Huracán vs. San Lorenzo: as figuras que defenderam ambos os rivais
Huracán vs. San Lorenzo de Almagro pode não ser o clássico argentino mais conhecido ou mesmo imaginado fora da Argentina. Um desavisado poderia achar que este último, considerado um dos cinco grandes do futebol argentino, preferiria vencer os demais quatro (Boca Juniors, River Plate, Racing e Independiente) em vez de nutrir rivalidade, apenas por questões geográficas, com um time que há um bom tempo não faz jus em campo ao simbólico rótulo de “sexto grande“.
Ainda assim, é este dérbi sem nome próprio o segundo mais importante da capital federal, atrás somente de Boca vs. River (já que Racing vs. Independiente é da cidade vizinha de Avellaneda). Um duelo que em 2012 esteve bem perto de chegar ao seu momento mais baixo: o San Lorenzo ter conseguido escapar na bacia das almas do rebaixamento, no último campeonato, impediu, por hora, que o clássico fosse pela primeira vez realizado na segunda divisão, onde o Huracán encontra-se desde o ano passado.
Um dos motivos para a pouca badalação externa em torno do clássico são as poucas conquistas dos dois rivais, se comparadas às dos demais grandes e mesmo de algumas equipes tidas como pequenas e que nas últimas décadas vêm colecionando razões para destronar a tradição que ainda coloca o Huracán como o sexto grande argentino (Estudiantes de La Plata, Vélez Sarsfield, Rosario Central e Newell’s Old Boys são as principais). Mais raras ainda foram as épocas em que ambos estiveram juntas em alta; no profissionalismo, isso se deu apenas no início dos anos 70.
Além disso, mesmo com o número de jogadores a terem atuado pelos dois lados não ser exatamente baixo, apenas três foram campeões pelas duas equipes na supercentenária história de ambas (iniciada, curiosamente, no mesmo ano: 1908). Jogaram em outra época áurea em comum, ainda na amadora década de 20. E um número não muito maior conseguiu o respeito das duas torcidas.
No clima para o amistoso das 15:30 deste sábado que garantiu a realização do clássico neste ano, vamos às principais figuras presentes em ambos os quadros. Curiosamente, a troca entre ambos já havia se dado por ocasião do primeiro confronto, em 1915: Federico Braña, do CASLA, havia defendido o Globo na etapa de ascenso, participando do título da segunda divisão de 1913. E Leandro Díaz pode ser o mais novo: ex-integrante da Quema vice-campeã do Clausura 2009, vem sendo sondado pelo San Lorenzo nessa janela de inverno.
Os ídolos incontestáveis
Em comum, o clássico que envolve os bairros portenhos vizinhos de Boedo (lar do San Lorenzo, por mais que há duas décadas ele se situe no de Flores) e Parque Patricios (reduto do Huracán) só teve, de realmente incondicionais, apenas dois grandes ídolos. Uma boa mostra de como realmente ficaram prestigiados pelos dois lados é que os jogadores em questão ainda são os únicos que a Argentina convocou a partir de ambos os rivais.
O primeiro foi o virtuoso meia-direita Óscar Pablo Rossi. Surgiu primeiro em Parque Patricios, onde teve dois ciclos antes de virar a casaca: debutou no clube do bairro em 1950 e lá ficou até 1959, descontado o ano de 1953, em que esteve no Racing. Bom driblador, El Coco divertia e dava espetáculo, embora por vezes sofresse críticas por um certo individualismo. Estreou pela seleção em 1956, na primeira vez em que ela venceu o Brasil no Maracanã.
Tanto era a admiração que causava que a torcida cuerva não lhe recebeu com reservas em 1960, já tratando-o como um ídolo, ajudada pelo fato de ele ter estreado já marcando um gol (em um 4 a 2 no Vélez). O arquirrival da antiga casa havia sido campeão no ano anterior, credenciando-se para ser o primeiro argentino a disputar a Taça Libertadores da América, cuja primeira edição foi em 1960. E foi de Rossi o primeiro gol do torneio, em um 3 a 0 no Bahia, em 20 de abril. Naquela edição inaugural, os azulgranas, marcados por ainda serem o único grande argentino sem Libertadores na galeria, só foram parados nas semifinais, pelo futuro vencedor Peñarol.
Rossi também fez história no San Lorenzo pelas inúmeras assistências ao goleador José Sanfilippo, e por ter aprendido a marcar seus próprios gols com freqüência após este ter rumado ao Boca Juniors, em 1963. Neste ano, o máximo artilheiro do CASLA foi o ex-quemero, com oito tentos, e sairia do clube no ano seguinte já com média de um gol a cada quatro jogos. No ínterim, foi convocado para a Copa do Mundo de 1962, onde esteve na estreia, contra a Bulgária.
Depois de passar pelo colombiano Atlético Nacional e pelo peruano Sporting Cristal, ele retornou à Argentina em 1967, para atuar no outro oriundo do bairro portenho de Almagro, o tricolor homônimo. Em 1969, aposentou-se onde havia começado, cumprindo uma terceira passagem no Huracán.
Outro que, na feliz metáfora da El Gráfico, estaria bem capacitado para mediar a rixa de infeliz crescente violência entre Huracán e San Lorenzo, é Alberto Rendo. Tal como Rossi, era um meia (armador) surgido no primeiro, para onde também retornaria após passar pelo segundo.
Debutou em 1958 no Globo, sendo colega de Rossi. Em dois anos, El Toscano já estaria defendendo a Argentina, ainda que pela seleção olímpica. E foi em outro torneio não-oficial, a Copa das Nações de 1964, que ele estreou pela principal. A conquista da competição, organizada pelo e no Brasil, foi o maior logro internacional da Albiceleste até a Copa de 1978.
Sua ida ao San Lorenzo ocorreu no ano seguinte à Copa das Nações, após uma negociação que não deu certo com um time europeu. Até então um ponta-direita, lugar já ocupado por Narciso Doval, foi ali que Rendo deslocou-se para o meio-de-campo, entendendo-se muito bem com este e os demais jovens que marcavam aquela equipe, conhecida justamente como Los Carasucias (“Os Cara-Sujas”, gíria argentina para “moleques”). Seu melhor momento, assim como o do plantel, viria em 1968.
No Metropolitano daquele ano, o San Lorenzo quebrou a escrita de levantar títulos profissionais somente a cada treze anos em grande estilo: foi o primeiro campeão invicto no profissionalismo. Rendo dividia as ações pelo meio com Roberto Telch e Victorio Cocco, municiando os avançados Pedro González, Carlos Veglio e Rodolfo Fischer. Tanto era o cartaz do Toscano que ele era o único que o técnico, o brasileiro Tim, permitiu dormir em casa em vez de concentrar-se na véspera das partidas. O desempenho de Rendo ali o fez retornar à seleção após três anos.
Ele, que ficara de fora do mundial de 1966, poderia ter ido ao de 1970 se a Argentina tivesse se classificado. Mas o Peru a eliminou em plena La Bombonera, favorecido pelo empate em 2 a 2. Foi com Rendo que os argentinos tiveram um último suspiro naquele dia: vindo da reserva, foi ele quem, aos 42 do segundo tempo empatou o placar, no que foi seu último jogo pela Albiceleste.
Apesar do título, o San Lorenzo não tardou a enfrentar uma crise, que provocou certa debandada. Rendo retornou à antiga casa em 1970. Até sua família acabou dividida pela rivalidade: os dois filhos mais velhos são torcedores da Quema, com a mais nova preferindo os azulgranas. Ele, que era torcedor da equipe em que se formou, já declarou torcer pelos dois. Já como técnico, chegou a regressar ao CASLA em 1975, mas não teve o mesmo sucesso.
Quem mais foi bem
Duas são também as outras figuras que, ainda que de forma não-unânime, podem ser incluídas dentre aquelas que conquistaram nas duas torcidas, ao menos certos segmentos delas. A primeira é uma das mais folclóricas do futebol argentino, Héctor Rodolfo Veira, que para os cuervos não apenas é uma figura incontestável: é simplesmente o maior ídolo da história da instituição, assim escolhido oficialmente em votação por ocasião do centenário, em 2008, mesmo estando longe de ser o jogador mais vitorioso deles.
Despontou ali nos anos 60, liderando aqueles Carasucias, uma espécie de Meninos da Vila em Boedo: uma equipe jovem, talentosa e irreverente. Só que os troféus não vinham. E El Bambino, artilheiro aos 18 anos do campeonato argentino em 1964, foi decaindo, em virtude de seu desleixo quanto à preparação física – lendas surgiriam no sentido de que o boêmio meia começara a ir aos treinamentos apenas para tomar sol. Quando o CASLA finalmente foi campeão, em 1968 (o primeiro invicto no profissionalismo argentino), no único campeonato que Veira venceu ali como jogador, estava já fora da equipe-base.
Ficou mais um ano lá, até o acúmulo de discussões com os dirigentes o fazerem rumar para a vizinhança, chegando juntamente com Rendo e o zagueiro Rolando Gramari. Veira, que havia sido criado em Parque Patricios, causou ainda mais furor ao declarar-se torcedor quemero. Chegou até a convencer o amigo Doval (de grande sucesso no Brasil por Flamengo e Fluminense), sua dupla nos Carasucias e nas noites portenhas, a também defender a Quema em 1971. Outro companheiro fora de campo era o pugilista Ringo Bonavena, torcedor fanático do Huracán.
Veira não foi mal no Globo (22 gols em 47 jogos), mas acabou atrapalhado pelo destino. Em 1972, quando já estava no México, seu antigo San Lorenzo conseguia tornar-se o primeiro a vencer os dois campeonatos anuais no país (Metropolitano e Nacional). Voltou para os lados do Gasómetro no ano seguinte, justamente quando o Huracán conseguiu o único título profissional da Quema. As travessuras para cima de sua carreira incluiriam uma malfadada passagem pelo Corinthians, de onde saiu em 1977 sem participar da quebra do jejum de 23 anos, pois saíra meses antes do Paulistão.
El Bambino reconstruiu sua imagem no San Lorenzo como técnico: é quem mais vezes dirigiu a equipe, pela qual teve cinco passagens na função, com seu maior momento vindo na conquista do Clausura 1995, quebrando uma seca quase igual à corintiana (21 anos). Foi sob o comando dele também que o clube mais vezes chegou perto de obter uma ainda inédita Libertadores, caindo nas semifinais de 1988 e nas quartas de 1992 para o Newell’s Old Boys. Sua última estadia no cargo foi em 2004.
Se Veira, apesar dos pesares referidos acima, é uma divindade incondicional ao menos no CASLA, Claudio Oscar Marangoni não chega a tanto em nenhum dos dois. Até porque esteve em épocas de vacas magras em ambos. Mesmo assim, foi reconhecido como um dos volantes mais elegantes que já passou pelos rivais, em publicações organizadas por historiadores de ambos, em meio ao centenário conjunto em 2008 (Huracán 100 Años, do Clarín, e o Diccionario Azulgrana).
Vindo do Chacarita Juniors, El Maranga chegou ao San Lorenzo em 1976, já dois anos depois do fim do melhor ciclo da história do clube (1968-1974). Mesmo teoricamente recuado, metia-se constantemente na área rival, e acabou sendo até o artilheiro do CASLA do técnico Alberto Rendo logo naquele ano. Mesmo ausente da Copa de 1978 – só em 1983 é que viria sua primeira convocação para a seleção -, ele atraiu o futebol inglês, que já havia levado no mesmo 1978 os campeões mundiais Osvaldo Ardiles, Ricardo Villa (ambos do Tottenham Hotspur) e Alberto Tarantini (Birmingham City).
Marangoni rumou para o Reino Unido um ano depois, onde passou uma temporada no Sunderland. Não se adaptou à terra da Rainha e, em 1980, preferiu voltar. O San Lorenzo vivia séria crise. Em 1979, não só Marangoni e também Olguín e Doval haviam sido vendidos: isto se deu ainda com o próprio estádio Gasómetro, dando início a quatorze anos sem casa própria para a instituição. Rechaçado pelos dirigentes cuervos, acertou então com o Huracán. Chegou juntamente com outro ex-sanlorencista, o ponta Oscar Ortiz.
Os ares de Parque Patricios já não tinham o frescor de meados da década anterior, mas seus habitantes ainda teriam motivos para sorrir em 1981: se o clube local obteve apenas um regular oitavo lugar no Metropolitano e não se classificou às fases decisivas do Nacional, o arquirrival passava o vexame de ser o primeiro grande a ser rebaixado (algo que o Globo só passaria a viver a partir de 1986).
Apesar dos resultados não exatamente bons do clube, a técnica que Marangoni não deixara de exibir foi reconhecida e em 1982 o Independiente o contratou (curiosamente, junto com Ortiz). Naquela década, iria compor um meio-de-campo dos mais celebrados do Rojo, junto de Ricardo Bochini, Jorge Burruchaga e Ricardo Giusti, integrando a última Libertadores e Intercontinental levantada pela equipe. Ele se sairia bem também no Boca Juniors, ao fim da década.
Os Monti
Monti é um sobrenome dos mais fortes no San Lorenzo. Alguns de seus fundadores foram os irmãos Antonio, Federico, Juan e Mario Monti. Foi de Federico a firme insistência para que o bairro de Almagro, onde eles e os demais fundadores moravam, fizesse parte do nome completo do clube, já radicado desde os primórdios no vizinho Boedo. E outros dois familiares, sem parentesco com esses, deram sequência à trajetória dos Monti. Não só no CASLA, mas também no clássico que o envolve.
Isto porque se os quatro das categorias acima conseguiram sucesso (absoluto ou relativo) nos dois rivais que se enfrentam neste sábado, por outro lado não repetiram, nem mais ninguém, o que Enrique e Luis Felipe Monti alcançaram. São estes dois dos únicos campeões por Huracán e San Lorenzo, onde são bem mais celebrados. Se for considerado apenas o campeonato argentino, só os Monti lograram o torneio por ambos.
Luis está nos anais do futebol também por outro motivo: é o único a ter jogado duas finais de Copa do Mundo por países diferentes. Ele e Atilio Demaría estiveram na delegação argentina vice de 1930 e na italiana campeã de 1934, mas só Luisito fez-se presente nas duas decisões (Demaría não participou de nenhuma). Não que se orgulhasse: na primeira, rendeu muito abaixo do esperado, abalado pela forte intimidação dos anfitriões uruguaios antes e durante o jogo; na segunda, pressionado com os colegas a vencer ou a se ver com Mussolini, quem intimidou demais os adversários foi o zagueiro, a receber ali a alcunha de El Terrible Monti pelo jogo duro.
Antes de fazer história por dois países, El Doble Ancho (“largura dupla”, em razão do físico robusto) fizera por dois bairros. Ele e Enrique integraram o Huracán campeão argentino pela primeira vez, em 1921, recém-chegados juntamente com Cesáreo Onzari (autor do primeiro gol olímpico) do pequeno General Mitre. Naquela época, haviam duas ligas, cada uma promovendo seu próprio torneio. Como os dois rivais estavam em campeonatos distintos, a rivalidade não estava tão acesa. A rixa do Globo no período era com o Boca Juniors, o principal oponente na sua liga (os demais quatro grandes faziam-se presentes na outra).
Os Monti estiveram presentes apenas na reta final, incluindo a partida que, contra o próprio Boca, garantiu a taça. E foi o lateral Enrique quem jogou mais: cinco vezes, contra quatro do irmão – ou primo, segundo outras fontes. Pouquíssimo para que pudessem ser considerados personalidades quemeras, até porque no ano seguinte já estariam no San Lorenzo.
Como azulgranas, realmente se tornariam grandes figuras, principalmente Luis (que viraria personagem até em “El Corazón de Monti”, um tango de Carlos Gardel). No CASLA, também estiverem presentes no primeiro título argentino, em 1923, já titulares desde o início. Luis não só foi jogador, como também capitão e técnico do elenco.
Luis Monti chegou à seleção já em 1924 (ano de bicampeonato para ele como jogador e treinador cuervo), pela qual só perdeu duas vezes, ambas finais: a da Copa de 1930, onde fez na França o primeiro gol argentino no torneio, e, dois anos antes, a das Olimpíadas de 1928 (era o capitão), também para o Uruguai. Vencera o Sul-Americano de 1927, mesmo ano de seu terceiro e último título argentino pelo San Lorenzo, na edição que marcou a reunificação das ligas – ali, já sob a direção de Atilio Giuliano.
Após a primeira Copa do Mundo, Luis transferiu-se para a Juventus, fazendo sucesso (integrou a Juve pentacampeã pela única vez) que o fez chegar à Azzurra campeã mundial em casa em 1934. Como técnico, ainda chegou a retornar ao Huracán, onde esteve entre 1947 e 1948 na função. Com resultados medianos, fez mais história por ter sido o treinador do Globo na ocasião da inauguração do estádio quemero, o Tomás Adolfo Ducó, El Palacio, em 1947.
O outro campeão nos rivais foi contemporâneo dos Monti: Antonio Valente esteve em Parque Patricios em 1920, marcando nove vezes em seus 17 jogos e participando do título da Copa Estímulo, torneio promovido pela liga durante a pausa do campeonato para jogos da seleção argentina. Em 1923, e em 1924, integrou os primeiros elencos campeões argentinos do San Lorenzo, onde foi colocado na ponta e marcou sete gols em 36 partidas. Foi um dos jogadores que chegou a ser suspenso por profissionalismo em uma época amadora.
Os “brasileiros”
Além do corintiano Veira, outros três jogadores que defenderam os dois lados dessa rivalidade também estiveram no futebol brasileiro. Curiosamente, todos eles ídolos do San Lorenzo sem tanto apelo no Huracán. O primeiro foi outro a ter defendido o Corinthians, o goleiro Carlos Adolfo Buttice. Seus saltos e elasticidade lhe renderiam a curiosa alcunha de El Batman. Ele chegou ao Huracán em 1965, emprestado pelo pequeno Los Andes, onde debutara.
Ao fim do período, quem negociou em definitivo seu passe foi justamente o San Lorenzo. E Buttice cumpriu o desafio de conquistar a torcida rival à altura, conquistando a posição de Agustín Irusta, outro goleiro histórico do CASLA e que só recuperaria a titularidade após a saída do novato. Já na primeira temporada, foi vazado menos vezes (34) do que jogou (38), e na segunda cavou sua primeira oportunidade na seleção argentina.
Mas foi na terceira que a glória maior veio, no invicto Metropolitano de 1968. Uma amostra de como suas mãos eram confiáveis é que ocasionalmente elas também guiavam o ônibus que levava a delegação sanlorencista às partidas. Com a crise financeira que o clube passou, adquiriu passe livre e em 1970 iniciou sua trajetória no país vizinho, pela qual gaba-se de ser o argentino que mais enfrentou Pelé e nunca ter sofrido gols dele. Primeiro no America, e no ano seguinte no Bahia, onde fez mais sucesso.
Após dois títulos baianos e ser considerado um dos melhores arqueiros do campeonato brasileiro de 1973 (a Placar, curiosamente, elegeu outro argentino para a Bola de Prata na posição, Agustín Cejas, que ficaria também com a de Ouro), Buttice chegou ao Corinthians. Não comprometeu, mas acabou sendo um dos crucificados pela traumática perda do Paulistão de 1974 e logo desligou-se do Timão. Já com 32 anos, perambulou por pequenas equipes argentinas até encerrar a carreira no Peñarol de Mar del Plata.
Outro foi Narciso Horacio Doval, um dos estrangeiros que mais fez sucesso no Brasil, onde igualmente defendeu dois rivais, nos quais foi ídolo. Despontou no San Lorenzo como o ponta-direita dos Carasucias. Evoluindo a cada ano (em 1965, foi o artilheiro do time, e em 1967 chegou à seleção), só não se consagrou ainda mais por ter ficado de fora do Metropolitano de 1968. Estava suspenso disciplinarmente por conta de uma confusão ainda mal explicada, em que teria assediado uma aeromoça – segundo a versão mais difundida, para proteger o real culpado, que seria o lateral Rafael Albrecht, que era casado.
El Loco Doval chegou à cidade que elegeria como seu lugar no mundo por conta do técnico daquele CASLA campeão invicto, o brasileiro Tim. O “gringo” seria um craque de anos não tão gloriosos do Flamengo, onde ainda assim conseguiu dois títulos cariocas, sendo artilheiro e autor do gol do título no de 1972. Essa conquista foi especial também porque o argentino estava regressando do Huracán, para o qual fora emprestado no ano anterior após desavenças com o técnico flamenguista, o truculento ex-goleiro Yustrich.
No Globo, integrou um superelenco no papel: o plantel mesclava a base que seria campeã em 1973 com nomes históricos do arquirrival – ele, Veira e Rendo. Na prática, porém, a irregularidade marcou aquele time e Doval em 1971. Ficou mais lembrado em Parque Patricios por ter sido o homem do jogo que tirou o título do Vélez. Os fortineros perderam em casa e de virada por 1 a 2, sofrendo gols em rebotes de chutes do Loco, que ainda acertou duas bolas na trave e recebeu uma nota 9 da El Gráfico.
No Rio de Janeiro, foi envolvido em um troca-troca com o Fluminense em 1976. E conquistaria também as Laranjeiras. O ponta mostrou-se também um grande centroavante, sendo o artilheiro da Máquina Tricolor naquele ano, onde venceu e foi goleador no Estadual (e, outra vez, autor do gol do título). Estava tão enraizado no Brasil que naturalizou-se, chegando até a estar presente na torcida canarinha que viajou à Espanha em 1982 para acompanhar de perto a Copa. Após três anos de Flu e dez desde que deixara o San Lorenzo, regressou rapidamente a Boedo em 1979, já à beira da aposentadoria.
Por fim, há também Oscar Alberto Ortiz. Como Doval, era ponta (mas na esquerda), considerado o último grande argentino na função. Bom driblador e bastante veloz, era quase imparável quando avançava. Debutou no San Lorenzo em 1971, integrando o primeiro bicampeão anual na Argentina, em 1972. Mas só foi se firmar no ano seguinte, fornecendo inúmeros cruzamentos para os gols de Héctor Scotta, irmão de Néstor Scotta, celebrizado no Grêmio como autor do primeiro gol do Brasileirão (ao menos para os que se opõem à unificação).
Para o próprio Grêmio seria vendido em 1976, não sem antes enfim obter uma taça como titular, no campeonato nacional de 1974. Em 1975, o mencionado Héctor Scotta tornou-se o maior artilheiro anual no futebol argentino, marcando 60 vezes apenas em jogos de campeonato. Atribuiu “pelo menos metade” deles às assistências de Ortiz, que naquele ano chegou à seleção.
No Rio Grande dominado pelo octacampeão gaúcho Internacional (bicampeão brasileiro naquele ano), porém, o ponta, mesmo mantendo os característicos dribles do seu repertório, não se encaixou. Uma boa proposta do River Plate logo o fez regressar a Buenos Aires, e seu espaço no Tricolor seria muito bem ocupado por Éder (então um jovem recém-chegado do América Mineiro) para que deixasse saudades.
Como millonario, Ortiz foi titular da Argentina campeã mundial em casa, além de ter faturado quatro campeonatos argentinos. Foi deixando Núñez, em 1981, que El Negro chegou ao Huracán. Foi titular, mas não empolgou tanto em Parque Patricios nem no Independiente, onde foi suplente no elenco Rojo campeão argentino de 1983. Neste mesmo ano, Ortiz se aposentou.
Os demais
Fora as três primeiras duplas, ninguém mais conseguiu ter exatamente algum sucesso em ambos os rivais – mesmo Veira e Marangoni podem não ser consideradas estrelas no Huracán, em um olhar mais rigoroso, e os Monti foram mais campeões do que ídolos em Parque Patricios. Houveram aqueles que não se saíram bem em nenhum. E outros que se tornaram grandes figuras em um antes, ou depois, de naufragarem no outro.
Vamos ilustrar esta categoria também com uma dupla, escolhida justamente pelo contraste dramático que as caracterizou no clássico. Isto porque ambos experimentaram a sensação de ser campeão nacional em um e rebaixado no outro. um foi campeão nacional com o Huracán e rebaixado no San Lorenzo. O outro caiu com o Globo e, posteriormente, venceu no CASLA.
Omar Rubén Larrosa chegou ao Huracán em 1972, vindo da Guatemala depois de passar por Argentinos Juniors e Boca Juniors, onde se formara. Ainda na ponta-direita, foi um dos pilares da conquista do Metropolitano de 1973, ainda hoje a única taça quemera na primeira divisão desde a adoção do profissionalismo.
Na Quema, ainda integrou o elenco bivice-campeão nacional nos torneios de 1975, mas só chegou à seleção já como jogador do Independiente, para o qual mudara-se em 1977. Ainda assim, foi um dos remanescentes dos campeões de 1973 presentes no título mundial da Argentina em 1978, sob o comando do mesmo técnico que dirigira os vencedores de Parque Patricios cinco anos antes, César Luis Menotti.
Larrosa já havia deixado a ponta para tornar-se volante, fazendo boa dupla com Ricardo Bochini no Rojo campeão argentino de 1977 e 1978. Ficou em Avellaneda até 1980, ano em que defendeu rapidamente o Vélez Sarsfield. Já tinha 34 anos quando aportou em um San Lorenzo já no vermelho e fora de Boedo, em 1981. A única alegria que deu à torcida cuerva foi justamente em um clássico, onde marcou dois em vitória por 3 a 1 no Metropolitano, metade dos gols que anotou em suas 27 partidas pelo CASLA.
O duelo foi válido ainda pelo primeiro turno, em 27 de março. Ao fim daquele mesmo Metropolitano, em 15 de agosto, uma campanha com apenas 9 vitórias em 34 jogos, nos quais foram perdidos 15, pela primeira vez um grande argentino sofreu rebaixamento. A comoção foi tão grande que, para evitar novos casos, desde ali o infeliz sistema de promedios, já utilizado anteriormente, foi reintroduzido. Larrosa encerrou a carreira naquele mesmo ano; outros 17 se passariam para que ele desse nova alegria aos azulgranas: foi com ele como técnico que o Huracán caiu pela segunda vez à segundona, em 1998. É o único que caiu com os dois.
O Globo regressou à primeira em 2000, mas voltou a cair já em 2003. Um dos rebaixados foi o volante Santiago Hirsig, ainda que não tenha sido exatamente crucificado: foram apenas 28 jogos pelo clube desde que chegara a Parque Patricios, em 2001. Vendido ao Arsenal de Sarandí, obteve mais espaço e em 2006 foi contratado pelo San Lorenzo. Mesmo não sendo um dos nomes mais importantes, integrou o elenco titular que deu no Clausura 2007 o último título levantado pelo clube.
Além de todos estes, os seguintes jogadores da tabela abaixo já viraram a casaca nessa rivalidade. Vale ressaltar que Ariel Graña e Andrés Silvera, campeões pelo CASLA respectivamente em 1995 e 2007, chegaram ao Huracán em 1998 já para a disputa da segunda divisão. Rubén Suñé, rebaixado pelos cuervos em 1981, chegara ao Globo de 1973 só após o título do Metropolitano.
Dos técnicos, já treinaram os dois os seguintes: Alfio Basile, Guillermo Stábile (ambos ex-jogadores e ídolos do Huracán), Osvaldo Zubeldía e até um brasileiro: Delém, vice-campeão com os de Parque Patricios em 1975, passou pelo arquirrival em 1980.
Clique nestas outras rivalidades para acessar seus elementos em comum: Boca-Racing, River-Independiente, Independiente-San Lorenzo, Racing-San Lorenzo, Racing-Independiente, River-Racing, Boca-Independiente, Boca-San Lorenzo, River-San Lorenzo, Boca-River I, Boca-River II, Boca-River III e Boca-River IV.
JOGADOR |
HURACÁN |
SAN LORENZO |
Juan ACOSTA |
1965 |
1964 |
Juan ARAGAÑAZ |
1965 |
1963 |
Adolfo BENEGAS |
1958 |
1947-57 |
Juan BERTOLDI |
1961-62 |
1963 |
Cándido BLANCO |
1920 |
1920-21 |
Héctor BLANCO |
1996-97 |
2002 |
Federico BRAÑA |
pré-1914 |
1915 |
Carlos BUSTOS |
1998 |
1992-93 |
Carlos BUTTICE |
1965 |
1966-70 |
Alberto CABALEIRO |
1965-69 |
1964 |
Sergio CARRERAS |
1921 |
1917 |
Alfredo CARRICABERRY |
1932 |
1920-30 |
Fabián CARRIZO |
1999-01 |
1990-94 |
Miguel CONVERTI |
1982-83 |
1979 |
Pedro CORONEL |
1971 |
1968 |
José CORTECCE |
1934 |
1931-32 |
Alejandro DE LOS SANTOS |
1931 |
1921 |
Narciso DOVAL |
1971 |
1962-68, 1979 |
Gustavo ECHANIZ |
1983 |
1985-86 |
Antonio ELORDI |
1922 |
1918 |
Héctor FACUNDO |
1964-65 |
1956-63 |
Elizardo FERNÁNDEZ |
1916 |
1916 |
Juan Ramón FLEITA |
2002-04 |
1996-97 |
Lautaro FORMICA |
2010 |
2007-08 |
Antonio GARCÍA AMEIJENDA |
1978 |
1967-74 |
Carlos GAY |
1985-87 |
1978 |
Sergio GIOVAGNOLI |
1986-87 |
1985-86 |
Eduardo GÓMEZ |
1934 |
1932-33 |
Tito GÓMEZ |
1965-70 |
1963 |
Rolando GRAMARI |
1970 |
1964-69 |
Ariel GRAÑA |
1998-99 |
1995-96 |
Sebastián GUALCO |
1945-46 |
1934-36, 1938-40 |
Ibrahim HALLAR |
1974 |
1979 |
Diego HERNER |
2008 |
2010-11 |
José Rubén HERRERA |
1960 |
1958 |
Santiago HIRSIG |
2001-03 |
2006-08 |
José Raúl IGLESIAS |
1986-87 |
1976-78 e 1984 |
Juan José IRIGOYEN |
1981 |
1972-74 |
Alfredo LARMEU |
1920 |
1920-22, 1927 |
Omar LARROSA |
1972-76 |
1981 |
Héctor LÓPEZ |
1950-53 |
1955-58 |
Claudio MARANGONI |
1981-82 |
1976-79 |
Pablo MIGLIORE |
2002-05 |
2009- |
Rubén MILONE |
1978 |
1980 |
Fernando MONER |
1999-02 |
1987-88 |
Enrique MONTI |
1921 |
1923 e 1925-28 |
Luis MONTI |
1921 |
1922-30 |
Carlos MORENO |
2006 |
1999-00 |
Héctor NÚÑEZ |
2006-07 |
1996-97 |
Óscar ORTIZ |
1981-82 |
1971-76 |
Federico PIZARRO |
1958 |
1955-57 |
Esteban POGANY |
1981-82 |
1988-89 |
Juan PORTALUPPI |
1955 |
1956 |
Ángel PUERTAS |
2007-08 |
1998-00 |
Ricardo QUIÑONES |
1950-52 |
1956 |
Alberto RENDO |
1959-64, 1970-71 |
1965-69 |
Martín RICO |
1974-76 |
1979 |
Osvaldo RINALDI |
1986-87 |
1978-81 |
Armando RÍOS |
1939 |
1942 |
Juan RIZZI |
1933 |
1931-32 |
Rubén ROMANO |
1978-80 |
1987-88 |
Óscar ROSSI |
1950-53, 1955-59, 1969 |
1960-64 |
Eduardo SÁNCHEZ |
1975 |
1973, 1976-77 |
Ernesto SCANDONE |
1935 |
1925 |
Óscar SILVA |
1955-56 |
1946-54 |
Andrés SILVERA |
1998-99 |
2006-09 |
Eduardo SOUZA |
1925 |
1926 |
Rubén SUÑÉ |
1973-74 |
1981 |
Antonio VALENTE |
1920 |
1923-24 |
Héctor VEIRA |
1970-71 |
1963-69, 1973 |
Eladio ZÁRATE |
1965-66 |
1963-64 |
Muito boa a matéria!
Valeu, Márcio!
O clássico, pena, foi modorrento. Vale dizer que houve um protesto da torcida quemera contra o Migliore, ex-goleiro deles que, conforme a tabela, está no CASLA desde 2009.
Excelente matéria!
Obrigado, Maicon!