Especiais

Influência britânica fez a Argentina ter o campeonato nacional mais antigo fora do Reino Unido

Já se ouvia God Save the Queen em 1891, ano de um primeiro campeonato argentino de futebol. O detalhe é que a Rainha em questão era Vitória, que ainda reinaria por mais dez anos. Numericamente falando, a comunidade britânica no Rio da Prata era mais volumosa pelos negócios do que propriamente pela quantidade de imigrantes, ao menos em comparação à Europa latina. Mas já propiciava a prática do football cerca de noventa anos antes do início do reinado de Elizabeth II. O Futebol Portenho já contou em diferentes Especiais diversos desdobramentos dessa relação, que vale ser compilada neste, a ampliar essa nota publicada nos cinquenta anos da Copa de 1966.

Introdução

O intercâmbio já remontava muito tempo antes do football: ainda nos tempos coloniais, diversos líderes da independência argentina reuniam-se em Londres na loja maçônica Lautaro – e não poucos dos jogadores dos primórdios boleiros na Argentina era maçons, inclusive. Já em 1867 era criado na Argentina o primeiro clube das Américas expressamente voltado ao esporte bretão: o Buenos Aires FC. Eram tempos em que football também poderia designar o rúgbi, que logo virou o foco principal do BAFC, atual Buenos Aires Cricket & Rugby Club, ainda ativo na bola oval.

No mesmo 1867, nascia o Rosario Athletic, a igualmente voltar-se ao rúgbi com o tempo e nacionalizar-se para Atlético del Rosario. Algo muito similar ocorreria com o Córdoba Athletic, fundado em 1882 e ainda ativo nesse outro esporte bretão, mas ausente desde 1914 do futebol competitivo. O Buenos Aires FC, por sua vez, ainda competiu na edição inaugural do campeonato argentino, encerrado juntamente com as edições inaugurais das ligas escocesa e irlandesa, ambas iniciadas com a temporada 1890-91. Concentrado em times da Grande Buenos Aires, o certame teve representantes dessas três nações.

O lanterna Hurlingham vinha do município de mesmo nome, assim denominado em função da comunidade irlandesa localmente instalada. O pioneiro BAFC foi vice-lanterna. Já os dois líderes tinham claras influências escocesas: Old Caledonians e St. Andrew’s, cuja camisa é ocasionalmente relembrada em mantos reservas do Independiente. A associação da época não conseguiu sustentar uma edição para 1892 e extinguiu-se, com a atual AFA se declarando herdeira da associação criada em 1893. Desde então, o campeonato argentino é continuamente realizado, ainda que sob válida crítica de ser virtualmente um torneio municipal com alguns convidados – tamanha a concentração na capital federal. Um desses convidados foi o Rosario Athletic, vice-campeão em 1894, mas logo restrito à sua própria liga municipal.

Alumni de 1910 e a estreia da camisa alviceleste na seleção em 1908, com Arnoldo Watson Hutton e vários da família Brown (Alfredo, Jorge, Juan, Ernesto e Eliseo. Faltou Carlos)

Ele logo ganhou vizinhos por lá: tendo no escocês Colin Bain Calder o seu primeiro presidente, o Rosario Central remonta suas origens ainda a 1889 e somente nos anos 1900 aceitou usar a língua castelhana em seus estatutos. O Newell’s Old Boys, como sugerido no nome, nasceu como uma agremiação de veteranos do colégio fundado pelo inglês Isaac Newell. A origem ferroviária do Central seria partilhada com a terceira força rosarina, o Central Córdoba – nome da ferrovia britânica que germinaria um clube de igual nome em Santiago del Estero e duas instituições poderosas em Córdoba: o Talleres surgiu de empregados das oficinas (tendo em um Tomás Lawson o seu fundador) enquanto o Instituto, do pessoal encarregado da tração.

Em paralelo, a saída em 1914 do pioneiro Córdoba Athletic do futebol levou dissidentes como Herbert Williams e Walter Williams a criarem o General Paz Juniors, a usar as cores das seleções inglesa e escocesa. Elas também foram adotadas pelo Quilmes, autodenominado o decano do futebol argentino por manter-se em atividade supostamente desde 1887: fato é que o título dele em 1912 foi o último da “era britânica” do campeonato argentino, a respingar sua influência até em clubes fundados por latinos – desde a escolha do inglês pelos fundadores da dupla Boca Juniors e River Plate ao All Boys; ao engenheiro ferroviário Edward Banfield ser homenageado com uma cidade levando seu nome e esta, por sua vez, originar o Banfield; ou a um jurista de origem irlandesa feito Dalmacio Vélez Sarsfield ser homenageado com uma estação ferroviária que servia de ponto de encontro aos fundadores velezanos, ferrovia esta que, por sua vez, germinou o Ferro Carril Oeste.

Escócia

A “era britânica”, na realidade, foi fundamentalmente escocesa, tal como a Escócia tinha a seleção mais proeminente nos primórdios do futebol – acumulando tanta “gordura” no clássico com a Inglaterra naquele período inicial que ainda conseguia ter mais vitórias do que derrotas no duelo até os anos 80. Por liderar a formulação do campeonato de 1893, o imigrante escocês Alexander Watson Hutton é considerado “o pai do futebol argentino”. Ao longo daquela década, os escoceses William Leslie e Willie Stirling, integrantes do bicho-papão Lomas Athletic, foram artilheiros do campeonato.

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A primeira camisa do Independiente e as origens relembradas nos anos 60, 70 (Intercontinental 1972, contra o Ajax), 80 e 90 (Supercopa 1995, contra o Flamengo)

A força dominante seguinte foi o Alumni, clube oriundo da escola fundada por Watson Hutton. Filho dele, Arnoldo Watson Hutton chegaria à seleção argentina por méritos próprios, como goleador recorrente de um clube dez vezes campeão argentino. 111 anos se passaram desde a última dessas conquistas e ainda assim apenas os cinco grandes superaram as dez conquistas do Alumni, cujo uniforme inspiraria notadamente o Estudiantes e o Instituto de Córdoba e, indiretamente, até o da seleção uruguaia. Mas a família mais ligada ao Alumni foi a dos Brown, que teve cinco irmãos e um primo integrando a primeira década e meia da Albiceleste.

Esses seis Brown eram netos de um James Brown a imigrar da Escócia ainda em 1825. Alguns deles foram reforços de luxo ao Quilmes campeão de 1912 e um deles, Juan Brown, ainda é o recordista de partidas na seleção argentina como cervecero, tendo até participado da edição inaugural da Copa América (em 1916). Outro recorde ainda pertencente à família é o de títulos argentinos: Ernesto Brown ganhou onze, os dez do Alumni somado àquele do Quilmes. Tinha apenas 15 anos no primeiro e por décadas foi também o mais jovem estreante na seleção, marca que apenas um tal de Maradona lhe superou. As quatro artilharias de Eliseo Brown também eram outro recorde que somente Dieguito, com cinco, superou. Carlos Brown ficou menos lembrado, mas foi sondado a profissionalizar-se na Grã-Bretanha quando foi estudar nas ilhas, trinta anos antes do profissionalismo ser aceito na própria Argentina.

Alfredo e Jorge Brown também foram em dado momentos artilheiros do campeonato argentino e este, precisamente, foi o primeiro jogador-símbolo da seleção. Mas, a partir dos anos 10, o campeonato argentino se latinizou e foi deixando para trás tempos de jogadores com sobrenomes típicos escoceses, como os de Carlos Buchanan, Walter Buchanan, Guillermo Ross (todos do Alumni), Colin Campbell (Estudiantes de Buenos Aires), Roberto Cochrane (Tiro Federal), Arturo Forrester (Belgrano Athletic, o rival do Alumni), Cándido Maccoubrey (Sportivo Barracas) e Juan Murray (Quilmes), todos usados pela seleção até os anos 20. O zagueiro Eleuterio Forrester, dos anos 30 e grande ídolo do Vélez, foi outro daqueles primeiros tempos.

Maradona enfileirando a Escócia na tarde em que marcou seu primeiro gol oficial pela seleção, em um 3-1 dentro de Glasgow em 1979

Em 1918, o fim da Primeira Guerra Mundial inspirou o nome do Douglas Haig, campeão da 3ª divisão em 2010. Douglas Haig era um marechal escocês líder das tropas britânicas. Nos anos 40, o Boca teve o zagueiro Luis Laidlaw, que passaria pelo Botafogo, sem êxito duradouro em ambos. Já ex-jogador, Jorge Brown lamentava em 1921 à revista El Gráfico: “o futebol que eu cultivei era uma real demonstração de dureza e energia. Um jogo mais brusco, porém viril, bonito, vigoroso. O futebol moderno está enfraquecido por um excesso de passes próximo ao gol. É um jogo que está mais fino, talvez mais artístico, até aparentemente mais inteligente, mas perdeu seu entusiasmo primitivo. É importante manter em mente que o futebol não é um esporte delicado… é um jogo violento e forte”.

Outra declaração dele, com uma linha também elitista, foi dada à revista Caras & Caretas nos anos 30: “no meu tempo, o jogo era um esporte para pessoas cultas. Que se pode fazer para que o futebol se jogue como se jogava antigamente? Não há nada a se fazer… os cavalheiros que em meu tempo haviam jogado futebol hoje jogam o polo ou o rúgbi. Meus filhos jogam o rúgbi e o polo, mas eu, vendo a difusão que está tomando o rúgbi, lhes advirto: ‘tenham cuidado, muchachos; tratem de fazer que o rúgbi não se torne demasiado popular porque senão…”. A bola oval passou a ser o novo foco do Alumni também, revivendo nela os clássicos com o Belgrano Athletic, único clube que lhe fazia frente nos anos 1900, quando foi três vezes campeão.

A Argentina já enfrentou quatro vezes a Escócia, primeiramente em um 1-1 em La Bombonera em 18 de junho de 1977. Ela se tornou uma adversária especial a Maradona: o primeiro gol oficial de Diego foi em um 3-1 em pleno Hampden Park, em 1979. Foi o mesmo palco dos duelos seguintes: triunfo escocês de 1-0 em 28 de março de 1990, oficialmente a última partida da carreira de Jorge Valdano; e vitória dos hermanos por 1-0 em 19 de novembro de 2008, na ocasião em que Maradona estreou como técnico da seleção. O sucesso de Claudio Caniggia com o Rangers o fez ser relembrado pela seleção em 2002; Cani ainda é o único a defende-la proveniente de alguma equipe escocesa, como já destacado nesse outro Especial sobre a terra do uísque.

Irlanda (do Norte)

Uma cisão no campeonato argentino fez com que entre 1912 e 1914 houvessem ligas separadas, cujos títulos viriam a ser ambos oficializados com a reunificação em 1915. Em 1913, pela primeira vez ambos ficaram com equipes latinas, o Racing e o Estudiantes. O Racing repetiu a dose na sua liga em 1914, mas na outra o vencedor foi o Porteño, oriundo da comunidade irlandesa – fora criado ainda em 1895 por jovens de sobrenomes O’Farrell, Gahan, Kenny, Cavanagh, Geoghegan, Feliberg, Tyrrel, Dogerthy, Aneil, Rath, Bowes, MacLean e Dillon.

O veterano Ángel Labruna enfrentando a Irlanda do Norte na Copa do Mundo de 1958: ainda é o mais velho jogador aproveitado pela Argentina

Foi o epílogo da era britânica: o Porteño, com três representantes (todos já latinos) no primeiro Brasil x Argentina da história, ainda subsistiu ao longo dos anos 20 mas, como o grosso dos seus congêneres, também voltou-se ao rúgbi. A influência irlandesa, tal como a escocesa, já se limitava basicamente aos anos 1900, quando o imigrante Paddy Mac Carthy era um guru dos fundadores do Boca Juniors e quando a Albiceleste ainda contava volante Eduardo Duggan, o zagueiro Martín Murphy (ambos do Belgrano Athletic) e o centromédio Patricio Browne (Alumni), um dos fundadores do Rotary Club de Buenos Aires.

Nos anos 20, a maior parte da Irlanda teve sua independência reconhecida; desde então, os jogadores de origem na ilha esmeralda mais proeminente foram a lenda Alfredo Di Stéfano (por parte da mãe, de sobrenome Gilmont), o zagueiro José Luis Brown (talismã na final da Copa de 1986) e a família Mac Allister: ídolo de Argentinos Jrs e Boca, o lateral Carlos quase foi à Copa de 1994. Três filhos dele se profissionalizaram no mesmo Argentinos Jrs – Alexis, Kevin e Francis. Os dois primeiros também passaram pelo Boca e o primeiro, atualmente no Brighton, conseguiu chegar à seleção também.

Considerado o pai da Marinha argentina, o imigrante irlandês William “Guillermo” Brown é atualmente homenageado em até três tradicionais clubes das divisões de acesso: o Guillermo Brown, o Almirante Brown e o Brown de Adrogué. O único duelo entre Argentina e Irlanda do Norte se deu na Copa do Mundo de 1958: vitória por 3-1 em 11 de junho (em Halmstad) da Albiceleste, mas ironicamente os adversários acabariam se classificando ao fim da fase de grupos. Ainda houve um amistoso não-oficial dela com o clube norte-irlandês Linfield em 3 de abril de 1990. Na vitória em Belfast por 1-0, Jorge Valdano entrou pela última vez em campo, antes de terminar cortado da Copa do Mundo. Já contamos nesse outro Especial os duelos contra outras seleções irlandesas, tanto a da República independente como na rivalidade contra a equipe unificada que a ilha tem no rúgbi.

País de Gales

A herança galesa se deu mais indiretamente, nos nomes de algumas cidades, especialmente na Patagônia, já representadas na pirâmide do futebol argentino: o Guillermo Brown é de Puerto Madryn, e a cidade de Trelew viu o Independiente local (há um Racing também) figurar no Torneio Nacional de 1972. Duas vezes a Argentina enfrentou o País de Gales: vitória de 1-0 em 3 de junho de 1992 pela amistosa Copa Kirin, no Japão; e 1-1 em 13 de fevereiro de 2002 em Cardiff, em amistoso marcado por Marcelo Bielsa ter desenterrado Claudio Caniggia.

Observado por Ryan Giggs, Caniggia voltou à seleção nesse amistoso pré-Copa em 2002 contra o País de Gales em Cardiff

A Albiceleste só teve até hoje um jogador de sobrenome tipicamente galês, Harold Lloyd (do Quilmes, em 1909), mas ele próprio nascera na Inglaterra – inegavelmente a terra de origem do grosso dos principais atletas de origem anglo-saxã do futebol argentino. Já o zagueiro Federico Fernández é o único que a seleção importou de um clube do principado, na derrota em Pequim para o Brasil em 11 de outubro de 2014; Fede estava recém-chegado ao Swansea City.

Inglaterra

O pai da seleção argentina foi James Oswald Anderson. Jogava futebol no Lomas (foi artilheiro do campeonato de 1896) e rúgbi no Buenos Aires FC (foi o terceiro presidente da federação argentina deste esporte). Selecionou os jogadores para encontros em 1901 e 1902 contra os uruguaios – a AFA considera o jogo de 1901 o primeiro da seleção, mas para a FIFA vale o de 1902. Um dos selecionados em 1901 foi o volante Harold Ratcliff, do Belgrano Athletic. Nascera em Essex e jogaria outra vez em 1908, na estreia oficial da camisa alviceleste.

Já um dos selecionados descendente de ingleses foi Carlos Dickinson, ponta-esquerda do Belgrano Athletic. Seu irmão, Alfredo Dickinson, jogava no rival Alumni e também defenderia a seleção. Dedicaram-se depois ao agronegócio, chegando a ter terras no Brasil (Alfredo faleceu em Santos, em 1971). Outro irmão, Tomás Dickinson, esteve no encontro não-unânime de 1901.

Em 1906, o ponta-esquerda Wilfred Stocks, natural de Nottingham e jogador do Belgrano Athletic, jogou uma vez pela Argentina, no 2-1 contra o Uruguai. Era maçom. Em 1911, o volante Lionel Peel Yates, do Alumni e também vindo da Inglaterra, jogou três encontros contra o Uruguai, assim como Cirilo Russ, também imigrante, do Quilmes.

Naqueles primórdios sem padrão FIFA, houve quem jogasse pela seleção argentina após defender outra seleção. Foi o caso de Harold Henman, nascido em Oxford e que em 1906 se fincou na Argentina após enfrentá-la pela forte seleção sul-africana da época (saiba mais). Este ponta-direita juntou-se ao Alumni e jogou em um 2-1 dos hermanos sobre o Uruguai. Foi o caso também do centroavante Sidney Buck, em 1912, ano em que foi campeão pelo Quilmes. Seu lugar de nascimento era incerto, mas foi na Europa e era descendente de britânicos. É o único que defendeu tanto a seleção argentina como a uruguaia (era ex-jogador do Montevideo Wanderers).

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Ratcliff, nascido em Essex, na estreia da camisa alviceleste da seleção. Os irmãos Harry e Ennis Hayes, máximos artilheiros do Rosario Central. Brookes pela seleção em 1959

Também nos anos 10, jogaram os irmãos Ennis e Harry Hayes, descendentes de ingleses. Eram ambos do Rosario Central e empregados da ferrovia que originou os canallas. São até hoje os maiores artilheiros do clube e estiveram ambos na primeira Copa América, há cem anos. Falamos aqui do sóbrio Harry e aqui do bad boy Ennis. Desde então, mais dois jogadores com origens comprovadamente ingleses se destacaram: Roberto Brookes, veloz ponta-esquerda, era apelidado de El Inglés e era filho de um imigrante de Liverpool contador de empresa petrolífera. Esteve na seleção argentina (campeão da Copa América em 1959) mesmo jogando na segunda divisão pelo Chacarita.

Já Daniel Willington tinha origens distantes, com fenótipo mais indígena do que anglo-saxão. Bisneto de um inglês, esse armador foi o grande craque do primeiro título argentino do Vélez, em 1968. Consagrou-se também no futebol cordobês: formado no Talleres, esteve na estreia nacional do Instituto em 1973, ao lado de Kempes e Ardiles. Voltou ao Talleres e brilhou na primeira grande campanha nacional de La T, o 4º lugar em 1974. Ganhou pela seleção na Copa das Nações de 1964.

Neto de ingleses, Carlos Babington quase foi aproveitado ainda em 1972 pelo Stoke City em tempos em que a liga local era fechada a estrangeiros não-residentes das Ilhas Britânicas e o negócio só não se concretizou exatamente porque o Foreign Office não encontrou a papelada comprobatória da ancestralidade. Melhor ao Huracán: El Inglés seria no ano seguinte um dos pilares do meio-campo no único título argentino que o clube ganhou desde 1928 e iria à Copa do Mundo de 1974. Também venceu com o Globito a segunda divisão, no papel de técnico, em 1990 e em 2000. Mas manchou-se no time como um presidente discutível. Falamos dele nesse outro Especial.

Os jogadores abaixo, por sua vez, têm sobrenomes ingleses, mas não identificamos a origem. Sua presença é meramente especulativa:

F. Archer, James Gifford, T.F. Allen, Percy Hooton, Spencer Leonard, Herbert DorningErnesto Lett e J. Clarcke: artilheiros do campeonato argentino, respectivamente em 1891 (por Buenos Aires-Rosario Railways); 1894 (Flores Athletic); 1896 (Flores Athletic) e 1898 (Lanús Athletic); 1899 (Belgrano Athletic) e 1906 (Quilmes); 1900 (English High School); 1901 (Belgrano Athletic); 1911 (Alumni); e 1922 (Sportivo Palermo).

Edward Morgan: ponta-direita do Quilmes, esteve no jogo de 1902 da seleção, marcando um dos gols da vitória por 6-0 sobre o Uruguai.

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Willington no Talleres. O goleiro Howard em 1903. E os irmãos Alberto (em pé, à direita) e Arturo Penney (sentado) no Boca de 1906 – esta era a camisa do clube na época

Eugenio e Juan José Moore: Eugenio Moore era ponta-esquerda e Juan José, meia-direita. Eram do multicampeão Alumni. Pela Argentina, Eugenio esteve naquele jogo de 1902 e Juan José estreou no seguinte, em 1903. Foram por mais de cem anos os únicos gêmeos na seleção principal, até serem igualados recentemente pelos irmãos Funes Mori (falamos aqui). Eram ambos maçons.

Jorge Howard: filho de um almirante da Guerra do Paraguai, também foi militar. Atuava no Belgrano Athletic e jogou uma vez pela seleção, em 1903, na primeira derrota dela. Esse goleiro tinha só 17 anos. Em 1906, na excursão do Nottingham Forest pela Argentina, jogou pela equipe inglesa contra o combinado rosarino. Era maçom.

Carlos Lett: meia-esquerda do Alumni, jogou pela seleção em 1905 (ano em que foi artilheiro do campeonato) e em 1911. Era maçom e lutou nas tropas reais de Sua Majestade na Primeira Guerra Mundial, sendo condecorado por bravura pela batalha de Galípoli.

Juan Rodman e Ricardo Coulthurst: ambos do Quilmes. Rodman era volante do Quilmes e jogou uma vez pela Argentina, em 1905. Coulthurst, que era maçom, era goleiro e também jogou uma vez pela seleção, em 1906.

Alberto e Arturo Penney: irmãos dos primórdios do Boca, estiveram no primeiro título do clube, a liga central de 1906. Alberto também defenderia o River, em 1912.

Haroldo Grant e Juan Wood: ambos volantes do Belgrano Athletic. O vigoroso Grant jogou pela seleção entre 1907-11. Era maçom. Wood jogou uma vez, também em 1907.

Arturo Jacobs: volante que jogou pela seleção vindo tanto do Belgrano Athletic como do rival Alumni, entre 1907-13. Antes do primeiro gol olímpico oficial (do argentino Cesáreo Onzari, em 1924), ele já havia feito praticamente um, mas contando com o desvio do goleiro uruguaio em 1907 – foi em sua estreia pela seleção e esse foi seu único gol pela Argentina.

Carlos Tomás Wilson: goleiro do San Isidro, outro clube que se voltou ao rúgbi, é quem mais o representou na seleção de futebol. Estreou nela com só 18 anos, em 1907, e defendeu a Argentina por nove anos. Descrito como elástico e atento.

Henry Lawrie: artilheiro do campeonato de 1906 pelo já decadente Lomas Athletic, jogou pela seleção de 1909-11 vindo do poderoso Alumni. Também sabia jogar bem na defesa.

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Carlos Tomás Wilson na estreia da camisa alviceleste (goleiros não tinham uniforme diferente, na época). Dannaher no Huracán e Simmons no River de 1920

Charles Whaley: seu lugar de nascimento é incerto e seu apelido era El Sudafricano. Mas jogou pelo combinado argentino contra a própria África do Sul em 1906 (ano em que foi artilheiro do campeonato). Pela seleção, atuou uma vez, em 1907. Era o centroavante do Belgrano Athletic.

Carlos Pearson: goleiro do Quilmes campeão de 1912, jogou naquele ano uma vez pela Argentina.

Guillermo Dannaher: potente centroavante, outro apelidado de El Inglés, embora nascido em Bahía Blanca. Jogou pela seleção entre 1912-14, vindo do Tiro Federal de Rosario e do Argentino de Quilmes, pelo qual foi artilheiro do campeonato em 1913. Também brilhou no Huracán, sendo artilheiro e campeão do primeiro título argentino do clube, em 1921, marcando os dois gols na partida que garantiu a taça, os 2-0 sobre o Boca. Teve fim trágico, apunhalado em briga de bar ainda em 1927.

Juan Johnston: volante que jogou uma vez pela seleção, em 1912, quando ela empregou de uma vez quatro jogadores do Argentino de Quilmes (como Dannaher), clube de Johnston.

Juan Rogers: clássico ponta veloz, jogou pela Argentina de 1912-13, vindo do Provincial de Rosario.

Ángel Mallen: rústico defensor do já decadente Belgrano Athletic, jogou quatro vezes pela seleção em 1913.

Heriberto Simmons: um dos primeiros jogadores do River na seleção. Era um defensor que ocasionalmente se aventurava no ataque, algo incomum na época. Jogou pela seleção de 1913-16 e esteve no primeiro título argentino do River, em 1920.

Juan José e Pedro Rithner: eram irmãos. O goleiro Juan José Rithner é quem mais defendeu a Argentina vindo do Porteño, entre 1910-16, incluindo a primeira Copa Roca, contra o Brasil, participando também da primeira Copa América. Também apitou um jogo da Argentina, em 1919. O meia Pedro Rithner jogou uma vez pela Argentina, em 1914, sendo o único jogador do Baradero nela.

Babington na Copa de 1974, o goleiro Gay com a Libertadores de 1974 e Mario Killer
Babington na Copa de 1974. O goleiro Gay com a Libertadores de 1974, sobre o São Paulo. E Mario Killer (apelidado de “El Colorado” por ser ruivo) no Rosario Central

Edwin Clarcke: centroavante forte e certeiro que pela seleção jogou vindo do Porteño e do extinto Sportivo Palermo, jogou a Copa América de 1919.

Luis Cilley: volante que também se dedicava ao rúgbi, jogou uma vez pela Argentina, vindo do San Isidro, em 1919 – clube que naquele período decaía no futebol (abandonaria-o nos anos 30) enquanto era treze vezes seguidas campeão da bola oval. Vários outros Cilley se tornaram proeminentes neste esporte e um deles, José Cilley, foi o pontuador máximo da Argentina na Copa do Mundo de 1995.

Santiago Power: centromédio do Sportivo Dock Sud que jogou três vezes pela Argentina em 1922.

Federico Wilde: sua única aparição pela seleção foi no único jogo da Argentina na Copa do Mundo de 1934, na qual só amadores foram convocados. Wilde era meia-direita do Unión de Santa Fe.

Carlos Armando Wilson: zagueiro duro do sumido Talleres de Remedios de Escalada (outro time de uniforme inspirado no Alumni), jogou pela seleção a Copa América de 1935. Também passou pelo Boca. Era maçom.

Juan Carlos Colman: zagueiro duro de Newell’s e Boca, era por isso apelidado de Comisario. Titular na vitoriosa Copa América de 1947, esteve no primeiro amistoso da Argentina em Wembley, contra o English Team, em 1951.

Federico Edwards: estereótipo do xerife, era um lateral-esquerdo duro que se encarregava de cobrar faltas e pênaltis. Colega de Colman no Boca dos anos 50 e esteve na Copa do Mundo de 1958, mas jamais entrou em campo oficialmente pela Argentina.

Carlos Colman: sem parentesco com Juan Carlos, era o clássico volante armador argentino, bastante técnico mas lento. Esteve no Rosario Central campeão duas vezes entre 1971-73 e jogou uma vez pela seleção, em 1972.

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Seleção de 1978. Baley é o goleiro de camisa roxa. Daniel Killer é o último da fileira do meio. Houseman é o quinto sentado

René Houseman: colega de Babington naquele Huracán (entenda a importância daquele time clicando aqui), chegou a ser o recordista de jogos da seleção argentina. Comparado a Garrincha pelas diabruras na ponta-direita e pelo vício em álcool, El Loco, destaque solitário na Copa do Mundo de 1974, ganhou, já decadente, a de 1978, marcando nos 6-0 sobre a Polônia. Como Willington, já tinha mais fenótipo indígena. E seu sobrenome era narrado à maneira espanhola, “Ôusseman”. Lhe dedicamos este outro Especial.

Daniel e Mario Killer: os antepassados Killer desses irmãos seriam suíços, mas vale a menção. Foram ambos jogadores brucutus do setor defensivo do Rosario Central campeão em 1971 e 1973. Eram irmãos e ambos estiveram na Copa América de 1975, na qual Daniel Killer tornou-se o único zagueiro da seleção a marcar três vezes em um só jogo. Mario foi jogar na Europa e sumiu do radar (efeito que isso tinha na época), mas Daniel, já no Racing, foi convocado à Copa de 1978. Ambos defenderiam também o Newell’s e Mario chegou a ser capitão do Independiente.

Héctor Baley: goleiro conhecido no exterior como um raro negro (na verdade, mulato) na seleção argentina, El Chocolate destacou-se por Colón, Huracán e Talleres após ser um reserva ainda anônimo no Estudiantes tricampeão da Libertadores em fins dos anos 60. Em 1978, foi campeão da Copa como foi reserva de Ubaldo Fillol e do torneio nacional pelo Independiente. Falamos dele aqui. Como Houseman, colega de Huracán e seleção, o sobrenome era narrado à espanhola: “Balêi”.

Carlos Gay: goleiro multicampeão de Libertadores pelo Independiente nos anos 70, ainda que tenha sido titular só na taça de 1974. Mas foi decisivo: pegou um pênalti na finalíssima com o São Paulo. Também se notabilizou como raríssimo a defender quatro dos cinco grandes argentinos, com passagens rápidas por San Lorenzo em 1978, Racing em 1981 e River em 1984 – virando a casaca também ao defender de 1985 e 1987 o Huracán, tradicional rival sanlorencista. Outro a ter o sobrenome narrado sob leitura castelhana: “Gái” e não “Guêi”. Já dedicamos a ele este outro Especial.

Mais numerosos foram também os duelos entre as seleções de Argentina e Inglaterra, que até 1953 ficou invicta em casa contra seleções de fora das Ilhas Britânicas. A marca foi quebrada famosamente pela Hungria de Puskás, mas quase caíra dois anos antes contra a Argentina ainda repleta de craques de seus dourados anos 40, a exemplo de um Ángel Labruna já veterano. O grande nome do encontro foi o goleiro Miguel Rugilo, apelidado de León de Wembley por sua exibição e mais tarde breve jogador palmeirense. O bombardeiro Mario Boyé abriu cedo o placar em 9 de maio de 1951, mas nos onze minutos finais os súditos de um ainda vivo Rei Jorge VI arrancaram a virada.

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Duas imagens diferentes com o gol de Grillo na Inglaterra em 1953

Há uma discrepância entre as duas federações. A data de 14 de maio virou “o dia do jogador argentino” por causa da vitória por 1-0 em 1953, simbolizada por golaço do craque Ernesto Grillo driblando a defesa adversária antes de concluir sem ângulo, coroando outro fator notável: todo o quinteto ofensivo da Albiceleste era de um só clube, o Independiente, Grillo incluso. Os ingleses, ainda sem serem sacolejados pelos húngaros (a famosa derrota para os magiares viria em novembro daquele ano), nunca aceitaram isso e alegam um caráter não-oficial daquele evento, para o qual teriam utilizado uma seleção B. Coincidência ou não, reconhecem um 0-0 ocorrido três dias mais tarde no mesmo Monumental de Núñez, para o qual usaram seis novos jogadores. Elizabeth II, embora já no trono desde 1952, seria cerimonialmente coroada dali a alguns dias, em 2 de junho de 1953.

Depois das pelejas de 1953, um primeiro duelo por Copa do Mundo, em 2 de junho de 1962: em Rancágua, José Sanfilippo (futuro jogador de Bangu e Bahia e ainda o maior artilheiro do San Lorenzo) só conseguiu descontar, já a nove minutos do fim, nos 3-1 que praticamente eliminaram a Albiceleste ainda na fase de grupos. O Maracanã, recebendo apenas 15 mil pessoas, viu uma Argentina dada como azarona vencer por 1-0 (gol de Ángel Rojas) e sagrar-se campeã da Copa das Nações em 6 de junho de 1964, evento que celebrava os 50 anos da CBD, e principal feito internacional dos hermanos até 1978. Então veio o famoso pega de 23 de junho de 1966, quando o triunfo inglês por 1-0 nas quartas-de-final em Wembley ficou permeado pela polêmica expulsão do capitão argentino Antonio Rattín.

Wembley também viu uma primeira aparição consagradora de Mario Kempes pela seleção: El Matador anotou os dois gols que igualaram um 2-0 abertos pela equipe da casa em amistoso travado em 22 de maio de 1974. La Bombonera recebeu outro amistoso, em 12 de junho de 1977, com gols limitados aos 15 primeiros minutos, momento em que Daniel Bertoni igualou. Ausentes das Copas de 1974 e de 1978, os Three Lions demonstraram força em Wembley em 13 de maio de 1980: Daniel Passarella descontou rapidamente para 2-1, mas o craque Kevin Keegan anotou o terceiro e teve sua camisa guardada por Maradona, em tempos pré-Malvinas – é ainda nesse contexto que Diego confraternizou com camisa britânica junto ao Queen, na imagem que abre essa matéria. E que outros argentinos conquistavam outros ingleses.

Antes do entrevero com Beckham em 1998, Simeone já exibia cinismo contra Lineker em 1991. Os outros argentinos são Antonio Mohamed, Ariel Boldrini (camisa 11), Fernando Gamboa, Oscar Ruggeri, Carlos Enrique (de costas), Fabián Basualdo e o talismã Darío Franco

O Tottenham Hotspur garantiu o bicampeonato da FA Cup em 1981 (a centésima edição do mais antigo torneio de clubes do mundo) e 1982 no embalo da dupla dinâmica do volantão Osvaldo Ardiles com o meia-atacante Ricardo Villa. Ossie e Ricky estiveram justamente na leva das primeiras importações em série do campeonato inglês, credenciados por terem vencido a Copa do Mundo de 1978, e mesmo com a guerra em andamento seguiram apoiados no velho White Hart Lane. Já o reencontro das seleções ficou para 22 de junho, em um Azteca que viu não só a mão mas também “a nuca” de Deus. Maradona começou a consagrar-se no Mundial do México, ofuscando que Carlos Tapia quase sossegou de vez a missão e que Julio Olarticoechea protagonizou uma sensacional ação defensiva que impediu empate inglês.

Desde então, Argentina x Inglaterra virou um clássico, a ponto de os hermanos louvarem um 2-2 em Wembley em 25 de maio de 1991 mesmo que o rival acabasse ganhando o amistoso Troféu Stanley Rous: começara perdendo de 2-0, mas acharam um empate-relâmpago com Claudio García e um Darío Franco em estado de graça naquele ano. Em 30 de junho de 1998, Saint-Étienne viu um dos melhores jogos da Copa do Mundo, consagrando o goleiro Carlos Roa na decisão por pênaltis forçada pelo empate oportunista de Javier Zanetti depois que os ingleses viraram a conta inaugurada cedo por Gabriel Batistuta.

Um 0-0 em 23 de fevereiro de 2000 em Wembley acabou esquecido no tempo diante da revanche cedo demais: em 7 de junho de 2002, Sapporo viu atuações péssimas de Verón e da arbitragem serem punidas por um Beckham em fúria no pênalti cobrado no meio do gol para começar a desmoronar a equipe de Bielsa. Por fim, Genebra viu um movimentado 3-2 em amistoso realizado em 12 de novembro de 2005: Hernán Crespo e Walter Samuel puseram duas vezes a Argentina na frente do marcador, que estava em 2-1 até os 42 minutos do segundo tempo. Sempre aceso contra os argentinos, um Michael Owen ainda em forma (além do célebre golaço em 1998, sofrera o pênalti em 2002) achou dois gols para virar o placar.

Roa voa para encaixar a cobrança de Batty e ali classificar a Argentina em 1998

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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