José Albornoz, o último a jogar em quatro dos cinco grandes argentinos
Se algo sobrava em José Fabián Albornoz (pronunciado “Albornôs”), era personalidade. Não só foi o último a jogar em quatro dos cinco grandes argentinos – só lhe faltou o Boca -, o que incluiu uma virada de casaca no Clásico de Avellaneda; também a virou no Clásico Cordobés, iniciando a carreira no Talleres para encerra-la no Belgrano. El Pepe (apelido comum na língua espanhola a quem se chame José) inclusive, é o segundo jogador com mais clubes diferentes na era dos torneios curtos, com seus oito times superados apenas pelos dez de Silvio Carrario. Mas a elegância de sua canhota no meio-campo ficou melhor recordada em equipes menores, como xodó no sumido Deportivo Español e no sofrido Gimnasia LP: era daqueles jogadores talentosos que pareciam render melhor sem pressões; e também foi o tipo de jogador prodígio maltratado por lesões sucessivas. Hoje ele faz 50 anos.
Pequeno nos grandes, grande nos pequenos
Embora nascesse na capital federal e fosse filho de um pai proveniente de Tucumán e de uma mãe vinda de San Juan, Albornoz identificou-se com Córdoba, de onde incorporou o característico sotaque. Ele assim explicou, em fanzine do Racing, na época em que recém-chegava a esse clube: “embora vivêssemos em Buenos Aires, por razões de trabalho fomos a Córdoba e ali cresci. Comecei jogando no infantil do clube San Pablo, depois no Martín Fierro, e com o tempo creio que passei por todas as equipes que havia. Já em campo grande comecei no Deportivo Colón, e depois passei ao Talleres”.
Foi ainda nos juvenis de La T que ele conheceu um parceiro de vida: o defensor Carlos Bustos – por sinal, o terceiro maior vira-casaca dos torneios curtos, com sete clubes. Eles seriam colegas simplesmente em seis, e manteriam a dupla dinâmica até depois que pararam de jogar, pois Albornoz é assistente técnico da carreira de treinador do compadre. O talento foi reconhecido precocemente, até demais: ainda tinha 16 anos de idade quando foi utilizado pela primeira vez no time tallarin adulto, em 26 de outubro de 1986, pela 16ª rodada do campeonato argentino de 1986-87. Foi uma estreia para se esquecer, sem exageros: o treinador Humberto Taborda impiedosamente tirou do banco o garoto aos 23 minutos do segundo tempo, quando os cordobeses já levavam de 5-0 de um timaço do Argentinos Jrs… para ao fim terminarem estropiados por (isso mesmo) 12-0.
Pelo trauma ou não, Albornoz só voltou a ser usado na equipe principal já em 26 de fevereiro de 1989, curiosamente pelas mãos do mesmo treinador adversário naqueles famigerados 2-0, Roberto Saporiti. Foi pela 24ª rodada do campeonato argentino de 1988-89. Ainda parecia verde: foi usado apenas naquela partida e na rodada seguinte, e, mesmo titular, terminou substituído nas duas. O grosso de seus diminutos dezesseis jogos pelo Talleres deu-se mesmo na temporada 1989-90, também a sua última em La Boutique. Um primeiro gol veio, ironicamente, no mesmo estádio do Ferro Carril Oeste em que sofrera aqueles 12-0. Não que a alegria fosse tanta, diante de outra surra, um 5-1 para o San Lorenzo, já pela penúltima rodada.
Sem emplacarem, ele e Bustos, além de Mario Bevilacqua e José Iglesias, foram encaminhados ao Deportivo Español – um clube até cascudo naqueles tempos, mas historicamente modesto, propiciando um ambiente de menos torcedores para cobra-lo na rua por resultados, fórmula perfeita para o melhor futebol do Pepe. No Apertura 1990, seus quatro golzinhos (em quinze jogos) bastaram para fazer de Albornoz, um volante, ser o artilheiro de um Español antepenúltimo colocado. Outros cinco vieram no Clausura 1991, três deles em uma tarde de glória contra o Huracán, surrado por 4-0 em raro hat trick do garoto.
No San Lorenzo e no River, poucos jogos, mas voltas olímpicas
O clube foi 17º de vinte times, tendo um esteio contra algo pior precisamente na dupla Bustos e Albornoz. Aquela temporada 1990-91 foi por muito tempo a última em que a liga argentina coroou um único campeão, ainda que mediante uma final entre os líderes de Apertura e Clausura. A outra vaga do país na Libertadores não ficava com o vice-campeão da temporada e sim por meio de um mata-mata com os melhores times abaixo do campeão: a liguilla pre-Libertadores. Com o Español longe de ser classificar ao minitorneio, o San Lorenzo requisitou aquela dupla para a liguilla de 1991. E assim virou o primeiro gigante argentino defendido por Albornoz.
O Ciclón até terminou festejando aquela liguilla, mas sem que Albornoz propriamente se sobressaísse. Seu perfil no Diccionario Azulgrana, publicado em 2008 para o centenário sanlorencista, é bem diminuto: “reforçou a equipe junto com Carlos Bustos – ambos provenientes do Deportivo Español – que disputou a ganhou a liguilla pre-Libertadores de 1991. Nessa ocasião, seu ingresso se produziu pelas vagas livres que haviam deixado Leo Rodríguez e Rubén Ruiz Díaz, ambos convocados por suas seleções para disputar a Copa América. De boa técnica, embora propenso às lesões, não chegou a convencer a galera azulgrana“.
De volta ao Español, Albornoz jogou treze vezes no Apertura 1991, muitas como jogador de segundo tempo – já começava a sofrer as reiteradas lesões que tanto marcaram sua carreira, e não chegou a marcar gols. O time, ao menos, respirou contra o promedio ruim, subindo ao 14º lugar… para fazer no Clausura seguinte sua melhor campanha histórica, em 3º. O bichado Albornoz pôde atuar doze vezes, além de mais duas pela liguilla, onde os Gallegos foram semifinalistas. Ainda permaneceu por mais um semestre, honrosa: 11º no Apertura 1992, com dez participações dele. Quando podia entrar em campo, jogava “como se usasse patins”, suspirou certa vez um perfil dedicado à história do pequeno clube do bairro de Flores.
Na virada de 1992 para 1993, então, a dupla Albornoz e Bustos reforçou o River. O peso da camisa e a rotina de lesões impediram que se firmasse em um primeiro momento; foram apenas quatro jogos na campanha vice para o Vélez no Clausura 1993 e simplesmente nenhum em outro vice, o da Copa Centenário para o Gimnasia. A reação da diretoria millonaria foi trazer de volta o xodó Sergio Berti e dois emblemas dos anos 80, Ernesto Corti e o astro Sergio Goycochea – além de Fernando Gamboa e José Luis Villarreal. Mas o chamariz da campanha foi a garotada bancada pelo técnico Daniel Passarella: Ortega e Almeyda tinham 20 anos, Crespo tinha 18, Gallardo tinha 17, fora outros tombados pelo caminho feitos Facundo Villalba (20), Pablo Lavallén (21) e Walter Silvani (22).
Albornoz não destoava: servia na época a seleção sub-23. Mas, por sua vez, voltou a ser usado somente em quatro partidas, especialmente na reta final: é que o Apertura 1993 atravessou-se até março de 1994, com quatro rodadas realizadas após a pausa natalina. El Pepe reapareceu a tempo de figurar na foto dos titulares no jogo de um título marcado mais pela eficiência e solidez do que por brilhos: o artilheiro do elenco foi Ramón Medina Bello, mesmo vendido ao Japão ainda na 9ª rodada. Co-líder na 10ª rodada ao vencer o Ferro em Caballito, o River isolou-se na 11ª ao derrotar o Lanús e então sofreu duas derrota seguidas; mas pôde voltar à ponta ao vencer o Español por 1-0 em Núñez, até novamente se isolar na 17ª e antepenúltima rodada com um 5-3 no Deportivo Mandiyú.
Pelas camisas alvicelestes: Racing e seleção
Com o calendário de 1994 espremido, o Clausura 1994 foi iniciado já na semana seguinte ao fim do Apertura 1993 e o River começou frouxo demais; ainda que aparecesse na liderança na 13ª rodada, não manteve o pique para acompanhar os líderes Huracán e Independiente, que acabou campeão – e fez seu rival Racing, ele próprio recém-vice do Apertura 1993, reagir com um pacotão de reforços para o Apertura 1994. Albornoz estava entre eles, reunidos na imagem esquerda abaixo. Pelo terceiro gigante de carreira, ele igualmente não virou ídolo. Mas teve sua categoria reconhecida (com ótimos quatro gols em dezessete jogos, números ótimos a um volante) em meio a um time instável, sobretudo financeiramente.
Curiosamente, dois dos gols do Albornoz racinguista foram para exercer a lei do ex, sobre San Lorenzo (derrota de 2-1) e Talleres (2-2). O Racing demorou a engrenar, em 12º no Apertura 1994, mas subiu para 6º no Clausura 1995 – que esteve a um triz de ser vencido pelo ascendente Gimnasia, o destino seguinte do Pepe. A perda traumática daquele Clausura derrubou os platenses para 15º no Apertura 1995, mas eles se reergueram com classe no campeonato seguinte, o auge da carreira de Albornoz. Ele marcou nove gols, inclusive em dois famosos 6-0: sobre o Boca em plena La Bombonera, foi peça ativa em ao menos metade dos gols; habilitou Guillermo Barros Schelotto no primeiro, anotou o terceiro exibindo toda a classe da sua canhota (com um toque sutil de primeira curvando a bola para fora do alcance do goleirão Carlos Navarro Montoya) e sofreu o pênalti que originou o quinto, convertido por Alberto Márcico.
O outro 6-0 foi sobre o Racing, com Albornoz exercendo a lei do ex ao marcar o segundo gol. O torneio, contudo, terminou sob nova amargura ao Lobo de La Plata: novo vice, com requintes de crueldade. É que na rodada final o time só empatou o clássico com o Estudiantes, sem aproveitar que o Vélez igualmente ficara só no empate com o Independiente; como se não bastasse, o Vélez ainda contou com defesa de pênalti do seu ídolo José Luis Chilavert para impedir uma derrota que faria a liderança terminar dividida com o Gimnasia – cenário que ao menos forçaria um jogo-extra pelo título. Houve jogo-extra, mas entre os vices do Vélez, vencedor também do Apertura da temporada 1995-96 e que assim abriu uma vaga extra para a Libertadores 1997. Em 22 de agosto, no neutro Monumental de Núñez, o outrora goleado Racing acabou vencendo, já na prorrogação…
Por outro lado, aquele primeiro semestre de 1996 levou Albornoz à seleção – estreou em 1º de setembro – e também a seu quarto gigante, o Independiente, seu clube para a temporada 1996-97. O livro Quién es Quién en la Selección Argentina o descreveu assim: “hábil, inteligente, algo frio e descontínuo em seu acionar e perseguido pelas lesões, que lhe impossibilitaram desenvolver-se em plenitude. Daniel Passarella sempre confiou em suas qualidades, o teve primeiramente no River e logo na seleção, mas jamais chegou a se firmar e perambulou sem pegar jamais o salto de qualidade. Sua prestação internacional se limitou a três meses e 14 dias, com três encontros pelas eliminatórias para o Mundial 98, com dois empates como local e um só êxito ante a débil Venezuela, frente a cuja equipe converteu seu único gol na seleção. Em duas de suas três presenças, foi titular”.
No Independiente, uma decepção
Curiosidade é que em duas dessas três partidas, a Argentina sofreu seus primeiros gols por um goleiro adversário. A estreia de Albornoz foi marcada justamente pela primeira vez em que isso ocorreu, quando o iluminado Chilavert acertou para cima de Germán Burgos uma falta para empatar em 1-1 em pleno Monumental. A partida seguinte, em 9 de outubro, foi aquela visita aos venezuelanos, em San Cristóbal. A Albiceleste havia acabado de abrir 4-1 quando a Vinotinto, aos 42 minutos do segundo tempo, teve um momentinho de forra graças a Dudamel – a igualmente acertar uma falta (a vítima da vez foi Pablo Cavallero) para descontar. E foi justamente Albornoz quem esfriou um pouco essa festa, ao marcar aos 45 minutos o gol dos 5-2.
Em paralelo, ele, que ainda disputou pelo Gimnasia as três rodadas iniciais do Apertura 1996 antes de seguir ao Independiente pelo restante do torneio, tinha um início interessante no novo clube. Foi por uma questão de meses que ele se tornou o último jogador em quatro dos cinco grandes – seu antecessor imediato foi Luis Alberto Carranza, que chegara a seu quarto grande (o San Lorenzo, após ter defendido, na sequência, Racing, Boca e Independiente) naquele mesmo 1996, ainda no primeiro semestre. Outros homens chegaram a trabalhar depois em quatro dos cinco, mas na soma de seus trabalhos como jogadores e como membros de comissões técnicas, casos de Oscar López e de Sebastián Rambert; Albornoz segue como último a fazer apenas como jogador tantas travessias entre os gigantes, após também Zoilo Canaveri (anos 10), Carlos Gay, Esteban Pogany e Osvaldo Pérez (todos entre os anos 70 e 80).
Treinado pela lenda César Menotti, ele próprio outro de trajetória em quatro dos cinco (só lhe faltou o San Lorenzo) entre trabalhos como jogador e técnico, o Rojo foi o principal concorrente do River na disputa do Apertura 1996. Mas na reta final já estava claro que as chances de levar a taça a Avellaneda eram pouco palpáveis – o Millo seria campeão em vantagem de nove pontos, garantindo de vez já na penúltima rodada a taça; poderiam ser doze de vantagem se não terminasse derrotado na última pelo próprio Independiente. Albornoz não foi exatamente o maestro aguardado na Doble Visera, mas a bênção de Passarella ainda foi dada em 15 de dezembro, data da terceira e última partida do Pepe na seleção. Novamente, a plateia no Monumental saiu decepcionada com outro 1-1, dessa vez com o Chile.
Ainda no rescaldo de um início razoável no Independiente, Albornoz anotou um dos gols de chamativo triunfo de 3-0 sobre o Feyenoord, em amistoso em janeiro de 1997. Para o Clausura 1997, o cheiro de título foi ainda mais forte no Rey de Copas, a ponto de Menotti terminar contratado pela Sampdoria – com o time decaindo para um enganoso 4º lugar muito porque o treinador precisara deixar os trabalhos após a 15ª rodada. Albornoz, contudo, já não era peça recorrente. De 38 jogos possíveis na temporada 1997-98 inteira da liga argentina, só esteve em 22, com um solitário golzinho (2-1 no Colón, na 15ª rodada do Apertura). E acumularia outros parcos 41 partidas ao longo dos seis anos seguintes no futebol argentino, sem render por Newell’s (dez jogos na temporada 1997-98), em um retorno em 1999 ao Independiente e outro ao Gimnasia na temporada 2000-01 e menos ainda no Olimpo (dois joguinhos) e na segunda divisão com o Belgrano – onde pendurou as chuteiras em 2004 após nove partidas.
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