Era de se imaginar como seria a comemoração no Caribe colombiano se o Atlético Junior, eliminando o Flamengo nas semifinais da Sul-Americana, houvesse ganho anteontem esse título. Afinal, os festejos se misturariam aos 40 anos do primeiro título nacional do clube, completados ontem. Um time que inicialmente buscou afirmar-se com brasileiros (contou com Heleno de Freitas, Tim, o Dida flamenguista dos anos 50 e 60, Quarentinha e Garrincha) só veio a ter êxito após redirecionar os investimentos em hermanos. O título nacional de 1977 contou com nada menos que seis argentinos, com direito a um jogador-treinador: ninguém menos que Juan Ramón Verón, craque do Estudiantes tri seguido da Libertadores e pai de Juan Sebastián.
No mês passado, a revista El Gráfico publicou longa entrevista com Verón pai, na qual ele revelou ser filho, curiosamente, de um simpatizante justamente do Gimnasia LP, mesmo que de sentimentos abaixo do moderado, ainda havendo segmentos atuais na família que torcem pelo rival do clube tão ligado ao sobrenome (como uma de suas filhas e irmã de Juan Sebastián, e alguns dos DEZOITO netos). La Bruja (por causa dele, Verón filho é apelidado de La Brujita, “A Bruxinha”) até disse que gostaria que os gimnasistas pudessem desfrutar algo mais próximo das glórias do Estudiantes.
À parte de tantas memórias pelo Pincha, Juan Ramón também mencionou a vitoriosa passagem por outra camisa alvirrubra. A primeira indagação a mencionar o Junior veio justamente explicar como foi ser jogador-treinador (afinal, ele só penduraria as chuteiras já na década seguinte, voltando a ser exclusivamente jogador pelo Argentino de Quilmes e nas ligas regionais de La Plata).
“No Junior havia alguns argentinos: o goleiro Delménico, Eduardo Solari, Camilo Aguilar, e Fuad Char, o dono, era um fenômeno. Segue manobrando o clube com seus três filhos. Fizemos algumas boas campanhas, em um momento o técnico foi embora e me disse: ‘Juan, trago outro treinador ou você quer ser?’. Pedi um tempo para pensar. E liguei a Carlos (Bilardo), que dirigia o Deportivo Cali, e Osvaldo (Zubeldía), que era o técnico do Nacional de Medellín. ‘Faça o que quiser’, me disse Carlos. ‘Juan, vais jogar quanto tempo mais?’, me perguntou Osvaldo, e quando lhe disse que um ou dois anos mais, foi contundente: ‘comece a dirigir, então’. E comecei”.
Os treinadores consultados por Verón na ocasião eram velhos conhecidos: outros clubes colombianos também vinham se socorrendo em antigos membros do Estudiantes tri seguido na Libertadores entre 1968 e 1970. Zubeldía era o técnico que implantou um estilo de jogo que mudou o patamar daquele time, ameaçado de rebaixamento no início da década (teria caído em 1962 não fosse o cancelamento dos descensos), e no Atlético Nacional comandou outros argentinos em mais de uma conquista naquela década.
Já Bilardo era o volante célebre pelo trabalho sujo tão associado com equívoco de forma generalizada aos demais colegas. Seu Deportivo Cali, a igualmente contar com jogadores argentinos, foi o primeiro clube do país a decidir a Libertadores, em 1978 (cujo artilheiro jogava ali, o ex-gremista Néstor Scotta). Ainda havia o ex-atacante Felipe Ribaudo treinando o Varta, atual Once Caldas, e o ex-lateral-direito Eduardo Luján Manera, sucessor de Bilardo no Deportivo Cali após El Narigón, antes de tornar-se o técnico da Argentina campeã da Copa de 1986, ir treinar a seleção colombiana.
E como foi o Verón treinador? “Eu já era titular nesse time, então não havia conflito (de interesses). ‘Se tenho que me substituir, me tiro, não tenho problemas’, lhes esclareci. Como mandante me escalava e de visitante me tirava, para dar lugar ao Pinza Vidal e assim ter o time mais ordenado no meio. Retirei o camisa 3 e o pai de Iván Valenciano, que era um pinguço daqueles, e no seu lugar pus Camilo Aguilar, que terminou sendo o artilheiro do torneio” – na verdade, o artilheiro foi Osvaldo Palavecino, do Atlético Nacional. E também argentino, por sinal.
Além de Verón, os outros argentinos no elenco do Junior em 1977 eram o ponta Camilo Aguilar, também ex-Estudiantes; o goleiro Juan Carlos Delménico, que defendeu tanto o Gimnasia como (já após a passagem por Barranquilla) o Estudiantes e a dupla de uma rivalidade ainda mais ferrenha, Newell’s e Rosario Central (virou a casaca em Rosario em 1984 e ainda hoje é o último doblecamiseta desse clássico); o volante César Lorea, formado no Ferro Carril Oeste com passagens ainda por San Lorenzo e Boca; o tal Carlos Pinza Vidal, que vinha do Gimnasia; e Eduardo Solari.
Solari, como Verón, era o outro jogador que havia conseguido renome ainda na Argentina, defendendo em uma ocasião a seleção, no embalo de sua participação nos dois primeiros títulos argentinos do Rosario Central, em 1971 e 1973. Ele é pai de Santiago Solari, que jogou no Real Madrid nos anos 2000. E da modelo Liz Solari, que nasceu já na Colômbia, país em que Juan Sebastián (então com dois anos) deu seus primeiros passos com uma bola, nos treinamentos do Junior.
“Ganhamos do Cali de Bilardo, que queria morrer, haha, porque havia usado a linha de impedimento [artimanha tão comum hoje, teve naquele Estudiantes um de seus pioneiros] e eu dei um pique desde atrás e entrei sozinho para meter o gol. A última partida foi contra o time de Osvaldo (Zubeldía), que se superesquentou, foi embora sem cumprimentar. Foi uma loucura. Todos os jogos eram casa cheia. À parte disso, Barranquilla é todo o tempo brincadeira, carnaval, música, garotas, calor, são costeiros, caribenhos… a festa durou uma semana, ou um mês, já nem me lembro, acredito que sigam festejando esse título. De tempo em tempo me convidam, nos reunimos com os ex-jogadores, no ano passado dei um pontapé inicial e desembrulharam uma bandeira em toda a arquibancada com meu nome”.
Ainda havia outro argentino naquela campanha campeã, justamente o técnico que antecedera Verón pai. Foi José Varacka, ex-jogador destacado de Independiente e River (esteve nas Copas do Mundo de 1958 e 1962). Ele ficou até 13 de novembro. E voltou depois para ficar até o fim no título seguinte do Junior, em 1980. Àquela altura, Delménico era o único hermano remanescente de 1977, acompanhado agora dos atacantes Miguel Ángel Converti (ex-Banfield com destaque prévio na Colômbia. É o maior artilheiro do clássico de Bogotá, com gols tanto pelo Millonarios como pelo Santa Fe), Omar Galván, formado no Boca e talhado no Chacarita, e Juan Manuel Tutino, ex-Gimnasia.
A partir dali iniciou o reinado do América de Cali, repleto de argentinos também (como Ricardo Gareca). Foi classificado como vice dele em 1983, quando o goleiro era Daniel Carnevali (titular da Argentina na Copa de 1974 e primeiro jogador que ela importou do futebol europeu, em 1973, quando defendia o Las Palmas), que o Junior aprontou pela primeira vez na Libertadores, em 1984. Como nas participações anteriores, caiu ainda na primeira fase em um regulamento duríssimo onde só o líder avançava, mas ali venceu por 3-1 o Santos em plena Vila Belmiro.
Era o time do meia Roberto Gasparini, protagonista do Racing de Córdoba vice nacional em 1980; de outro meia refinado, Carlos Ischia, ex-Vélez (e depois jogador do próprio América de Cali vice da Libertadores em 1986); do goleiro Óscar Quiroga, do grande momento do Talleres nos anos 70; e do zagueiro-artilheiro Edgardo Bauza, que por seu Rosario Central havia levado a melhor sobre Gasparini na final nacional de 1980 – ambos seriam colegas no Central campeão de 1987, até hoje o último campeonato argentino vencido pelos canallas. Na imagem que abre a matéria, eles aparecem nessa ordem: Bauza, Quiorga, Ischia e Gasparini.
Impulsionado ou não pelo narcotráfico, na metade final dos anos 80 o futebol colombiano já estava mais “nacionalizado”, ainda que continuasse a contar com jogadores argentinos que inclusive serviam à seleção (José Luis Brown era do Atlético Nacional quando marcou o primeiro gol da Copa de 1986; Julio César Falcioni era do América quando foi pré-convocado à Copa de 1990, e Sergio Goycochea foi a ela como goleiro do Millonarios). Mas nos dois títulos seguintes do Junior, em 1993 e em 1995, já não havia hermanos, com os cafeteros se virando sozinhos estrelados por Carlos Valderrama em um time que ficou muitíssimo perto de eliminar nas semifinais da Libertadores de 1994 o futuro campeão Vélez, e em pleno bairro de Liniers.
Ainda assim, houve ao menos mais um destaque argentino na história do clube de Gabriel García Márquez: Miguel Ángel López, zagueiro do Independiente tetra da Libertadores nos anos 70 e técnico desse time na vitoriosa Supercopa de 1995 (também sobre o Flamengo e no Maracanã, por sinal), foi o comandante do título de 2004 dos tiburones de Barranquilla.
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