Primeira Divisão

Lanús joga para o gasto e leva caneco da Sul-Americana

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Difícil imaginar que o destino do caneco não seria La Fortaleza. E foi justamente o que aconteceu ontem, na final da Sul-Americana entre Lanús e Ponte Preta. Sem muitos esforços, o Granate fez 2×0 na Macaca e conquistou o sexto caneco para o futebol argentino, em 12 certames. Se o título foi merecido ele não se explicou apenas no jogo de ontem, mas na campanha brilhante do conjunto do Sul. Dos destaques é preciso ressaltar o conjunto da equipe, sua coragem, equilíbrio etc. Porém, o principal merecedor do caneco foi o técnico Barros Schelotto, espécie de Bianchi moderno e corajoso.

Após empate em um gol, no Pacaembu, no Brasil, o jogo final, em La Fortaleza, apontava o Granate como um favorito indiscutível. Não deu outra. Foi superior à Ponte Preta do início ao fim da partida. Certo que alguns tenham confundido os primeiros minutos da peleja como um possível equilíbrio dentro de campo. Porém, esta visão apenas traduz um desconhecimento do jeito cínico, objetivo e prático como joga o conjunto do Mellizo. Para os mais atentos, os primeiros minutos da partida lembraram confrontos do time do Sul com outros rivais, na Sul-Americana. Uma forma de fingir-se de morto, de mole, mas concentrar o jogo num possível e falso domínio do rival.

Então, basta que o adversário acredite no jogo e se exponha para que o Granate dê o bote certeiro. Foi assim em tantas oportunidade, mas parece que muitos ou se esqueceram ou não viram. E foi por isso que muitos comentaristas e torcedores só focavam a Ponte Preta, seu suposto medo e covardia. Pensar assim era imaginar que um clube da Série B do Brasileirão tinha todas as condições de ir à Argentina e vencer um rival que nenhum grande de seu país estar conseguindo vencer. Esta mesma visão, esqueceu-se de engrandecer os méritos da Ponte. Uma pena.

O jogo

Se havia uma pessoa que sabia do perigo da partida era o Mellizo Barros Schelotto. Ele sabia do quanto poderia ser perigoso se a Macaca fizesse o primeiro gol. Estudioso, viu exaustivamente os jogos da Macaca contra o São Paulo. E isto é informação que temos e não palavras quaisquer para encher este post. Desta forma, a melhor maneira do Lanús jogar era equilibrar o cinismo da equipe com um ataque poderosíssimo, composto com uma linha de três, que mandou a estrela em ascensão, Lucas Melano, para o banco de reservas. A dose foi demais para a Ponte e a Nega Veia não aguentou.

Aos 26 minutos, após o primeiro e esperado vacilo do rival, Ayala anotou para o conjunto do Sul da Grande Buenos Aires. No banco, um técnico agitado e falando o tempo todo, mas com um detalhe: concentrado na partida e canalizando sua inteligência e gana para o que de fato tinha importância. No outro banco, um técnico calado e preocupado em canalizar suas poucas falas para o desnecessário e contraproducente. E foi quando resolveu falar que oportunizou para o Lanús o segundo gol. Após reclamar excessivamente de uma falta, Jorginho foi expulso. Assim, o árbitro precisou passar alguns segundos dos acréscimos que sinalizara. E foi nos acréscimos dos acréscimos que o saiu o segundo gol. Após tentativa de Silva, Ismael Blanco empurrou para o arco de Roberto: 2×0 e placar final da partida.

Na segunda etapa, bastou ao Granate esperar pelos erros do rival, mas sem se expor de maneira excessiva. Porém, essa maneira de jogar tem sido só do Lanús: não se expunha excessivamente, mas não perdia de vista o ataque. Pela proposta, assim que os gols saem, o Lanús muda de tática e prioriza outra perspectiva; a de fazer com que o rival não mais creia na possibilidade de reação. Se antes convém que o rival acredite, após ter a vantagem, o ideal é construir no adversário a sua impotência e a sua crença de que o seu futebol é insuficiente. Foi assim em todo o segundo tempo de jogo final.

Guillermo Barros Shelotto – um Bianchi moderno

Após retornar ao Boca Juniors, Bianchi teve todas as chances de mostrar a sua categoria. Até agora, não conseguiu. E isto se deve ao fato de que suas convicções parecem envelhecidas. Suas ideias não encontram ressonância em nomes do passado, como Riquelme, já velho e cansado, e em brucutus necessários em outros tempos, mas inoperantes hoje em dia, quando o assunto é trancar a defesa. É o caso de Ribair Rodríguez. Antes, Bianchi pegaria na base garotos brilhantes e desacreditados. Hoje, deixa Paredes no banco, desencoraja o garoto e deixa-lhe as portas da Bombonera abertas para sair.

Já em La Fortaleza a história é diferente. Cria de Bianchi, Barros Schelotto parece renovar o Virrey. Nada de gente trancando a defesa, mas a crença em nomes fortes para a composição de uma equipe. Somoza pode não ser um craque, mas tem personalidade e o mínimo de futebol que o faria brilhar no Boca, de um Carlos Bianchi do passado. O Virrey não quis Somoza e ele foi para o Sul. Se o técnico do Boca tem autoridade para mudar a equipe, o Melli também tem isso de sobra. Assim, modifica o time conforme o rival, alternando nomes e modificando sutilmente o esquema. Só não abre mão de uma figura: Santiago Silva.

Bianchi não teve dúvida de entender que Tanque Silva não servia para o Boca. Esta foi uma de suas certeza mais profundas. E o Tanque saiu pelas portas dos fundos. Schelotto o revindicou em La Fortaleza e lhe deu a confiança que o Virrey havia retirado. Não estamos falando de um craque, mas também não podemos aproximar o centroavante uruguaio das chacotas que a maioria dos comentaristas brasileiros fazem questão de associar. Silva é grosso, mas é o pivô que Bianchi não possui hoje, no insosso Nico Blandi. Silva não tem 50% da classe de nenhum atacante xeneize, como Burrito Martínez, mas se entrega à equipe como nenhum deles.

Além disso, poucos atacantes marcam e recuperam bola como o desprezado camisa nove charrua. Mas com certeza, no jogo de ontem, Bianchi deve ter se questionado sobre o papel de quem ele pensa ser um “ridículo” jogador. Contra a Ponte, Santiago Silva cortou mais cruzamentos à área de Marchesin do que qualquer um dos defensores. Se considerarmos essas antecipações como roubadas de bola, então concluímos que o centroavante foi um dos melhores homens granates em campo. Contudo, Bianchi não viu nada disso, coisa que ao fazer bem, Schelotto se mostra um Bianchi renovado. Vale dizer, que outro destaque da equipe, o contundido Acosta, foi outro jogador do Boca desprezado pelo Virrey.

Esta é a primeira conquista do técnico Guillermo Barros Schelotto. Só que ela veio com algo de Bianchi. Um título internacional numa equipe modesta, assim como era o Vélez do Virrey.

Um projeto audacioso de organização: eis o Lanús

Nenhum clube na Argentina e talvez na América do Sul chega perto do Lanús em termos de organização. Já falamos disso em várias oportunidades. Ninguém tem a base do Lanús e tampouco o seu rigoroso projeto voltado para ela. Um projeto tão sofisticado que é capaz de se reavaliar o tempo todo. Foi assim que o clube deixou de lado uma de suas grandes ideias: a de importar um técnico em vez de fazê-lo em casa num processo que consistia em fazer o treinador acompanhar todas as categorias de base, fazendo uma carreira no clube. Havia um problema nisso.

Esta proposta não eliminava o problema central do Lanús, que é a sua camisa ainda pouco pesada, a sua estatura na história e a sua dificuldade de lidar com gigantes em jogos decisivos. Assim, o ótimo Gabriel Schürrer apenas atrapalhava. A chegada de Barros Schelotto representa uma mudança de rumo. E os resultados começam a aparecer. No próximo fim de semana, o Granate pode ser campeão argentino. No próximo ano, a Libertadores será vital para materializar o que expomos agora para os nossos leitores.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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