tinha só oito anos de idade e eles me apoiaram nos piores e melhores momentos. Eu sou de Glew (pequena localidade da Grande Buenos Aires), de uma família humilde, e graças ao clube eu consegui treinar, porque me davam dinheiro para o transporte e demais necessidades. Embora pobre, eu tinha a meu dispor uma bolsa financeira que me permitia realizar o sonho de ser um jogador de futebol. Sou produto de um clube social, embora naquele momento eu não tivesse a menor noção do que aquilo significasse. Uma ideia do que digo: quando meu pai, que trabalhava numa concessionária de automóveis, perdeu seu emprego, no final dos anos 90, e início dos anos 2000, o clube abriu as portas para que ele trabalhasse em suas instalações. De auxiliar de limpeza a auxiliar do técnico do infantil, ele fazia de tudo. Estávamos numa pior e precisávamos de ajuda: o Lanús não nos abandonou. Então, participei de todas as categorias de base, desde a do infantil até chegar à equipe principal. Pois bem, eu sinto que ainda não devolvi ao clube tudo o que seus dirigentes me deram.

E você se foi e voltou para o Lanús?

Sim, mas você sabe que quando eu sai, nunca mais voltei a ser o mesmo. Nem no Sevilha, nem Santander, nem Boca. Nunca fui o único daqui, o Acosta do Lanús. Viver longe daqui me machucava. As coisas aconteciam comigo… Não me sentia confortável. Eu precisava retornar para me conectar comigo novamente. Retornei e isto voltou a acontecer. Aqui eu sou o melhor que posso ser. Este lugar me dá essa paz, essa continuidade e essa alegria de viver o futebol. Neste lugar eu voltei a ser o que era nas categorias de base do Lanús. Aqui simplesmente…Eu sou.

Diziam que você saiu porque com certa idade o jogador busca um progresso financeiro (e muitas vezes esportivo) lógico e deixa de lado muitas coisas. Hoje, você rechaça ofertas de muitos clubes e inclusive uma proposta milionária da China. Por quê?

Porque Lanús me dá títulos e levou-me para a Seleção Nacional, que era o meu último sonho. Eu tenho cinco títulos aqui e, quando eu era criança, o clube nunca fora campeão. Eu cresci em um clube que escalou as divisões de acesso, que jogou a “promoción” (disputa ferrenha que havia na Argentina entre o aspirante à primeira divisão e o último colocado desta, na temporada), que foi se configurando como grande e que começou a ganhar coisas relevantes. E cada celebração é a celebração da minha família, dos meus amigos, daqueles que conheci toda a minha vida. Quanto vale isso? Estamos entre os melhores do continente. Não há dinheiro que pague. É o que digo, pois é de verdade o que sinto. Há mil jogadores que ganharam qualquer quantia de dinheiro, mas nunca poderiam ser campeões com seus amigos e sua família. É por isso que eu fico por aqui.

Bielsa disse que a cada dia o futebol tem mais a cara de um negócio do que a cara dos torcedores…

De fato. E ninguém diz que ganhar dinheiro é ruim. Porém, o dinheiro serve para preencher certas comodidades e pronto. Por certo que gosto de me vestir bem ou ter um bom carro e uma casa, mas juntar dinheiro por juntar… Para quê? Para salvar meus filhos e meus netos? Veja, talvez salvar alguém em tais circunstâncias signifique danificá-lo como ser, tornando-o um inútil. Espero que meus filhos e meus netos aprendam a ganhar o deles. Isso é mais importante do que salvá-los. Bill Gates, por exemplo, disse que não deixará toda a sua fortuna para seus filhos, por desejar que eles aprendam o caminho. E por esta razão, lhes deixará apenas uma soma para que comecem; a partir daí, eles terão de cuidar de si próprios.

É possível que o jogador perca o sentido de sua carreira, se for atrás apenas do dinheiro?

Sim, é o que pode acontecer. E, repito, não julgo quem o faz; aquele que segue por tal caminho: não o julgo em nada, obviamente. Mas é indiscutível que esta pessoa está se desviando do que deveria ser o seu principal objetivo. O cara começa a tirar fotos dos relógios que comprou; dos carros, do que seja O que acontece no futebol é que terminam te respeitando pelo carro que você comprou, pelas roupas que você usa. As pessoas te respeitam pelo dinheiro que você tem, no lugar de respeitá-lo pelo que você faz dentro de campo. Efeito disso é que você acaba se convencendo que a maneira de se obter mais respeito é ganhando dinheiro um pouco mais a cada dia. E o verdadeiro foco muda; pouco a pouco, ele se distancia das retinas do jogador de futebol.

No meio é muito comum que as coisas não saíam como o jogador pensava…

Sim, pois ninguém te prepara para o que pode acontecer. Qualquer preparação é apenas para o jogo, para que jogue a próxima partida. Mas ninguém te prepara para o que vem depois. Quando se é criança, e se imagina atuando na primeira divisão, o sonho comum e com o gol do campeonato ou com a conquista de um título mundial. Sequer o sonho é para que te aumente o contrato. Contudo, basta chegar à equipe principal para que todos te falem em contratos, em dinheiro. A verdade é que no futebol, se o jogador não tem sonhos, ainda que os mais simples, o dinheiro não lhe vai servir para nada: fica sem sentido. Claro, talvez eu pense desta forma justamente por não ser muito apegado a dinheiro e por não ter necessidades urgentes. Mas é nisto que acredito.

O jogador tende a ser bem desconfiado quanto à sua vida financeira. É normal que desenvolva defesas contra aqueles que se acercam dele por tais interesses?

Isto é algo que sempre me irritou profundamente; cheguei a falar a respeito, na terapia. Meu terapeuta me aconselhava a não me irritar com todos que se aproximavam. Dizia que não valia a pena colocar todos na mesma sacola, porque há pessoas que se aproxima de maneira honesta, com pureza na alma, pois te valorizam como ser humano. E para tais pessoas de fato vale a pena se estender a mão para quaisquer coisas que sejam. O terapeuta me dizia que se eu quisesse dar as costas para alguma pessoa que aparecesse na minha vida, que o fizesse com calma e sem desgaste. Mas isto nem sempre é fácil para o jogador de futebol, pois basta ele sair do vestiário para que alguns lhe peçam a camisa ou qualquer outra coisa. Neste caso, é comum que o jogador se confunda e tenha dificuldades em distinguir as pessoas.

Você tem feito terapia há muito tempo?

Agora conta já alguns meses que eu venho de dar um tempo, mas há vários anos eu comecei. Eu sentia a necessidade de pedir ajuda ao não consegui lidar com alguns problemas. Nem todos são capazes de solucionar todos os seus problemas. E, ainda quando criança, lembro-me que ficara impressionado com o trabalho dos psicólogos. Desde criança eu dizia que procuraria por um, se um dia o necessitasse. Pois bem, em certo momento, me dei conta de que era a hora de cumpri com a promessa da infância, pois eu realmente estava precisando de ajuda. Ou seja, estava aberto à possibilidade e não abri mão de abraça-la. Foi ótimo, pois o profissional consultado me ajudou muito a lidar sobretudo com as lesões que tive na Europa e no Boca.

E como isto se deu?

A primeira coisa que me disse o meu terapeuta é que tudo tinha a ver com a minha hiperatividade. Que eu queria fazer tudo a mil, como num pique só e tanto dentro como fora dos gramados. Então, treinava numa intensidade absurda na segunda, terça, quarta e na quinta estourava a musculatura. Além disso, os preparadores físicos ainda pioravam as coisas, pois me mandavam fazer atividades físicas para me fortalecer justo no momento em que eu já estava excessivamente treinado. Isto ocasionava uma carga insuportável para as minhas pernas. E fora do futebol, ocorria o mesmo com minha vida. Eu ia ver a minha família, os meus amigos, meus outros amigos, aqui, ali…uma reportagem, um evento, um programa e eu de repente me dei conta de que não disfrutava nada. A percepção era a de que eu estava nos lugares, mas não estava. Mas, claro, não me dei conta do problema sozinho. E veja, quando o terapeuta me comentou do assunto, eu pensei: “o que um psicólogo pode saber sobre o futebol?”. Contudo, aos poucos as fichas caíam e eu me dava conta de que precisava equilibrar e canalizar a energia correta para cada atividade. Se eu intensificava um treino na segunda, na terça teria de treinar de forma amena. Então, fui aprendendo que as coisas eram assim no futebol e na vida. Efeito disso foi que as lesões foram diminuindo pouco a pouco.

Começamos falando sobre as oportunidades que te brindou o Lanús como clube social. Você possui um olhar sobre o tema da falta de oportunidades e sobre o conflito social ao seu redor?

Trata-se de um tema difícil, pois as pessoas estão muito divididas politicamente. Da minha parte, trato de ajudar e o faço de forma indireta, por meio dos meus irmãos, premiando alguns com um prato de comida no seu jantar, ou no seu desjejum. O que vejo e que sempre comento com meus companheiros é que necessitamos dar prioridade à educação. Sem ela, se perde gerações inteiras. E sinceramente não vejo que se dê para o problema a devida atenção, o que me causa muita dor. E depois aparecem pessoas reclamando quando um garoto lhe pede algo ou prefere ficar na rua a estudar ou trabalhar. Precisamos considerar que nem todos tiveram as mesmas chances. Que o garoto que pede algo o faz porque não teve outra saída. Eu poderia estar no lugar de um deles: como então eu posso condená-lo?

Entrevista cedida ao site Página 12, em 30/09/2018
Créditos das imagens: Carlos Sarraf

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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