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Huracán e Independiente já lutaram por muito mais há 40 e 20 anos

Em 1994, Independiente e Huracán lutaram pelo título da elite (no lance, Garnero contra Marino). Neste domingo, será pela última vaga dos promovidos na segundona…

Neste domingo (08) haverá a rodada final da Primera B Nacional, a segundona argentina. O campeão Banfield e o supreendente Defensa y Justicia já garantiram há tempos as duas primeiras vagas. Resta saber o dono da terceira e última, disputada por dois dos maiores clubes do país, Independiente e Huracán. O favoritismo é amplamente do clube de Avellaneda, que parecia na lona há poucas rodadas, mas se recuperou com duas viradas por 2-1, sobre o Defensa e outro que concorria, o Instituto – fora de casa.

Já o Huracán estaria mais tranquilo se não desperdiçasse pontos bobos na reta final com equipes já rebaixadas. Ainda que os tenha enfrentado fora de casa, Villa San Carlos e Talleres já estavam matematicamente descidos à Primera B Metropolitana, mas o sofrido time do bairro de Parque de los Patricios só pôde regressar com empates. Tivesse vencido ao menos um, teria a mesma pontuação do Independiente e dependeria só das próprias forças – na Argentina, não há critérios de desempate para definir rebaixados, promoções e títulos: os igualados têm de se enfrentar em um jogo-extra.

Mas mesmo que tivesse vencido ambos, a tarefa do Huracán, que nesse cenário estaria dois pontos acima do Independiente (na realidade ocorre o inverso) não seria fácil: o Rojo pegará em casa o Patronato, sem chances de subir ou de cair. Já o Globo rumará à casca-grossa Isidro Casanova enfrentar o Almirante Brown, no desespero para não voltar à terceirona depois de 27 anos. Tamanho que seus barrabravas, contando com o desleixo e mesmo medo da polícia, não tiveram pudores em ameaçar de morte jogadores huracanenses e familiares destes: falamos disso aqui.

Se a tarefa seria inglória mesmo se chegasse em vantagem, em desvantagem então é que as chances do Huracán parecem mínimas. Ele só sobe se ganhar fora de um time na luta para não cair e o Independiente perder em casa para um desinteressado. Caso o Independiente empate e o Huracán ganhe, eles terminam igualados em pontos e farão um jogo-extra em campo neutro. Só que os quemeros não costumam ter boas lembranças das ocasiões em que decidiram algo com os diablos.

Há quase quarenta anos, eles se enfrentaram na semifinal da Libertadores 1974, então em dois triangulares e não em dois mata-matas. Era a época mais dura do torneio: a fase de grupos fornecia vaga na semifinal, mas só o líder avançava. E o Huracán, que tinha o memorável elenco campeão argentino pela última vez no clube (leia aqui), eleito em 1999 junto com o da célebre La Máquina do River dos anos 40 como o melhor do século XX no futebol argentino, eliminou o Rosario Central de Mario Kempes, o vice de 1973 (Colo Colo) e aquele que seria vice em 1975 (Unión Española).

Viúvas de 1973: Huracán campeão argentino pela última vez, com o engravatado Menotti, o sem-calção Brindisi e campeões da Copa 1978 (Houseman, ao lado de Brindisi, e Larrosa, o loiro agachado). E o Independiente que venceu pela primeira vez a Intercontinental

O Huracán, aliás, teve seus três primeiros jogos ali fora de casa. Perdeu para o Central mas venceu a dupla chilena, com um 3-1 na Unión e um 2-1 no Colo Colo. Em Parque Patricios, colegou a Unión por 5-1. Ao fim, terminou empatado com o Central e, no jogo-extra no estádio do Vélez, lhe surrou por 4-0. Isso tudo de fevereiro a abril. O time só voltou a jogar pela competição em setembro e o embalo perdeu-se. Empatou em casa com o Independiente. E, mesmo arrancando um 1-1 com o Peñarol em Montevidéu, levou de 3-0 dos dois nas duas partidas seguintes, em Avellaneda e dentro de casa para os uruguaios. O Independiente terminaria campeão (pela terceira vez seguida), sobre o São Paulo.

Aquele Independiente foi tetra seguido da Libertadores de 1972-75. O detalhe é que só disputou a de 1972 porque venceu o nacional de 1971. E só venceu o nacional de 1971 porque o Huracán bateu fora de casa e de virada o então líder Vélez. Huracán que seguiu forte ao fim dos anos 70. Só forneceu menos jogadores que o River à seleção campeã do mundo em 1978: três (Ardiles, Baley e Houseman) e teria havido um quarto de o lateral Carrascosa, que era nada menos que o capitão (e não Passarella), não desistisse. Larrosa, outro do bom time quemero de 1973-74 campeão na Copa 1978 estava justo no Independiente. E o técnico Menotti chegara à seleção exatamente pelo bom trabalho naquele Huracán.

Mas, nos anos 80, o time caiu e demorou quatro anos para voltar à elite, tempo demais para quem era julgado semioficialmente como “sexto grande” do país (os cinco “oficiais” são seu rival San Lorenzo e as duplas Boca & River e Racing & Independiente). Em 1994, então, parecia recobrar um pouco a força. No Clausura, um time pouco estrelado fez bela campanha e chegou líder à última rodada.Teria inclusive sido campeão se as vitórias já valessem 3 pontos e não 2, mudança só implementada na Argentina justamente a partir do ano seguinte. O concorrente era o Independiente.

Por acaso, os dois concorrentes estavam programados para se enfrentarem na rodada final, na primeira vez em que essa coincidência ocorreu no campeonato argentino. Os huracanenses seriam campeões com um empate, mas jogariam fora de casa. E acabaram surrados por 4-0 (um dos gols foi de Ricardo Gareca, atual técnico palmeirense). O detalhe é que o técnico oponente era Miguel Brindisi, ídolo quemero naqueles idos de 1973-74. E o goleiro rojo, Luis Islas, era torcedor do Huracán, onde jamais pôde jogar. “Mas naquele jogo quis ganhar e ganhei”, já declarou ele.

Brindisi realmente fez um bom trabalho no Independiente, onde em 1994 venceu também a Supercopa e ainda a Recopa 1995 (leia aqui), razões pelo qual foi trazido de volta em 2013 para impedir o inédito rebaixamento. Teve bons resultados mas já havia chegado tarde demais. Foi inicialmente mantido para a segundona, mas os de Avellaneda colecionaram resultados ruins que despertaram até temores de um rebaixamento à terceirona. Quem assumiu no seu lugar e, ainda que aos trancos e barrancos, deve fazer o clube retornar já à elite é Omar De Felippe. Um ex-jogador do… Huracán.

Brindisi no Huracán de 1973 e com Garnero após a Supercopa 94; Montenegro no Huracán em 2000 e comemorando no último domingo o gol sobre o Instituto que deve manter o ex-clube na segundona

Huracán que está mais uma vez na segundona desde 2011, após perder um tira-teima com o Gimnasia LP do ainda jogador Guillermo Barros Schelotto. Teve de disputar o tira-teima após levar de 5-1 justo do Independiente, que naquela ocasião também era treinado por um filho de Parque Patricios: Antonio Mohamed, técnico da última taça roja (a Sul-Americana 2010, sobre o Goiás), não escondeu a amargura em ver o clube do coração (foi ele quem, como jogador, fez o gol que fizera o clube regressar da segundona em 1990 e quem, como técnico, o tirara outra vez dela em 2007) mais uma vez humilhado. Clique aqui, aqui para ver matérias que fizemos na época.

Cabe rapidamente falar também do Instituto de Córdoba, outro viúvo de 1973 (ano em que o Huracán foi campeão argentino pela última vez e o Independiente pela primeira na Intercontinental). Historicamente a terceira força cordobesa, atrás de Belgrano e Talleres, La Gloria estreou ali no torneio nacional, com um elenco histórico para além do clube alvirrubro: nenhum outro time revelou mais jogadores campeões da Copa 1978 que o Instituto, ainda que nenhum estivesse mais no clube à altura do mundial.

Isso porque, do River, só Alonso foi cria dele: Passarella surgiu no Sarmiento de Junín, Ortiz no San Lorenzo, Fillol no Quilmes e Luque no Gimnasia de Jujuy. Do Huracán, nenhum: Houseman surgira no Defensores de Belgrano, Baley no Estudiantes e Ardiles, exatamente naquele Instituto (Larrosa, já no Independiente em 1978, era cria do Boca). Outro era ninguém menos que Mario Kempes, que chegou ao Rosario Central em 1974 após brilhar por La Gloria naquela estreia em 1973, quando chegou à seleção e foi o terceiro artilheiro do nacional por um time que mais perdeu do que ganhou.

O outro ex-Instituto em 1978 era Miguel Oviedo, já no Talleres, clube que como o Huracán também tinha três jogadores na seleção em 1978 (se vê que é outro superdecadente), mas com só um revelado nele, o zagueiro Luis Galván. José Valencia, o outro de La T em 1978, era outro surgido no Gimnasia de Jujuy. O Instituto já havia batido na trave para retornar à elite em 2012, sendo líder com um belo futebol na maior parte da segundona que contava com o River. Mas as ameaças dos seus barrabravas, dos piores, ruíram o time quando os resultados ruins apareceram. Ele seguiria vivo para amanhã se não perdesse em seus domínios para o Independiente. Abriu o placar e por alguns minutos ficou em terceiro.

Os cordobeses, porém, levaram a virada aos 42 do segundo tempo e perderam as chances de subirem. Quem fez um dos gols do Independiente nesse jogo foi o veterano ídolo Daniel Montenegro, remanescente do último título argentino do clube, em 2002 (falamos aqui). Montenegro chegara naquela época ao Rojo após se destacar em outro clube, em uma outra das campanhas que o recolocaram na elite, a de 2000. Foi no Huracán.

O Instituto de Córdoba de 1973. Oviedo (quarto em pé), Ardiles (quinto em pé) e Kempes (terceiro agachado) meia década depois venceriam a Copa 1978 pela seleção

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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