Primeira Divisão

Huracán x Santa Fe, que decidem hoje a Sul-Americana, têm rivalidades interligadas

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Um título continental inédito e as cores não são os únicos fatores que aproximam os finalistas da Sul-Americana. Huracán e Santa Fe são também ofuscados pelo prestígio maior de seus respectivos arquirrivais, San Lorenzo e Millonarios. O curioso é que um tem ligações históricas com o rival do outro, dando uma dose extra à natural atenção que as quatro torcidas já dariam a essa grande final.

O Millonarios já teve um dos mais fortes times do mundo, encorpado pela safra dourada que o futebol argentino teve nos anos 40. Dois líderes do Ballet Azul haviam antes passado pelo Huracán: Adolfo Pedernera e, sobretudo Alfredo Di Stéfano. Antes, ambos concorriam à posição de centroavante no River. Pedernera já era um craque consagrado desde os anos 30, a ponto do próprio Di Stéfano considerá-lo o maior jogador que assistira. O “fã” estreou no futebol em 1945, atuando apenas uma vez na campanha campeã do River. Assim, foi emprestado ao Huracán em 1946.

No bairro de Parque de los Patricios, Di Stéfano virou “A Flecha Loira”. Virou mesmo: um de seus colegas lá, Llamil Simes, já era apelidado de “Flecha” e assim o novato, para diferenciar-se, recebeu um “sobrenome” no apelido. Floresceu no Globo, chamando a atenção tanto do ex-clube, sobre quem marcou aquele que por décadas foi o gol mais rápido do futebol argentino; como também do arquirrival.

O San Lorenzo seria o campeão daquele ano, para o delírio do jovem Papa Francisco, então com dez anos de idade e que declararia ter visto todos os jogos que o clube do coração fez em casa naquela campanha. Deve ter visto então Di Stéfano brilhando: os azulgranas ganhariam o título a despeito de perderam o clássico jogado em casa, onde deu Huracán 3-2 com dois gols da revelação.

Em 1947, Pedernera foi vendido em transação recorde ao ambicioso Atlanta, permitindo que Di Stéfano voltasse com tudo ao River, campeão no embalo de seu novo artilheiro. Já Pedernera amargou um rebaixamento, mas, ainda prestigiado, acertou com o Huracán em 1948. Jogou pouco: foi o ano da longa greve que, não atendida, levou muitos astros às sedutoras cifras da liga pirata que se instalara na Colômbia. Era o início do Eldorado Colombiano e o Millonarios levou ambos e também o paraguaio Julio César Ramírez, mais um ex-huracanense.

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Di Stéfano e Pontoni: rivais no campeonato argentino, no colombiano e na seleção!

Outro craque a ir para o time azul foi o volante Néstor Rossi, do River. Nesse embalo, o Millonarios venceu cinco títulos em seis anos desde a chegada massiva de argentinos, em 1949, até 1953 – ano em que a fase áurea do Eldorado terminou, quando os clubes cafeteros se comprometeram a devolver os astros aos clubes de origem. Não foi o caso de Di Stéfano, vendido ao Real Madrid após estragar em pleno Santiago Bernabéu o aniversário de 50 anos madridistas. Mas Pedernera voltou ao Huracán, onde se aposentou, e Rossi ao River, de onde saiu em 1959 para também defender o Globo, onde pôs ordem até se aposentar em 1961.

Graças a essas estrelas, o Millonarios disparou em números de títulos colombianos e até hoje é o maior recordista nisso, mesmo ganhando só uma vez a liga no último quarto de século. Quem sofreu foram os torcedores do outro grande de Bogotá, o Santa Fe. Afinal, foi ele o primeiro campeão do Eldorado, em 1948, antes da escalada de estrangeiros. Mas o brilho implacável do arquirrival obrigou os alvirrubros a esperarem dez anos por um novo título.

Aquele Eldorado era tão atrativo que fez um jogador da seleção inglesa deixar o Manchester United para jogar no Santa Fe, hoje algo impensável. Foi o caso de Charlie Mitten. Mas craques argentinos também apareceram por lá. E ao menos dois tiveram passagem destacada no San Lorenzo: Héctor Rial e, sobretudo, René Pontoni. Rial não teve muito tempo nem títulos para se eternizar nos azulgranas, mas neles deixara meio gol por jogo (20 em 40). Ele viria a brilhar junto de Di Stéfano no Real Madrid. Ambos também foram colegas na seleção espanhola.

Já Pontoni havia sido colega de Di Stéfano pela Argentina. Acima disso, foi seu concorrente. Também centroavante, Pontoni concorria antes com Pedernera. A Argentina foi tri seguida na Copa América (algo nunca nem igualado por outra seleção) em 1945, 1946 e 1947. Ídolo de infância do Papa Francisco a ponto de ser lembrado por Sua Santidade em carta oficial apenas uma semana depois do conclave, esteve presente em todas as campanhas. A geração era tão boa que, apesar das taças virem em anos seguidos, cada uma foi vencida por uma equipe-base diferente.

Apenas cinco jogadores estiveram em todo o tri e Pontoni, autor de 19 gols em 19 jogos pela seleção, foi um deles. Foi titular na de 1945, deu lugar ao concorrente Pedernera em 1946 e começou titular na de 1947, deixando o concorrente da vez (Di Stéfano) no banco na maioria das partidas – foi nessa condição que um dos maiores craques do futebol esteve nas únicas seis partidas que fez pelo país natal. Já Pontoni, no fim da carreira, chegou a jogar na Portuguesa com Djalma Santos e Julinho Botelho.

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Pedernera e Rossi. Como Di Stéfano, também são grandes ídolos no River

O Santa Fe viveu seu período áureo entre fins dos anos 50 e início dos 70, ganhando metade de seus oito títulos nacionais entre 1958 e 1971. Teve mais embalo argentino, dessa vez de jogadores obscuros em seu próprio país. Em comum, o fato de os principais terem surgido no San Lorenzo: Osvaldo Panzutto, que jogara só três vezes no time principal de lá, ainda em 1948, como um dos juvenis usados no lugar dos profissionais grevistas; e Alberto Perazzo, aproveitado só quatro vezes, em 1955.

Perazzo foi o artilheiro do campeonato colombiano de 1961, ano em que a Libertadores também teve artilharia de um alvirrubro, Panzutto. Naquela edição, o Santa Fe chegou às semifinais (coisa que só repetiu outra vez, em 2013, quando as vacas voltaram a ser gordas), na melhor campanha do futebol colombiano até o vice do Deportivo Cali em 1978. Se o artilheiro foi Panzutto, foi Perazzo quem deu algum fôlego naquela fase, marcando nas duas semis contra a Academia do Palmeiras. Walter Perazzo, filho de Alberto, nasceu em Bogotá quando o pai brilhava por lá, em 1962. Cresceu na Argentina e nas categorias de base do San Lorenzo, onde estreou em 1979.

Perazzo filho foi o goleador de Los Camboyanos (“Os Cambojanos”), o estoico elenco sanlorencista cheio de fibra dos anos 80 em meio à falta de estádio próprio e de salários em dia. Perazzo filho integrou a melhor campanha cuerva na Libertadores até o título em 2013: as semis de 1988. A nascença colombiana e declínio de seu nível ocasionado por desentendimento com dirigentes impediram que fosse aproveitado na seleção argentina principal. Chegou a jogar e também a ser técnico das seleções de base. Antes de deslanchar no Sanloré, chegou a atuar rapidamente no Santa Fe, em 1982.

É claro que há “exceções”. Juan José Irigoyen teve bons momentos no período áureo do San Lorenzo três vezes campeão argentino entre 1972 e 1974, ainda que sem se firmar. Jogou no Millonarios e lá foi artilheiro da liga colombiana de 1979. O goleiro Raúl Navarro, que chegou a defender a seleção da Colômbia, passou sete anos no Huracán nos anos 60 e no fim da carreira integrou o Santa Fe. Outro huracanense que esteve no adversário de logo mais foi o atacante Miguel Converti, ainda que seu maior brilho tenha sido justamente no Millonarios.

Nenhum deles, porém, se equipara ao peso das “regras”. Abaixo, outros Especiais sobre alguns desses personagens:

Argentinos do Eldorado Colombiano: há 65 anos, Di Stéfano chegava lá

Recortes da carreira de Di Stéfano

Pedernera, o maestro de “La Máquina” do River

René Pontoni, ídolo do Papa

Néstor Rossi, o “Patrão da América” e do River Plate

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Rial, que jogaria com Di Stéfano no Real Madrid a na seleção espanhola; e os dois Perazzo, a cara um do outro

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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