Jorge Jesus voltou ao Benfica, clube onde o agora ex-treinador flamenguista mais se consagrou na Europa – a ponto de os encarnados terem tolerado uma passagem pelo rival Sporting após a primeira estadia do Mister (por sua vez, ex-jogador do próprio Sporting) pelo Estádio da Luz. É um bom gatilho para lembrarmos vaivéns entre rivais já ocorridos no futebol argentino. Trata-se de um fenômeno pouquíssimo comum ao se considerar separadamente as carreiras de jogador e de treinador, mas com curiosa frequência quando as duas trajetórias se somam. Vamos aos principais nomes, considerando somente os clássicos tradicionais; ou seja, sem abranger, por exemplo, os embates do San Lorenzo contra Vélez ou Boca, também carregados de rivalidade; ou um Racing x River (duelo com bate-volta de outro ídolo na Gávea, o goleiro Ubaldo Fillol).
Boca & River
Nos primórdios, vaivéns não chegavam a ser uma raridade. Boca e River, afinal, estavam longe de protagonizar a principal rivalidade do país, sendo apenas vizinhos no bairro de La Boca, marcado pela presença de imigrantes de Gênova – que gerariam o apelido xeneize (corruptela de zeneise, “genovês” no dialeto lígure) dos auriazuis bem como as cores riverplatenses, as mesmas da bandeira genovesa. Francisco Priano vinha justamente da cidade de Colombo e integrou o River vencedor da segunda divisão em 1908. No Boca, jogou uma única partida, na segunda divisão de 1909, logo se reintegrando ao rival. Ele depois voltaria a Gênova, defendendo ali o Andrea Doria, que originaria a Sampdoria após fundir-se nos anos 40 com a Sampierdarenese.
Com a dupla já estabelecida como gigante, só um homem iria e voltaria como jogador: o ponta-esquerda Carlos Randazzo. Ironicamente, ele e toda a sua família são torcedores do River mesmo residindo no bairro de La Boca – e, ainda assim, foi como auriazul que ele teve dois ciclos. Em 2017, ele lembrou a situação: “de fato, terminava de jogar no sub-19 do Boca e meu pai me esperava no carro para ir ver o River. Em 1975, foi a quase todos os jogos, inclusive no dia em que saiu campeão no campo do Vélez fomos festejar na rua, tinha 15 anos. Era mais tranquilo do que agora. Nunca escondi nada. Não me diziam nada porque cada vez que jogava contra o River, lhe metia gols. Hoje é impossível que ocorra algo assim. Meus filhos mais velhos são do Boca, os mais jovens saíram gallinas. Com a barra do Boca sempre tive a melhor (relação), cuidavam de mim porque me conheciam do bairro, me tinham carinho, mesmo sabendo que era torcedor do River”.
Randazzo foi profissionalizado em 1978, atuando no torneio argentino quando os titulares eram poupados para a vitoriosa Libertadores daquele ano. Firmou-se a partir de 1979 e em quatro Superclásicos como xeneize, marcou dois gols. Ainda assim, em 1981 ele esteve no pacotão de jogadores que o clube emprestou ao Argentinos Jrs em troca de Maradona, e seu retorno foi desaprovado pelo técnico Vladislao Cap, que o julgava como boêmio demais. Alfredo Di Stéfano então lhe pediu ao River, que vivia desmanche em 1982 com as saídas de Kempes e Ramón Díaz no ataque. “Nos jogos, não me xingavam. Em 1983, estava no River, e quem chega como treinador? El Polaco Cap, então tive que sair. Carmelo Faraone me levou de novo ao Boca e depois assumiu El Zurdo López, que foi quem me queria sim ou sim no Argentinos”. Randazzo seguiu no Boca até o turbulento ano de 1984, prosseguindo a carreira pelo interior argentino.
Os tais Alfredo Di Stéfano e Vladislao Cap são justamente alguns dos nomes que foram e voltaram entre Boca e River se consideradas as trajetórias como treinadores. A “Flecha Loira” defendeu o Millo no fim dos anos 40, o que não impediu que assumisse o Boca em 1969 e o fizesse campeão, com um belo futebol, em pleno Superclásico dentro do Monumental (algo nunca ocorrido antes ou depois) em uma disputa direta com o ex-clube pela taça. O craque voltou a Núñez em 1981 e também foi campeão. É inclusive o único campeão argentino nos dois, feito ofuscado pela incrível carreira de jogador. Os vaivéns se completaram com uma segunda passagem como técnico do Boca, menos exitosa, em 1985.
Cap, por sua vez, foi zagueiro do River entre 1962-65. Vira-casaca também em Avellaneda (ex-zagueiro e ídolo do Racing nos anos 50, foi campeão com o Independiente em 1971), não teve problemas em assumir o Boca no primeiro semestre de 1982 e rumar diretamente ao River meses depois, sendo o único treinador a trabalhar a dupla em um mesmo ano – embora tragicamente tenha falecido ainda em 1982 em pleno cargo de treinador millonario. Seu sucessor foi José Varacka, que voltava ao clube onde fora colega de zaga de Cap anos anos 60. Entre a passagem como jogador e a de treinador, El Puchero comandou o Boca em 1972, caindo para o próprio River nas semifinais do Torneio Nacional.
Outros vaivéns: o cracaço José Manuel Moreno teve dois ciclos como jogador riverplatense entre os anos 30 e 40, embora fosse assumido torcedor boquense, virando a casaca em 1950. El Charro foi ainda treinador xeneize no fim dos anos 50 antes de um rápido retorno ao Millo em 1964 – onde chegou a ganhar de 5-1 um amistoso contra o Barcelona. Ele é o único a defender a dupla e a seleção argentina tanto como jogador como também como treinador. Outro ex-jogador do River nos anos 30, Renato Cesarini virou nos anos 40 o treinador que forjou a célebre equipe apelidada de La Máquina. Mas em 1949 El Tano apareceu no rival, sem êxito: pela primeira vez, o Boca brigou contra o rebaixamento – o que motivara a diretoria a trazer Moreno para 1950. Cesarini voltou a Núñez em 1964, substituindo o próprio Moreno. Ficou até 1966, sem resolver a seca de troféus que imperou no River entre 1957 e 1975, quando o desjejum levou o jovem Randazzo e família às ruas para festejar.
Outro símbolo millonario dos anos 40 foi o xerife Néstor Rossi, colega de Moreno e Di Stéfano no título de 1947. El Pipo teve ainda dois ciclos como técnico em Núñez, de 1961-62 e em 1974, passagem com o mérito de bancar a vinda do desconhecido Daniel Passarella. Entre elas, foi bicampeão argentino em 1965-66 deixando de vice o time de Cesarini. Naquela década, o preparador físico José D’Amico assumiu três vezes o cargo de treinador boquense, entre 1960 e 1968, intervaladas com uma passagem dele pelo River em 1967 – quando sucedera a estadia ruim de Juan Carlos Lorenzo por lá. Ex-atacante do Boca nos anos 40, Toto Lorenzo seria o treinador da Argentina nas Copas de 1962 e 1966 e voltaria à Casa Amarilla nos anos 70, eternizando-se como o comandante dos dois títulos argentinos de 1976 (incluindo um em final contra o River, a primeira da história) e das duas primeiras Libertadores vencidas pelos bosteros, no bi de 1977-78, além do primeiro Mundial (em 1978, embora válido por 1977).
Antes de eternizar-se como técnico da Argentina campeã mundial em 1978, César Menotti foi um talentoso camisa 10 que defendeu o River em um amistoso em 1964 antes de incorporar-se ao Boca em 1965, sem ser marcante. Como treinador, teve dois ciclos na Bombonera, ambos marcados por um início arrasador dando gradualmente lugar à estagnações, sem conseguir títulos; isso ocorreu em 1987 e no biênio 1993-94. Entre eles, chegou com pompa ao River para a temporada 1988-89. Mas nem um pacotão de reforços impediu um torneio decepcionante. El Flaco não se segurou e não ficou para a temporada seguinte.
Um último a fazer o vaivém foi Juan José López, talentoso meia-armador do River nos anos 70, vivenciando tanto a metade inicial da década marcada pelo jejum de 18 anos como pela vitoriosíssima metade seguinte. Sem ter o contrato renovado para 1982, ele primeiro reforçou o Talleres para em 1983 causar alarde ao reforçar o Boca – algo nunca totalmente perdoado pela antiga torcida mesmo que Jota Jota não tenha repetido como xeneize nada perto dos seus triunfos como millonario. Em 2001, a El Gráfico teorizou que haveria uma política não escrita nos bastidores do River em jamais chama-lo para treinar o clube. Mas dez anos depois El Negro teve sua chance. Só que no pior momento possível, não conseguindo evitar o rebaixamento do clube. Em seu célebre vídeo, o torcedor Tano Pasman inclusive desentala da garganta a “traição” do antigo ídolo para critica-lo.
Houve ainda o caso de Adolfo Pedernera, o ídolo de Di Stéfano em La Máquina. Nos anos 60, ele foi manager do Boca e mesmo técnico em 1967, voltando ao River como treinador dos juvenis em meados dos anos 80, assim trabalhando até o fim da vida.
Racing & Independiente
De origens francesas, o ponta Germán Vidaillac não só foi um dos fundadores do Racing como foi ele próprio quem sugerira o nome do clube, inspirado no Racing de Paris. Isso não impediu que ele rumasse ao Independiente em 1908, embora voltasse à Academia a tempo de participar do título alviceleste na segunda divisão de 1910. Mas se há alguém que personifica o vira-casaca na Argentina, é Zoilo Canavery. Uruguaio de nascença, defendeu duas vezes a seleção argentina, em 1916 – ambas contra o Uruguai natal. E além da dupla de Avellaneda, também jogou por Boca e River!
No Independiente, Canavery foi titular no elenco vice-campeão de 1912, aparecendo no Racing em meio ao recordista hepta seguido logrado pelo vizinho no decorrer da década – esteve nas conquistas de 1915 e 1916, que o levaram à seleção. Voltou ao Independiente em 1921 para participar ativamente dos dois primeiros títulos argentinos do Rojo, em 1922 e em 1926, além de ser o primeiro técnico da equipe na era profissional. Na nova era, somente outros dois tiveram peito de ir e voltar como jogadores. Néstor Clausen foi talvez o maior lateral-direito do Independiente, defendendo-o ao longo dos anos 80. Levantou o título argentino de 1983 sobre o rebaixado Racing e os últimos troféus que a torcida vermelha celebrou na Libertadores e no Mundial Interclubes, em 1984, além de participar da Copa do Mundo de 1986.
De origens suíças, Clausen foi jogar no país das raízes em 1989, voltando à Argentina como racinguista em 1994. Após uma temporada, El Negro logo voltava ao ex-clube. Ao lado de Jorge Burruchaga, Clausen foi um dos titulares de 1984 a erguer em 1995 a Supercopa diante do Flamengo, último troféu internacional do Rojo por longos quinze anos. No Racing, um dos colegas do lateral foi o meia uruguaio Marcelo Saralegui, que saiu junto de lá, mas para ser ídolo do Colón até voltar em 1999 a Avellaneda – agora, no Independiente. Ele fez diretamente a travessia inversa já em 2000, mas pouco produziu em ambos. Além da traição, a torcida racinguista não o perdoa especialmente por ter integrado o time lanterna no Apertura daquele ano.
Somando-se a carreira de jogador e treinador, José Omar Pastoriza (volante do Racing entre 1964-66 e treinador em 1981; jogador do Independiente de 1966-72 e com múltiplas passagens como técnico entre 1976 e 2004, quando faleceu exercendo o cargo) e Carlos Fren (volante vermelho de 1978-82 e técnico em 1991, em dupla com Ricardo Bochini; jogador do rival em 1982 e técnico em 1995, em dupla com Diego Maradona) foram os únicos vira-casacas nas duas funções. Ambos associaram-se muito mais ao Rojo, com Pastoriza sendo o treinador do saboroso ciclo de 1983-84.
Pedro Dellacha e Humberto Maschio, por sua vez, são mais ligados ao Racing, onde brilharam como jogadores nos anos 50 – Dellacha como volante, Maschio como meia-atacante. Maschio ainda teve um segundo ciclo entre 1966-68, ganhando em especial a Libertadores e o Mundial em 1967 por La Acadé, e foi um dos técnicos do ano de 1971. A ligação maior com o clube subsiste mesmo que ambos, ironicamente, tenham erguido a Libertadores treinando o rival: Dellacha venceu-a em 1972 e em 1975, abrindo e fechando o recordista tetra seguido do Rojo em La Copa. Ainda treinava o rival em 1976, mas os resultados ruins no torneio argentino em detrimento do enfoque internacional lhe tiraram do clube – e, ainda em 1976, fechou o ano treinando o Racing. Maschio, por sua vez, foi o treinador campeão da Libertadores de 1973, virando inclusive o primeiro homem a vencer o torneio como jogador e técnico. El Bocha voltou à Academia como espião em 1995 e como técnico-bombeiro contra a falência em 1999, em dupla com Gustavo Costas.
Pedro Marchetta foi um meia-atacante efêmero do Racing no início dos anos 60, dispensado pela boemia. Em 1989, teve uma passagem como treinador. O passado e o coração racinguista não impediram que o Independiente lhe trouxesse em 1992. No rival, fez um trabalho digno, triscando títulos que escaparam por migalhas de pontos. Voltou ao Racing em 1995, sucedendo a dupla Fren-Maradona, mas saindo no decorrer do Apertura em em que a Academia terminou vice-campeã. Curiosamente, seu sucessor no Rojo e nessa segunda passagem pela Acadé foi Miguel Ángel Brindisi. Craque nos anos 70, o então meia Brindisi foi o reforço veterano do Racing para a segunda divisão de 1984. O acesso não veio e Miguelito foi pendurar as chuteiras na Guatemala.
Como treinador, o primeiro trabalho de Brindisi a ter relevo foi levar o Barcelona de Guayaquil à final da Libertadores de 1990, a primeira do futebol equatoriano. No Independiente, conseguiu uma série de títulos entre 1994-95 com um belo futebol: Clausura 1994, encerrando meia década de jejum, Supercopa 1994 (encerrando dez anos de seca internacional) e Recopa em 1995, quando a ressaca já era evidente. E ele quase conseguiu ser campeão no mesmo ano pelo rival, catapultando o Racing estagnado sob Marchetta ao vice no Apertura 1995. Voltaria ao Independiente em 2013, como bombeiro sem êxito na luta contra o rebaixamento.
Há ainda o caso de Néstor Rambert: ponta revelado no Independiente no início dos anos 60, foi uma reserva útil no Racing campeão da Libertadores de 1967. Voltou nos anos 90 ao Rojo como técnico juvenil, sendo o primeiro treinador de Sergio Agüero no clube. Foi tio de Sebastián Rambert, atacante de destaque daquele ciclo de 1994-95 sob Brindisi.
Huracán & San Lorenzo
O vaivém considerando somente jogadores concentrou-se nos anos 60 e 70. Os meias Oscar Rossi e Alberto Rendo viraram os únicos aproveitados pela seleção argentina vindo de ambos. El Coco Rossi tivera dois ciclos no Huracán nos anos 50, reforçando em 1960 o San Lorenzo para a primeira edição da Libertadores – foi inclusive dele o primeiro gol do futebol argentino na competição, sobre o Bahia. Como azulgrana, foi à Copa de 1962. Permaneceu no rival até 1964 e, já veterano, reapareceu em 1969 no Globo. Já El Toscano Rendo foi profissionalizado pelos quemeros em 1959, sendo repassado aos vizinhos em 1965. Meia titular absoluto no primeiro elenco a vencer de forma invicta o campeonato argentino em 1968, voltou ao Huracán em 1970.
Rendo ainda teria vaivéns como técnico: assumiu em 1975 um San Lorenzo recém-campeão, mas iniciando o rápido declínio que culminaria na perda do estádio Gasómetro em 1979. Aguentou o rojão no bairro de Boedo até 1976 e ainda em 1978 estava de volta ao de Parque de los Patricios, onde conseguiu um vice no Torneio Costa del Sol, na Espanha. Atualmente, segue reempregado pelo Sanloré, como técnico infantil, sendo raríssima figura querida nos dois rivais. Em ambos, foi colega dos atacantes Héctor Veira e Narciso Doval, grandes companheiros do irreverente ataque juvenil sanlorencista apelidado de Los Carasucias, nos anos 60. Quando Los Carasucias (“Os Cara-Sujas”, gíria argentina para moleques) se converteram em Los Matadores com aquele título invicto de 1968, porém, nem El Bambino Veira e nem El Loco Doval puderam ser protagonistas
Veira já estaria àquela altura sob declínio técnico pela boemia, passando à reserva. Doval, por sua vez, estava sob longa suspensão devido ao famoso escândalo de assédio a uma aeromoça – onde seria inocente, mas aceitando pegar a culpa do real infrator por este ser casado. Mesmo sem jogar, Doval encantou o treinador azulgrana, o brasileiro Tim, que o levou ao Flamengo em 1969. Veira, em paralelo, acompanhou Rendo em 1970 ao Huracán, causando furor ao ressaltar que o Globo era o time do seu coração e ao conseguir boas exibições pela nova camisa. Sua boa média de meio gol por jogo fez o Clarín inseri-lo entre os cem maiores ídolos do centenário huracanense, em 2008. Em 2013, ele destacaria que eram tempos sadios – que lhe permitiriam, sem incidentes, jogar bilhar na sede social do Huracán na mesma noite de um jogo onde teria marcado gol pelo rival no clássico.
Foi Veira quem convenceu Doval a também vir ao Huracán em 1971, sabendo que o amigo vinha de momentâneo ostracismo no Flamengo sob o comando tirano de Yustrich. Em Parque de los Patricios, El Loco foi apenas regular, embora decisivo para os rumos do torneio argentino de 1971; veterano, ele reapareceu rapidamente em 1979 em um San Lorenzo em crise, após ter virado a casaca também no Fla-Flu. Veira, por sua vez, não demorou tanto a voltar ao Gasómetro: esteve no San Lorenzo quase campeão nacional em 1973. A heresia de ter-se declarado torcedor quemero foi superada, sobretudo, pelo trabalho como treinador cuervo. Veira é quem mais coleciona jogos e passagens no cargo, sobretudo como comandante vice em 1983 pelo time recém-campeão da segundona, do elenco semifinalista da Libertadores de 1988 e do time que encerrou no Clausura 1995 um jejum de 21 anos na elite. Mesmo que entre seus diversos ciclos no Ciclón ele tenha treinado River, Boca e Vélez. Ah: ainda como jogador, ele passou no Brasil por Palmeiras e Corinthians…
O outro vira-casaca como jogador foi o zagueiro Eduardo Sánchez, colega de Veira no San Lorenzo de 1973 antes de uma breve estadia no Huracán vice argentino de 1975. El Puchi voltou ao Ciclón em 1976. Considerando-se jogadores e treinadores, o vaivém abrange ainda Guillermo Stábile – artilheiro da era dourada huracanense, os anos 20, El Filtrador foi o técnico do time quase campeão de 1939, embora tenha no mesmo ano rumado ao rival antes de regressar em 1944 a Parque de los Patricios; Luis Monti, conhecido como único homem a jogar finais de Copa do Mundo por dois países, já tinha no currículo a participação nos primeiros títulos argentinos de Huracán (1921) e San Lorenzo (1923), voltando ao Globo como técnico em 1947; e Omar Larrosa, que foi de artilheiro do Huracán campeão de 1973 e vencedor da Copa do Mundo a rebaixado com o rival em 1981. Ele voltou ao Ducó em 1998 como treinador na luta contra o rebaixamento. A queda foi apenas retardada para 1999.
Rosario Central & Newell’s
Se desde o ano de 1984 que El Clásico Rosarino não tem vira-casacas, há mais tempo que muita rivalidade europeia de beligerância mais cultuada pelos Enzos, a frequência era relativamente comum antes de parecer algo amaldiçoado com o rebaixamento canalla vivido pelo goleiro Juan Carlos Delménico (o último doblecamiseta em Rosario). Só na virada daqueles anos 70 para os 80 houve dois episódios de ida e volta: o atacante Sergio Robles foi de opção de banco no primeiro título argentino leproso na elite, em 1974, a um carrasco frequente nos dérbis pelos rubro-negros. Só deixou o Parque Independencia rumo ao Boca, em 1979. Em 1982, ele foi contratado pelo Central, mas não passou de seis jogos e um único gol como auriazul, voltando sem obstáculos ao Ñuls em 1983.
O Central conquistou em 1971 e em 1973 seus primeiro títulos argentinos tendo no elenco os irmãos Daniel e Mario Killer, ambos aproveitados pela seleção argentina. Daniel Killer seguiu no futebol argentino e foi à Copa do Mundo de 1978, já como jogador do Racing. Mario, por sua vez, sumiu do radar ao rumar ao futebol espanhol, quando ir à Europa mais atrapalhava do que ajudava. Em 1979, ele foi repatriado pelo Newell’s, onde El Colorado (Mario era ruivo) viria a reencontrar o irmão. Mas só ele fez o bate-volta: após passar ainda pelo Independiente (curioso que os irmãos tenham ainda vestido cada um uma camisa rival em Avellaneda), regressou em 1984 ao Central. No regresso, virou colega de outro irmão, Alfredo Killer.
No amadorismo, houve o caso do ponta-direita Juan Francia, o único a jogar na seleção vindo das duas forças rosarinas. Sua primeira passagem pelo Newell’s deu-se em 1918, aos 21 anos, quando estreou pela seleção – em 15 de agosto: 0-0 com o Uruguai. Francia seguia no Ñuls em 1919, quando fez em 18 de julho sua segunda aparição pela Argentina, derrotada por 4-1 pelo Uruguai. Em 1920, já estava de volta ao Tiro Federal, seu clube de origem, chegando inclusive a ser detido após trocar sopapos com o Newell’s, convivendo com a fama de jogador temperamental por um bom tempo. Em outubro daquele ano, virou centralista, sendo empregado na ferrovia que originara o clube (denunciando o salário ruim e o trabalho pesado em 1924 à El Gráfico). Seguia auriazul à altura de 1922, quando voltou à seleção para mais seis jogos, incluindo a Copa América e a Copa Roca contra o Brasil (marcando gol na derrota de 2-1).
O vaivém operou-se em 1926, com Francia de volta à a Lepra; até marcou em 1928 um dos gols da recordada vitória de 4-0 sobre o Real Madrid. É justamente Francia quem fecha o Top 10 de goleadores rojinegros no amadorismo. Considerando-se ainda a soma com a carreira de treinador, tem-se Ángel Tulio Zof. Zagueiro do Central na virada dos anos 40 para os 50 (ganhando a segunda divisão de 1951), viraria o maior técnico canalla, tanto em jogos como em títulos e também em ciclos. Foram diversos, entre 1969 e 2006, quando promoveu o jovem Ángel Di María. Havia sido o treinador dos dois outros títulos auriazuis na elite, em 1980 e em 1987 (deixando ali o Newell’s de vice), bem como da épica Copa Conmebol de 1995.
A carreira de técnico de Zof, porém, começara no rival. Foram dois ciclos de Zof como treinador leproso, em 1965 e em 1968. Sua vitória em clássico de 1965, gol do brasileiro João Cardoso, foi por quinze anos o último triunfo leproso em dérbis dentro de Arroyito. Houve ainda o caso de César Menotti. Ídolo do Central como jogador na virada dos anos 50 para os 60, El Flaco iniciou na comissão técnica do rival sua trajetória na beira dos gramados, como assistente de Miguel Juárez, antes de começar em 1971 no Huracán a consagradora “carreira solo”. Já consagrado mundialmente, Menotti tornou-se técnico canalla em 2002, como bombeiro na luta contra o rebaixamento, deixando a base para o time 4º colocado no Clausura 2003.
Rivalidades cordobesas
Entre 1967 e 1985, existiu na Argentina o Torneio Nacional, onde os clubes do campeonato “argentino” (renomeado apropriadamente de Metropolitano por não admitir equipes fora da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe) jogavam contra os melhores times do interior. Como havia toda uma seletiva para filtrar esses clubes do país adentro, tornou-se recorrente que as equipes desclassificadas emprestassem seus craques mesmo a rivais. Se por um lado o vizinho se fortaleceria para o campeonato, por outro a equipe de origem ganharia vitrine indireta, tendo perspectiva de negociar suas joias com clubes maiores.
A liga interiorana que terminou sendo mais proeminente foi a cordobesa, a ponto de três de seus quatro grandes terminarem admitidos excepcionalmente no próprio Metropolitano por classificarem-se reiteradamente aos mata-matas do Nacional: Talleres, Instituto e o Racing de Córdoba tiveram esse reconhecimento a partir de 1980. Nada que diminuísse vaivéns. Talvez o maior ídolo tallarin, o zagueirão Luis Galván, recordista de jogos pelos alviazuis e representante deles entre os titulares da seleção de 1978, defendeu os alviazuis de 1970-82 e na temporada 1987-88. Entre os dois ciclos, teve uma aparição digna pelo Belgrano classificado aos mata-matas de 1984. Inversamente, o atacante Antonio Syeyyguil é mais associado ao Belgrano, integrando o primeiro elenco de La B a figurar no Nacional, em 1968. Reforçou o rival para 1976 e 1977, voltando neste mesmo ano bairro de Alberdi.
O atacante José Reinaldi e o ponta Carlos Guerini, ambos também aproveitados pela seleção nos anos 70, estiveram entre as raras figuras queridas de modo proporcional entre as torcidas de La B e La T. Reinaldi teve vaivéns duplos: celeste de 1968-74, foi ajudar o River a quebrar em 1975 aquele jejum e voltou a Córdoba como alviazul, sua camisa de 1976-81. Emprestado ao Belgrano no segundo semestre de 1981, voltou ao bairro Jardín em 1982 para em 1984 defender os dois rivais: acompanhou Galván no Pirata no primeiro semestre e reiniciou no segundo seu último ciclo no Matador. Guerini, por sua vez, formou-se no “quinto grande” cordobês, o General Paz Juniors, que o emprestou ao Belgrano em 1972.
El Chupete quase foi artilheiro do Nacional pelo time do bairro de Alberdi e foi então vendido ao Boca, seu trampolim ao futebol espanhol. Em 1979, deixou então o Real Madrid para juntar-se ao Talleres, permanecendo até 1983 em La T antes de juntar-se a Galván e Reinaldi naquele celebrado Belgrano de 1984. E o volante Juan José López não se limitou a fazer o vaivém entre Boca e River: antes disso, já havia rodado por Córdoba. Após uma boa passagem pelo Talleres em 1982, ganhou pelo Belgrano o título do interior em 1985. Como treinador, já havia trabalhado nos vizinhos Racing e Instituto quando retornou ao bairro de Jardín.
Em 2001, o agora treinador Jota Jota classificou o Matador pela única vez à Libertadores. E em 2004 viveu o paradoxo: em campo, o time teria se classificado à Sul-Americana, mas a participação foi brecada pelo rebaixamento, concretizado a despeito da ótima campanha, insuficiente diante do péssimo promedio – ele reviveria essa mesmíssima situação no River em 2011. Embora tenha trabalhado no Racing e no Instituto, não chegou a fazer o vaivém no clássico cordobês secundário – que nem por isso deixou de ter episódios do tipo.
Colega de Galván na seleção de 1978, o defensor Miguel Ángel Oviedo pertenceu ao Racing de 1972 a 1975, sendo no período emprestado ao Instituto estreante em 1973 no Torneio Nacional (e ao Talleres, em 1974, virando tallarin de vez a partir da segunda metade de 1975). Como treinador, Alfio Basile foi o exemplo máximo: técnico do Racing cordobês de 1978-79, ainda em 1979 levou o Instituto aos mata-matas nacionais. Em 1980, regressado ao bairro de Nueva Italia, levou La Academia à própria final do Nacional. El Coco voltou a La Gloria em 1981, ano em que a equipe do bairro de Alta Córdoba estreou no Metropolitano… para em 1982 estar novamente comandando a vez do Racing estrear no Metro.
Outros clássicos
Longe do contexto sui generis de Córdoba, as rivalidades de La Plata e de Santa Fe se aproximam mais da realidade rosarina – tanto por serem cidades em que as forças locais têm mais popularidade que Boca e River como pela dualidade e pouca frequência de ambos os times serem postulantes frequentes ao título reforçarem a importância municipal do clássico. Embora não cheguem a ponto de evitar doblecamisetas há tanto tempo como ocorre em Rosario, encontrar vaivéns é raríssimo tanto no Clásico Platense (Estudiantes x Gimnasia) como no Clásico Santafesino (Colón x Unión).
O goleiro Luis Tremonti é assim figura nada frequente nas margens do Paraná. Inclusive por ter sido campeão nos dois, em anos seguidos de redenção para ambos. Isso porque Unión e Colón só foram admitidos no campeonato argentino a partir da segunda divisão, nos anos 40, após décadas restritos à liga santafesina. O inédito acesso do Sabalero enfim veio em 1965 e em 1966 deu-se a imediata resposta do Tatengue. Presente nos dois elencos, Tremonti tornou-se mais querido no Tate, mas ainda voltou ao Colón em 1970.
Na cidade das diagonais, o exemplo mais famoso é o do meia Héctor Vargas, figurante no título do Estudiantes no Metropolitano de 1982, o primeiro troféu pincharrata desde o tri na Libertadores em 1970. Ele logo foi repassado ao Temperley no início de 1983 e no decorrer da temporada 1986-87 trocou-o pelo Gimnasia. Mas a vivência tripera foi breve; já em 1988 seguia em La Plata para um novo ciclo no Pincha, onde pendurou as chuteiras em 1991, permanecendo como assistente técnico até 1993 e como treinador/bombeiro em vão na luta contra o rebaixamento. Na nova função, virou Midas no futebol de Honduras. Também houve o caso de Humberto Zuccarelli, volante reserva do elenco alvirrubro tri na Libertadores e com passagem pelo Lobo entre 1974-75. Sua volta ao Estudiantes deu-se em dois ciclos como técnico, em 1985 e em 1991.
No Sul da Grande Buenos Aires, Norberto Raffo, vira-casaca também em Avellaneda, transitou entre Banfield e Lanús nos últimos anos de relativa amizade da dupla – pois o clássico original do Taladro se dá com o Los Andes e o do Granate, com o Talleres de Escalada. Ponta banfileño no título da segundona em 1962, dez anos depois venceu essa categoria como lanusense. Nos grenás, seria treinador do time adulto em 1975 e em 1979-80, com uma revisita aos alviverdes em 1977. Com a dupla já protagonizando El Clásico del Sur, o exemplo máximo é o do tanque uruguaio Santiago Silva. O ex-corintiano é o único campeão nos dois em títulos além das divisões de acesso: foi o homem-gol do único troféu de elite do Banfield, em 2009, e reforçou o rival na campanha da Sul-Americana de 2013, reaparecendo no Florencio Sola três anos depois.
Já no território da capital federal, há dois clássicos na luta para serem os mais expressivos abaixo de Boca & River e de Huracán & San Lorenzo. No quesito títulos, não se discute que o Clásico del Oeste levaria. O que atrapalha o duelo entre Vélez e Ferro Carril Oeste é que o encontro só foi mais aceso nos anos 80; a gritante supremacia velezana ante o pouco enfoque verdolaga no seu departamento de futebol sempre marcou outros períodos do duelo, de importância diminuída especialmente a partir dos anos 90, com a ascensão contundente do Fortín – e ainda mais com o aprisionamento do Ferro nas divisões de acesso desde 2000. Ainda assim, se pode citar a figura do goleiro Roque Marrapodi, que chegou à seleção vindo do bairro de Caballito em 1955, seguindo no ano seguinte ao de Liniers.
Marrapodi foi um digno goleiro para La V Azulada por três temporadas, conseguindo dois quinto lugares. Reapareceu no Ferro em 1960 como um raro destaque em comum na dupla, ganhando no retorno a segunda divisão em 1963. Outro nome seria o de Victorio Spinetto. Sua imagem tão atrelada ao Vélez ofusca que ele é considerado o segundo maior técnico do vizinho (abaixo só de Carlos Griguol, o único a levar a primeira divisão a Caballito), comandando-o na grande campanha nacional de 1974.
Na verdadeira casa, Don Victorio brilhara como volante nos anos 30 antes de, como treinador, desatolar em 1943 o Fortín da segunda divisão e seguir no cargo por doze anos seguidos, ciclo contínuo não igualado por outro treinador na elite. No fim da vida, foi treinador dos juvenis do clube, polindo nos anos 80 alguns dos valores que protagonizaram o vitorioso ciclo noventista. Nesse 2020, elegemos ele e não Carlos Bianchi como técnico do time velezano dos sonhos.
Em matéria de rixas verdadeiras, El Clásico del Oeste ainda ficaria abaixo de outra rivalidade portenha tradicional da primeira divisão, por mais que o Atlanta não figura nela desde o rebaixamento em 1984. Após ser vira-casaca também no Superclásico, o zagueiro Alberto Dezorzi teve peito de sê-lo também no Clásico de Villa Crespo. Em 1953, ele começou o primeiro de seus três ciclos de jogador do Atlanta, figurando em parte do título da Copa Suécia, a conquista (travada entre 1958 e 1960) mais expressiva dos Bohemios. Pelos auriazuis, também venceu a segunda divisão em 1956, tendo no ano seguinte uma breve passagem pelo Chacarita.
Em 1969, Daniel Carnevali ajudava o Atlanta a impedir o rebaixamento enquanto o Chaca vencia a elite pela única vez. O goleiro não titubeou em virar funebrero no ano seguinte e se deu bem: os tricolores foram semifinalistas do Nacional de 1970 e estiveram no pódio do Metropolitano de 1971, levando Carnevali à seleção. Ele seria o goleiro titular da Albiceleste na Copa de 1974. Já veterano, seria justamente ele o arqueiro do último elenco do Atlanta na elite, dez anos depois.
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