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Huracán sai de Isidro Casanova com chance de acesso. E sem mortes no elenco

Jogo estava todo envolto em sofrimento, tensão e loucura. Teve a prévia, na qual barras do Almirante Brown ameaçaram de morte jogadores do Huracán. Tinha a possibilidade do conjunto local cair para a terceira divisão, se perdesse. Tinha a possibilidade do Globo subir ou ir para o jogo-desempate contra o Rojo. E tinha o futebol do Globito de Parque Patrícios, que soube passar por tudo isso e vencer no Fragata Sarmiento. Prêmio? Correr para os vestiários e rezar pela vida.

Fragata Sarmiento lotado de gente. Gente do bem. Gente do mal. Gente. Todos unidos pelo sonho em manter o Aurinegro na B Nacional. Unidos também pelo pavor de cair para a quarta divisão e se deparar com os barras do Berazategui e sobretudo do Lafe. Pensem o Laferrere como uma grande comunidade esparramada pelo sudoeste do conurbano e na qual cabe a população de vários países. Considere que essas pessoas se sentem esquecidas pelo governo argentino e que são obrigadas quase a se governar. Não desmereça o fato de que veem no Lafe o símbolo de sua voz necessária, mas esquecida. Junte tudo isso com a declaração de guerra a todos os outros. E, por fim, que o Almirante Brown é tido por eles como o principal rival e até inimigo. E sigamos com essa crônica, já que se faz obrigatório que você, caro leitor, entenda ou respeite os motivos dos barras do Almirante.

Respeitar tudo bem. Mas certas atitudes nos colocam na fronteira ética que ver o bom senso de um lado e a obscura idade média do outro. Matar gente não dá. Ameaçar ir atrás da família de jogadores é coisa superada até pela desgarrada máfia norte americana. Expulsar a polícia e tocaiar silenciosamente o ônibus do rival até sua cancha é terrorismo dos grandes. Entoar cânticos de que sangue iria rolar, durante a peleja, é agressão silenciosa do tipo daquelas que remete muita gente para o hospício. Pois bem. Foi tudo o que os barras do Almirante Brown fizeram com o elenco do glorioso Globito de Parque Patrícios.

Do ponto de vista deles, estavam certos. Mas, e do ponto de vista do Huracán? Importa? Então vamos lá.

O Futebol por trás do futebol

Huracán Precisava ganhar ou ganhar na cancha do Brown. Além disso, precisava contar com o milagre: que o Patronato de Paraná não deixasse o Rojo vencer. Fácil reconhecer que o Patrón teve méritos. Difícil é pontuar o quanto um outro clube foi importante para o Globo. Em Paraná, as provocações de dois rivais de morte davam conta, durante a semana, de que um deles falharia no domingo. O Atlético jogaria contra o Juventud Unida e precisava reverter um resultado difícil. Prêmio? Subiria para o Argentino A. Hinchas do Patrón apostavam que o “Gatito” não conseguiria. Imagem da gozação: o tradicional refugo do Gato.

Na mesma data, o Patrón iria à cancha tensa do Rojo e com o objetivo de não deixá-lo vencer. Seus jogadores tinham tatuado na mente que um fracasso nesta missão poderia ser um inferno, sobretudo se o Gatito vencesse. Em suas mentes, porém, os hinchas do Atlético tatuaram a ideia de que fracassariam. Imagem para isso? A venda da alma para o rival e para os mafiosos que em substituição a Cantero mandam no clube vermelho de Avellaneda.

Fato é que o Atlético estava perdendo a chance até os 47 do segundo tempo. Foi lá, fez o gol. Se salvou. Subiu. O Patrón jogou antes. E previa que o rival pudesse vencer. Foi à cancha do Independiente e foi melhor que o local. Dominou a partida e tirou do anfitrião o direito de voltar à elite argentina. Por isso, é preciso dizer: a rivalidade no futebol entrou em campo ontem, vestindo a camisa do Huracán.

E a peleja em Isidro Casnova, como foi?

De doer. Sim, claro, porque todo mundo lutou feito louco. Mas ninguém jogou bem. Parada cruel para os dois, já que a pressão assaltara a mente e o coração de ambos os elencos bem antes de entrarem em campo, no Fragata. E o sofrimento das arquibancadas era o espelho do sofrimento em campo dos atletas. Porém, o Huracán queria vencer. Estar em campo já era um triunfo parcial, diante das ameaças públicas de morte a seus jogadores. Enquanto jogavam, sabiam que alguns de seus familiares poderiam estar na mira dos barras. Vinham de 12 jogos sem derrota e com sete vitórias dificílimas na reta final da competição. E haviam de vencer outra coisa: a certeza de que a polícia não poderia ajudá-los.

E tinha o rival, que seria rebaixado com a derrota. O jeito era resolver logo a parada. De forma que logo aos 28 minutos de jogo Gonzalo “Pity” Martínez se aproveitou de estupenda jogada de Espinoza e apareceu livre no centro da área para guardar. Um típico gol do espírito novo do Globo que deixou de lado as grandes contratações para apostar novamente em suas canteiras. Depois disso, foi só segurar o ímpeto feroz do Fragata e levar o resultado até o apito final do árbitro Luis Álvarez.

Nem bem o jogo acabou e o pau começou. A retirada foi rápida rumo aos vestiários, que tampouco dava garantias de alguma segurança. No meio do caminho, o massagista do Globo foi golpeado feito um cão e rolou pelo gramado como se fosse uma bola e futebol. Antes de atingir a sonhada entrada dos vestiários, o técnico Frank Kudelka foi golpeado no rosto de forma covarde. Policiais entraram em campo e se tornaram “sparrings” para os boxeadores famintos do Brown. Enquanto isso, os atletas se refugiaram nos vestiários com duas propostas. A de acompanharem os cinco minutos de acréscimos na cancha do Rojo. E a de rezarem pela vida.

Golpes atingiram a entrada dos vestiários até que duas novidades entraram em campo. Uma delas foi a do inesperado reforço policial. A outra foi a da canalização da vontade de matar à vontade de tirar a roupa dos jogadores de seu próprio time, o Aurinegro. Uma ordem apareceu de repente e deu conta de que o elenco quemero não deveria sequer tomar banho. Seus atletas seriam transportados suados e sujos rumo à cancha do Globo, em Parque Patrícios. Um esquema foi feito às pressas para que fossem evacuados de Isidro Casanova.

Depois do sufoco, o sonho

Agora, resta ao Huracán o jogo-desempate com o Independiente. De início, a AFA deu conta de que seria na Bombonera. Depois, designou o Estádio Único de La Plata como o palco da peleja decisiva. Decidiram também que será às 14 horas da próxima quarta-feira. E que as decisões da AFA parem por aí e deixem que as duas equipes decidam em campo o que será melhor para o futebol argentino. Do ponto de vista psicológico, o Huracán inverteu os papéis acerca de quem pode refugar no cotejo. O Rojo vem de fazer feio na última partida, enquanto o Globo foi gigante não apenas por vencer uma partida, mas pelo fato de que seus briosos jogadores saíram vivos do inferno chamado Fragata Sarmiento, em Isidro Casanova.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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