Só um jogador rivaliza minimamente com Juan Sebastián Verón como filho pródigo do Estudiantes. É seu ex-colega José Luis Calderón, companheiro de La Brujita tanto no rebaixamento em 1994 e no imediato título de 1995 na segunda divisão como também no desjejum nacional em 2006 e na Libertadores de 2009, capítulos que se espalharam por inúmeras passagens pelo Pincha. Caldera foi “um atacante temível, oportunista, bem posicionado, certeiro, frio para definir”, nas palavras do livro Quién es Quién en la Selección Argentina. Ou, segundo ele mesmo, “um cara que sempre conseguiu o que quis através de trabalho e sacrifício. Um cara que antes era cara-de-pau e agora, tímido. Um cara frontal, reto, com os códigos que muitos perderam”. Um goleador vermelho, seja do nanico Cambaceres ao gigante Independiente, com títulos por Arsenal e Argentinos Jrs, fez ontem 50 anos.
Caldera nasceu na Favela de La Plata. Literalmente: a zona se chama “La Favela” mesmo, exatamente em referência à palavra brasileira, que na gíria argentina é traduzida como villa. “Hoje ela é como San Isidro, Palermo [respectivamente uma cidade de classe alta na Grande Buenos Aires e um dos bairros grã-fino da capital], na época não entrava nem a polícia, estavam todos armados”, descreveu em entrevista de 2006 à El Gráfico de onde tiraremos a maior parte das aspas dessa nota. Criou-se em uma casa sem lajotas que se resumia a um único quarto “dividido por cortinas. Se meu pai soubesse que a 20 quadras estavam asfaltando, me dizia: ‘Jose, pegue o balde e traga brita’. E depois tapava os buracos do teto. Chovia mais dentro do que fora de casa, ela era um coador. Por sorte o teto nunca nos desabou, meu velho dava muita importância a isso, não sei o que colocava, mas não voava nunca”. O banheiro era “a 30 metros, era um poço. Te sentavas e com um vaso de atiravam água, te ensaboavas e com a mesma água te enxugavas. Água fria. Na favela que vivi até os 11 anos e depois melhorei, aos conjuntos habitacionais até os 20 e poucos”.
Ele via valia na infância dura. As peladas eram “à morte: jogavas por grana torneios-relâmpagos de oito da manhã à oito da noite no verão. Jogas, tomas uma cerveja, segues jogando, às vezes te pagam o apostado, outras tens que brigar. Eu não era de brigar habitualmente, mas me encheram a cara de dedos mil vezes”. Não titubeou em classificar os jogos de várzea na favela como mais duros que na primeira divisão argentina: “na primeira cuidam mais de ti”. Inclusive porque na várzea ele jogava descalço “com pedrinhas, vidros, de tudo, e nunca me cortei. E se me cortava, nem me dava conta. Tinha um par de sapatos, mas eram para ir à escola”. E os nutrientes muitas vezes vinham do “famoso pão duro que tinhas que deixar vários minutos no chá cozido, esse foi meu jantar muitas noites. Houve dias em que estávamos com minha irmã e perguntava a meus pais: ‘não comem?’. Ele me dizia: ‘depois, agora comam vocês’. Diziam porque não havia. E comiam o que sobrava”. Experiência que faria Caldera, uma vez com a vida feita, promover entregas de cestas básicas aos mendigos de La Plata, sem buscar alarde midiático (“sempre digo que se alguém faz de boa fé, não tem que andar contando. Mas se me perguntam, confirmo”).
Em um contexto desse, não faltaram tentações ruins ao atacante. Mas as próprias más companhias em potencial lhe protegiam: “me aconteceu muitas vezes de dizer: ‘vão sair? Vou com vocês’. E eles me respondiam: ‘não venhas porque vamos fazer isto e isto, e nós estamos sujos’. Isso é falar na cara. O verdadeiro amigo é o que te diz a verdade, o que não quer te envolver. Lamentavelmente, o ambiente do futebol te leva a ser mentiroso, hipócrita, malandro, falso”. Outra barreira ao mal caminho era feita em casa. Aparentemente, a busca por brita nas obras públicas de asfalto era a única exceção admitida pelo pai: “meu velho em deixou claro desde garoto: ‘se você me trouxer um doce roubado, te corto os dedos e te levo à delegacia”. O desgosto que Calderón daria ao pai iria por outro lado: “minha mãe, eu e minhas irmãs somos Estudiantes. E meu pai era Gimnasia. Mas fanático, doente pelo Lobo. Me levava para ver o Gimnasia nos sábados e com meu padrinho ia nos domingos ver o Estudiantes. E me fiz Pincha. Teve que suportar”.
Calderón entrou mesmo nas escolinhas do Estudiantes ainda aos 5 anos, mas depois de alguns anos terminou dispensado “não porque jogava mal, e sim porque era baixinho. Há garotos que crescem antes dos outros e eu não era um desses. Foi um chute nos testículos. Meu velho me disse: ‘agora tens que trabalhar, venda fruta comigo ou busque um emprego, porque as coisas não estão bem’. Quinze dias depois um amigo meu me disse: ‘vou deixar de trabalhar na padaria da esquina da 9 com 41 [La Plata surgiu como cidade planejada, tendo as ruas nomeadas com numerais], se queres se apresente na segunda-feira’. Fui e comecei no mesmo dia”. Calderón ficou na rotina de preparar pães e doces na vitrine no início do turno e seguir como entregador a bares e cafés quando um freguês referido como Pochi Mendoza lhe convidou a testes no clube onde treinava – o Defensores de Cambaceres, da cidade vizinha de Ensenada.
O atacante seria sempre grato ao Cambaceres como um refúgio seguro (“ao invés de ficar jogando no bairro, ia ao Camba. E cada vez que ia, rendia”, mesmo que no clube só houvesse dois chuveiros, ambos de água fria, para 28 jogadores, conforme ele brincou em 2004) quando se decepcionava com a dupla platense. Isto porque, para a alegria do pai, ele chegou a ser admitido nos juvenis do Gimnasia: “me assistiram [Ricardo] Rezza e [Higinio] Restelli, que eram técnicos do Gimnasia, e lhes agradei. Me inscreveram. Meu velho estava enlouquecido”, começou. E até admitiu: “é difícil explicar, minha simpatia pelo Estudiantes não perderei nunca, mas o clássico eu ia querer ganhar e com gols meus. É como uma contradição, por isso digo que este é um dos tantos sonhos cumpridos que tive: jogar no clube que torço e onde entrei aos 5 anos”. Isto porque ele terminou dispensado dos alviazuis também, escutando um “não venhas mais, Cambaceres é filial do Estudiantes e não queremos ninguém que venha dali”.
Com o tempo, Caldera seria grato pela dispensa, mas na época ela não deixou de ser “uma paulada na cabeça”. Chegou a pensar que não servia para o futebol, mas voltou ao Cambaceres. Clube que seria útil não só para lança-lo ao futebol adulto, mas também para desenvolver mesmo involuntariamente o excepcional condicionamento físico que Calderón exibia já parto dos 40 anos: “quando jovem, trabalhava no centro de La Plata numa padaria, dali ia de bicicleta por dez quilômetros até Ensenada para treinar no Cambaceres, e voltava também de bicicleta. Fiz isso diariamente por três anos. Ou seja: 20 quilômetros por dia, 60 por semana, faça a conta você… sim, havia dias que pensava: tenho que decidir, o trabalho ou o futebol, queria jogar tudo pela janela”. O entrevistador até brincou, comentando que “com essa base, um treino te deve fazer cócegas”. Calderón assentiu: sempre que tinhas pensamentos ruins de um exercício mais exigente ou mesmo de uma carne mal passada, buscava lembrar do passado duro.
Ainda haveria mais entraves para que ele triunfasse. A própria quarta divisão, onde estava o Cambaceres, seria uma. Nela “jogas mais por amor à camisa: terminas a partida, subias no ônibus e tinhas o sanduíche com o refrigerante e nada mais. Quando comecei a meter gols no Cambaceres, o presidente me disse: ‘pare de trabalhar e eu te pago o soldo que ganhas na padaria, assim te dedicas a isto’. Foi o único salário que recebi. A bola pica para qualquer lado, há um só juiz, sem assistentes, sem câmeras, com dois policiais, se te dão um soco ninguém vê. Todas as cicatrizes que tive foram na série C e na B, e todos por socos”. Orientado pelo próprio técnico na estreia a evitar invadir a área adversária, comentou até que “no primeiro escanteio, fiquei de fora da área e senti o ruído do soco que deram em alguém. Tremendo. O [campo] do Lugano é brava, está num poço atrás da favela. No Argentino de Quilmes, jogando na quinta, houve uma falta que o juiz não cobrou, saltou um, outro, um padre, a polícia, terminamos todos aos socos”.
Outro problema foi um joelho estourado, ainda em 1989. E do qual ele preferiu não se operar. “O zagueiro do Dock Sud veio com tudo e me causou distensão de ligamento externo, deslocamento do ligamento cruzado, ruptura dos meniscos e torção no tornozelo, tudo de uma vez. O médico do Cambaceres queria me operar, e eu não queria saber. Imagine: me operar com um médico de terceira divisão, ia ficar com uma perna mais curta do que a outra”. Consultando outro médico, que confirmou que a lesão poderia ser tratada sem cirurgia, dedicou-se então por meses a um ritual que envolveu um mês sem pisar a perna lesionada e apenas movê-la engessada aos lados. “Um mês e pouco depois, com saco de areia: 20 dias fazendo o mesmo. Depois, precisei de uma piscina”. Foram três meses alternando a fisioterapia com musculação até voltar a jogar e perder o medo quando não sentiu problemas no joelho em uma primeira dividida.
O Camba venceu a quarta divisão de 1990-91 e teve uma segura oitava colocação na terceirona de 1991-92. Campanha acompanhada por Daniel Romeo e José Luis Brown (autor do primeiro gol argentino na final da Copa de 1986), que eram técnicos do Estudiantes e convidaram Calderón a voltar – “não podia acreditar…”, suspirou quem enfim defenderia o time do coração na primeira divisão. “Quando acabava de começar, Sergio Vázquez [então jogador da seleção, iria à Copa de 1994] quis me assustar: ‘bebê, pare de correr que te quebro a pata’. Era comum que alguém de experiência falasse assim com um garoto. ‘Mais pancadas que me deram na quarta divisão, não acredito que me deem’, retruquei. E pronto. Hoje fazem mais por cena do que por outra coisa, porque sabem que ante um mínimo encontrão a câmera já te enfoca e vão ver qual dois dois é mais fodão. Quando te expulsam, vai cada um a seu vestiário, se cumprimentam e não passada nada. Pura cena”, comparou.
Não eram os melhores tempos do Estudiantes, contudo. Os alvirrubros vinham de dois 17º lugares em cada turno da temporada 1991-92. E mesmo uma ligeira melhora no Apertura da temporada 1992-93, com um ainda reserva Calderón marcando seus quatro primeiros gols na elite, mostrou-se efêmera: o 7º lugar ali, em paralelo a uma classificação sobre o Boca na Supercopa, foi sucedido por um 13º no Clausura (Caldera marcou três gols, com destaque ao segundo de um 2-0 sobre o River no Monumental) e pela lanterna no Apertura da temporada 1993-94 – semestre em que o time não foi longe na Copa Centenário, a ser vencida exatamente pelo arquirrival Gimnasia, que se mostrava naqueles anos o clube platense mais forte. Mesmo que, curiosamente, o Estudiantes voltasse a eliminar o Boca na Supercopa da edição 1993, com direito a dois gols de Calderón em um 3-1 em La Bombonera e outro em 2-0 em La Plata, o Pincha não evitou o rebaixamento ao fim do Clausura 1994.
O 16º lugar foi até enganoso, pois o time era vice-lanterna, mas, já rebaixado e ironicamente mais relaxado, venceu na rodada final o Racing por 4-1, com Calderón marcando dois dos cinco gols anotados na temporada argentina inteira de 1993-94. Se o dia do rebaixamento foi o mais triste da carreira segundo ele próprio, também foi uma boa inflexão. Calderón recusou convite de seu velho treinador Luis Garisto para acompanha-lo no Argentinos Jrs para enfim se firmar no Estudiantes, campeão com sobras da segunda divisão de 1994-95 (a ponto de ter em paralelo até eliminado o Flamengo na Supercopa 1994) tendo em Caldera o artilheiro da campanha. Ainda em 1994, ele já tinha juntado grana suficiente para comprar “um apartamento”. Mas preferiu primeiramente retribuir o pai, que preferia ter um táxi. “Fui, saquei a grana, e lhe comprei o táxi. E ele pôs tudo do Gimnasia lá: almofadas, escudo, bandeirinha…”. Pudera: naquela grande fase, o Lobo por muito pouco não foi campeão do Clausura 1995 um mês depois dos alvirrubros terem vencido o acesso.
Mas, em uma das maiores entregadas de sua sofrida história, o Gimnasia perdeu dentro de casa na rodada final uma taça que parecia ganha. E no primeiro Clásico Platense após o retorno pincharrata à elite, Calderón foi cruel, marcando dois gols em um categórico 3-0 no Apertura 1995 em pleno Bosque gimnasista. Foi o dia em que pai e filho realmente brigaram mal. “Em um gol, sacudi a camisa. Meu velho sempre me esperava com chá-mate, torradas, e falávamos da partida. Nessa tarde, cheguei e me disse: ‘te felicito, estás contente?’. E eu: ‘sim, pai, tomamos uns mates?’. Pegou o mate e a garrafa. ‘Tome, tens aqui, prepare você sozinho’. E foi embora. ‘Mas papai, não te esquentes’, lhe disse. ‘Mas pirralho de merda, quem você pensa que é? Como vais sacudir a camisa assim?’. Esteve uma semana sem falar comigo. Sempre ficou em mim uma sensação com ele: nunca me demonstrou a felicidade que ele tinha de eu jogar na primeira divisão. Se eu metia dois gols, me criticava por um passe. Por isso sou assim hoje, muito exigente comigo mesmo, não me conformo com nada”.
Se a segunda divisão viu florescer uma parceria entre Calderón e Verón, a temporada de reestreia na elite propiciou a afirmação de Martín Palermo, ainda escanteado na campanha da segundona. Eles até marcaram dois gols cada em um 4-1 no Gimnasia de Jujuy, embora o matador-mor fosse mesmo Caldera, artilheiro no Apertura 1995 (com quinze gols) mesmo por um time que terminou apenas em nono – embora dessa vez o Pincha caísse já no primeiro duelo da Supercopa, contra um decadente Nacional uruguaio. Revelação do ano, o atacante foi então contratado na virada de ano por um Independiente que havia acabado de vencer aquela própria Supercopa. O Rojo já vivia uma entressafra mesmo ao longo daquela acidentada campanha campeã e ficou apenas em 12º no Clausura 1995, com Calderón descalibrado; ainda que voltasse a vitimar o Boca e anotasse no arquirrival Racing (em dois 1-1) e até no rival pessoal Gimnasia (vencedor por 3-2), só somou quatro gols naquele primeiro semestre, onde também perdeu-se a Recopa para o Grêmio.
No segundo semestre de 1996, o Independiente caiu na Supercopa já no primeiro duelo, na revanche do Flamengo, vice dentro de casa na edição anterior. Mas fez um Apertura muito melhor; mesmo longe de alcançar o River, foi vice-campeão, embora vencesse o próprio Millo na rodada final por 3-1, com dois gols de Calderón. No Clausura da temporada 1996-97 é que o Independiente, sob o comando do mítico César Menotti, brigou mais para valer pela taça. Após boas exibições nos torneios de pré-temporada, o Rojo começou sem vencer nas três primeiras rodadas, mas ressurgiu ao triunfar fora de casa no Clásico de Avellaneda pela quarta. Com Calderón marcando os dois gols dos 2-1 sobre o Racing. Fase que lhe rendeu as primeiras convocações à seleção, estreando pela Argentina em 2 de abril de 1997, na tumultuada derrota para a Bolívia em La Paz pelas eliminatórias, substituindo Marcelo Delgado no decorrer do jogo.
O Independiente, quatro dias depois, viu Calderón marcar os dois gols da vitória fora de casa sobre o Banfield por 2-0, repetiu esse placar sobre o Boca e festejou outros dois gols de Caldera longe de Avellaneda, em categórico 3-0 no Platense. Em grande sequência, o Rojo goleou longe da casa ainda o Gimnasia de Jujuy (4-1, com gol dele), viu ser artilheiro demonstrar profissionalismo contra o Estudiantes (Calderón abriu o placar de um 2-0) e marcar duas vezes na grande exibição do Independiente de Menotti: o 6-0 em plena Santa Fe contra um Colón que liderava o campeonato no pontapé inicial e terminou ultrapassado também na tabela pelos visitantes, os novos dianteiros ao fim daquele 31 de maio. Restavam quatro rodadas, mas houve uma pausa para novo jogo da seleção nas eliminatórias e depois para a Copa América.
Foi a segunda partida de Calderón pela Argentina, onde ele substituiu Hernán Crespo no finzinho, ocasião que ele considerava na entrevista de 2006 a noite mais feliz da carreira: “entrei por cinco minutos contra o Peru, todo o estádio começou a pedir por mim. Não podia acreditar”. Três dias depois, o jogo já era pela Copa América, para a qual Daniel Passarella usou uma seleção experimental, praticamente caseira, como testes. Calderón saiu do banco contra o Equador e foi titular contra Chile e Paraguai. Livrou-se da eliminação vexaminosa contra o Peru, mas, sem gols, não seria mais levado em consideração por Passarella. O Independiente, por sua vez, perdeu o ponto de bala com a pausa. Menotti deixara o clube para treinar pela primeira vez na Itália, fechado com a Sampdoria. E a Serie A também foi o destino de Caldera, contratado pelo Napoli. Na retomada do Clausura, já em julho, o líder Rojo só venceu o primeiro dos quatro jogos finais e caiu para o quarto lugar.
Se a vitrine europeia poderia alavancar as chances de Calderón por um lugar na Copa de 1998, a negociação acabou como um tiro no pé. “Me fortaleceu como pessoa. O problema foi que me comprou o presidente nas férias e o técnico não me quis nunca”. Ele, que assumiu nunca ter tido uma alimentação saudável, o que era compensado pelos exercícios frenéticos, chegou mesmo a engordar e precisar pela primeira vez de um custoso acompanhamento nutricional. Sem surpresas, ele foi devolvido ao Independiente já no primeiro semestre de 1998. Se livrou de ficar até o fim de uma temporada em que o Napoli terminaria rebaixado, mas mesmo que os gols voltassem (foram oito no Clausura, incluindo contra River e San Lorenzo) ele não foi levado em conta para a Copa do Mundo. Até porque seu Independiente só ficou em 11º.
No pobre segundo semestre de 1998, ele foi mais efetivo na Copa Mercosul (cinco gols, mas queda na fase de grupos) do que no Apertura (apenas um pelo 16º colocado). Mas se refez no primeiro semestre de 1999, terminando o Clausura como artilheiro, ainda que pelo quinto colocado. Marcou em especial na vitória fora de casa no clássico com o Racing (2-0) e três vezes em um 4-0 sobre um Boca que acabava de assegurar o título, tirando-lhe a invencibilidade – um dos gols, uma pintura desde o meio-campo. Outros três gols vieram no 4-1 na rodada final, sobre o Huracán. Os 17 gols em 19 rodadas fizeram-no ser chamado a nova Copa América pelo treinador Marcelo Bielsa. Mas o que parecia ser o recomeço na seleção acabou sendo o fim abrupto. El Loco também usou a competição para testar uma seleção caseira, mas nem assim Calderón jogou.
Caldera enfureceu-se especialmente ao ser chamado pelo treinador no quarto após a eliminação e ouvir que só fora chamado porque o atacante realmente desejado não estava disponível, pois não era visto como o jogador adequado no sistema planejado por Bielsa. Esquentado por ter perdido à toa as férias familiares e a pré-temporada com o Independiente, vociferou na imprensa e acabou crucificado diante de todo o grupo pelo treinador, em discussão pública em pleno aeroporto de Assunção, como alguém que queria limpar a própria barra no fracasso coletivo. Calderón jamais voltou a ser considerado à seleção, mas com o tempo ele se resignou: “tivemos uma briga ou intercâmbio de palavras, mas como treinador, Bielsa é excelente. Posso dizer que comigo se equivocou, mas com outros duzentos mil, não”.
O segundo semestre de 1999 foi ladeira abaixo. Embora deixasse três gols na Copa Mercosul, incluindo na eliminação contra o Flamengo no primeiro mata-mata (um agregado de 5-1…), Calderón minguou para os mesmos três gols no Apertura. E na terceira derrota seguida na reta final (depois de ser goleado por 3-0 em Avellaneda pelo San Lorenzo, o Rojo caiu na visita ao Instituto em Córdoba e então perdeu de 1-0 em casa para o Rosario Central) chegou a ser procurado pelos barrabravas para uma surra. “Foram buscar a mim sozinho. Eu saía para buscar meu filho, que tinha um ano, e começaram a me dizer coisas. Fiquei mal pelo meu garoto, me agarrei com um e por sorte chegou a polícia, porque eles eram mais de dez”. Sem clima, ele acertou com o futebol mexicano.
Foi pelo América que Calderón enfim estreou na Taça Libertadores, fazendo um bom semestre nela em 2000: cinco gols na fase de grupos, dois deles em um inapelável 8-2 sobre o Olimpia, outro sobre o Bolívar nas quartas-de-final e dois na vitória de 3-1 nas semifinais sobre um velho freguês pessoal, o Boca. Calhou que os mexicanos haviam perdido de 4-1 em La Bombonera no jogo de ida a abriram 3-0 no Azteca – resultado que na época ainda forçava os pênaltis. Em 2006, ele ainda amargava o desfecho: “quando meti o 3-0, olhei o placar eletrônico e faltavam oito minutos. Bermúdez [capitão do Boca] se aproximou de mim e me disse: ‘Caldera, basta, esperemos os pênaltis’. Eu lhe respondi: ‘nada de pênaltis!’. E dois minutos depois [Walter] Samuel mete esse cabeceio bombeado [para diminuir para 3-1 e classificar os argentinos]. Como é o futebol: a final dessa Copa terminou sendo o começo do domínio internacional do Boca. Se tivessem perdido nesse dia…”.
Apesar do bom papel na Libertadores, o América vivia relativa seca na liga mexicana, que perdurava desde 1989 e só acabaria em 2002. Àquela altura, Calderón já estava no ainda mais mal-assombrado Atlas, sendo o artilheiro do elenco rubronegro na temporada 2001-02. Se nos dois torneios semestrais o time de Guadalajara ainda chegou aos mata-matas, isto não ocorreu no segundo semestre de 2002. Nada que impedisse que o Racing sondasse o veterano em 2003 para o retorno da Academia à Libertadores. Calderón não teria descartado a oferta (“eu trabalho nisso, o clube que esteja interessado em mim e se preocupe por mim e me ofereça trabalho sempre o considerarei. Menos o Gimnasia, claro”). O Vélez também o teria sondado e, sabendo disso, o Independiente atravessou as negociações e repatriou seu velho goleador.
Não foi um retorno feliz. O técnico do Rojo era Oscar Ruggeri, velho emblema da seleção, e quem pessoalmente tratara de convencer Caldera a voltar. Mas acabou usando-o pouquíssimo sob El Cabezón e também sob o sucessor Osvaldo Sosa, que ao menos foi mais sincero e lhe falou de frente que não o considerava nos planos. Em 2006, Calderón até desmentiu a fama de exigência da torcida por um futebol vistoso: “papo furado. Todos gostam de ganhar e todos gostam de bom futebol. No Independiente, ganhamos jogos todos retrancados e fazendo cera e as pessoas comemoraram igual”. Não foi difícil a ele preferir recomeçar do zero ali nas vizinhanças de Avellaneda, mas em Sarandí, fechando em 2004 com o Arsenal: “este clube me fez lembrar quando arranquei no Cambaceres”. Seus oito gols no Clausura 2004, incluindo um no Racing, deixaram aquele veterano em quarto lugar na artilharia.
O Apertura 2004 foi menos generoso, ainda que Calderón se desse ao gosto de abrir um 3-0 dentro de La Plata sobre o Gimnasia. No Clausura 2005, já esteve de novo como quarto artilheiro do torneio, com nove gols – incluindo dois em um 3-1 do Arse sobre o Boca em La Bombonera. Fase que rendeu-lhe um retorno ao Estudiantes após dez anos. Na quarta rodada do Apertura, Caldera já mostrava a que vinha, marcando o único gol do Clásico Platense – resultado que adiante faria a diferença para o rival terminar deixando outro título escorrer entre os dedos. Com 35 anos, o atacante fez outros nove gols, incluindo o único de duelo contra o River. O Clausura 2006 foi menos impactante, com o time focado no retorno à Libertadores. O veterano foi inclusive um dos artilheiros daquela edição, decisivo especialmente nas oitavas contra o Goiás (marcou nos dois duelos, um no último minuto), e acredita que o time teria melhor sorte contra o São Paulo nas quartas se a Copa do Mundo não interrompesse as quartas-de-final entre um jogo e outro. Mas a redenção não tardaria.
Verón voltou ao clube para o segundo semestre. E o Estudiantes começou a se ariscar. A entrevista que Calderón deu à El Gráfico em 2006 foi feita pouco depois da oitava rodada, com ele garantindo que a comemoração explosiva em um 2-1 contra o Independiente não guardava nenhum rancor pessoal contra a antiga equipe e sim era um desabafo por um relativo jejum de gols e de vitórias. Em outra declaração sobre seu ritmo de jogo aos 36 anos, explicava que “o corpo te cobra a conta a partir dos 30 anos. Se nessa idade o corpo não te responde, significa que na juventude não fizeste bem as coisas. E o sinal de como te manobraste. Eu jamais recebi esse sinal. Tudo passa pela alimentação, o cuidado pessoal, saber quando se pode sair e quando não”. Destacava uma lição simplória, mas certeira: “o importante não é chegar, e sim manter-se”.
Não era pose. Após aplicar a lei do ex no Rojo na 8ª rodada, Calderón marcou n 11ª uma tripleta… em um Clásico Platense histórico. O desequilíbrio era descomunal na vitrine de troféus, mas nulo nos confrontos diretos: se vencesse, o Lobo, predominante em La Plata nas duas décadas anteriores, inclusive se igualaria em número de vitórias em duelos pelo campeonato argentino (no geral, estava até à frente). Mas o Estudiantes sapecou um 7-0 que ainda é a maior goleada do dérbi, só vencido pelo rival uma única vez desde aquele massacre. Foi a mola propulsora para que o Estudiantes, treinado por Diego Simeone, superasse de tudo para quebrar naquele Apertura um jejum de 23 anos na elite argentina. Desde uma entrega do enfurecido Gimnasia para o Boca, concorrente dos alvirrubros, até uma vitória de virada sobre o próprio Boca no jogo extra forçado após igualdade na liderança após a rodada final.
“Sou muito temperamental, então não sou de zombar das pessoas, porque não gosto que me zombem. Sempre respeitei. Depois dos 7-0, muitos quiseram fazer comigo a foto com os sete dedinhos e disse que não. O futebol é uma roda”, desconversava o artilheiro na entrevista, embora não titubeasse ao ser indagado de que acreditaria que o grande rival pudesse ser campeão um dia: “esperemos que não”. E isso que Caldera não enfrenta somente o pai por futebol, descrevendo que a esposa “não dá muita bola ao futebol. Ela é Gimnasia, então não se fala muito. E menos agora”. As ironias da vida renderiam um troco: Lucas Calderón, filho do casal, seria profissionalizado em 2018 exatamente no Gimnasia, embora chegasse a passar pelos juvenis pincharratas. Inclusive chegou a ser notícia a sua relegação à equipe B pelo treinador Maradona, em 2019.
A ressaca por aquele desjejum em 2006 parece ter pesado em Caldera, que só marcou dois gols no Clausura 2007. Para o segundo semestre, ele acertou uma volta ao Arsenal. E fez história. Calderón já não vivia de gols, embora fosse um exímio aplicador da lei do ex, somando três gols entre os dois duelos com o Independiente na temporada 2007-08. Sobressaiu-se mais como um líder técnico no elenco que, revelando o jovem Papu Gómez, terminou sendo o surpreendente campeão da Sul-Americana de 2007. Mas, ainda em 2006, ele confessava preferir a velha rotina: “às vezes por aí fui pivô, atraí marcações, habilitei meus colegas, tive uma grande partida, mas como não fiz gols, no outro dia me dão nota 4 nos jornais e me questionam”.
O Estudiantes foi mais sensível e recontratou seu outro grande filho pródigo para o segundo semestre de 2008. O veterano marcou só cinco gols na temporada 2008-09 inteira (um deles, em 2-0 sobre o Arsenal, por sinal), mas pôde saboreá-la em especial; outro daqueles gols foi em 3-1 sobre o Gimnasia. E um outro, sobre o Argentinos Jrs, colocou o Estudiantes na final da Sul-Americana de 2008. A taça escapou para o Internacional, mas já representava o retorno Pincha a uma final continental após 38 anos. Um semestre depois, a final continental já era a da Libertadores 2009. Caldera não registrou gols na campanha redentora, contribuindo no título mais pela cera planejada pela equipe ao substituir o herói Gastón Fernández no minuto final contra o Cruzeiro. No Apertura 2009, somou um único gol, para bater seu velho freguês Boca (2-1). E deixaria La Plata pelos fundos: não foi inscrito ao Mundial de Clubes e boatos de rompimento com Verón e o técnico Alejandro Sabella ecoaram.
Parecia ter pendurado as chuteiras quando, surpreendendo, acertou com o Argentinos Jrs em 2010. O Bicho começou o torneio relativamente ameaçado de rebaixamento e terminou campeão, pela primeira vez em 25 anos e pela última vez até hoje. E em um torneio em que concorreu justamente contra o Estudiantes e o Independiente. Calderón, para variar, se deu bem em um clube vermelho. E aplicou bem a lei do ex: contra o próprio Estudiantes, derrotado como mandante por 1-0, e ainda sobre o Arsenal. Os ex-colegas em La Plata terminaram amargando o vice-campeonato por exatamente um ponto abaixo da modesta equipe de La Paternal (que encontrou tempo para lhe felicitar nas mídias embora esse 24 de outubro também tenha marcado os 35 anos da conquista colorada na Libertadores). Era o fim glorioso da carreira do quarentão, que ainda se permitiu um epílogo no seu Cambaceres, voltando para uma única partida – e deixando um gol de pênalti.
Ele ainda trabalharia pelo Gimnasia de Jujuy (2011-12) e no Atlanta (2014) em uma carreira de treinador que não decolou – trabalha hoje no time B do Argentinos Jrs. A contribuição ao futebol foram mesmo com gols, descritos por ele em 2006 como “um passe à rede. Não precisas sempre matar o goleiro. Na área, o atacante sempre tem um tempo a mais; às vezes, parece que o atacante está mais desesperado que o defensor. Quando um goleador entre em seca, em geral é porque você vai para um lado e a bola para o outro lado. Quando estás direitinho, a bola te cai onde estás. E metes”. Ele, inclusive, lamentou a proibição de tirar a camisa na comemoração: “é terrível. Se tiras a camisa, amarelo. Se queres trepar no alambrado, te expulsam. Vai chegar um momento em que vais meter um gol e em vez de desfrutar, vais chorar. Porque se você zomba da torcida rival ou fazes cera, ok, está bem, mas o gol é o mais lindo que há, e não deixam que saia a alegria acumulada”.
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