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Huracán e Peñarol já fizeram semifinais da Libertadores, em 1974. Relembre

Emoção. É o sentimento do Futebol Portenho. Há exatamente um mês, perdíamos Tiago de Melo Gomes, alma do site. Uma perda tamanha que só no dia seguinte conseguimos encontrar palavras para homenageá-lo. Tiago, cigano em sua passagem, torcia para diversos clubes. Nunca por moda, e sim por anos vividos nas localidades de cada um. Morou na Argentina e no Uruguai como filho de exilados da ditadura e lá vivenciou intensamente os ambientes de Huracán e Peñarol, virando hincha fanático das duas equipes. Que voltaram a se enfrentar ontem na Libertadores, com uma vitória categórica huracanense em pleno Estádio Centenário. Vale lembrar o encontro anterior, em 1974.

1974 havia sido justamente o ano da chegada do nosso irmão a Buenos Aires. O Huracán estava pela primeira vez na Libertadores, como campeão metropolitano de 1973, título tão histórico que já foi tratado em diversos Especiais e dissecado especialmente neste, quando completou 40 anos. Ainda é a única taça profissional do Globo no campeonato argentino, mas por demais importante. Para começar, foi por causa dela que o técnico huracanense, César Menotti, credenciou-se para assumir a seleção (o último título argentino do clube havia sido 45 anos antes, ainda no amadorismo), futuramente faturando a primeira Copa do Mundo vencida pela Argentina.

Babington e Brindisi em capas da revista chilena Estadio após duelos com a Unión Española, vice-campeã da Libertadores seguinte

Elementos daquele Huracán, ou que se juntaram logo depois, estariam na Copa: René Houseman, Omar Larrosa, Osvaldo Ardiles, Héctor Baley, único deles ausente na final. E o capitão só não foi Jorge Carrascosa porque este desistiu de jogar a Copa – foi só assim que Daniel Passarella assumiu a braçadeira. O Huracán, que mesmo sem Menotti foi vice argentino em 1975 e 1976, só teve menos representantes que o River entre os convocados, e o futebol do plantel de 1973 foi eleito em enquete do Olé como o mais bonito do século XX no país ao lado da celebrada La Máquina do River dos anos 40.

Na época, a Libertadores era duríssima. Se simplificava a logística dos participantes ao colocar no mesmo grupo sempre duas duplas de dois países, por outro só permitia ao líder avançar de fase. A chave do Huracán continha nada menos que o Rosario Central de Mario Kempes e dois chilenos finalistas do torneio no ano anterior (Colo-Colo) e no ano seguinte (Unión Española). Dentre os reforços do clube do bairro de Parque de los Patricios, o meia-esquerda Eduardo Maglioni, já com experiência no torneio: havia vencido-o pelo Independiente em 1972, marcando os gols do título, e 1973. Maglioni também é reconhecido por um recorde do Guinness, ao marcar três gols em 180 segundos, em partida contra o Gimnasia LP (saiba mais).

Registro antes da visita ao Colo-Colo: Daniel Buglione, Nelson Chabay, Rubén Díaz, Francisco Russo, Miguel Leyes e Jorge Carrascosa; René Houseman, Miguel Brindisi, Roque Avallay, Carlos Babington e Omar Larrosa

A estreia huracanense em Libertadores fez recentemente 32 anos. Em 28 de fevereiro, perdeu fora de casa para o Central. Mas a partir dali emendou cinco vitórias seguidas. As duas primeiras, também como visitante, tranquilizaram o ambiente. Roque Avallay, Carlos Babington (ambos convocados à Copa de 1974; Avallay terminou cortado por lesão e foi substituído justo por Babington) e Enrique Quiroga selaram o 3-1 no Estádio Nacional do Chile sobre a Unión Española em 5 de março.

Apenas dois dias depois, novo confronto em Santiago e nova vitória, mesmo com a expulsão de Daniel Buglione. Babington e Houseman (também presente na Copa de 1974, sendo o artilheiro da Albiceleste no torneio, com três gols; chegaria a ser o recordista de jogos pela seleção) fizeram os gols da vitória por 2-1 sobre o Colo-Colo, embora os argentinos perdessem Nelson Chabay, fraturado. Os dois clubes voltaram uma semana mais tarde a se enfrentar, com Parque de los Patricios finalmente recebendo jogos da Libertadores.

Houseman, Leyes e Babington, sob a legenda “semana histórica do Huracán”, alusiva às vitórias no Chile. Ao lado, povo quemero recepciona seus jogadores de volta daqueles triunfos

E o Huracán se confirmou postulante à classificação: 2-0, com dois gols de Babington, apesar da expulsão de Miguel Ángel Brindisi (na época o recordista de jogos pela Argentina antes de ser ultrapassado por Houseman; Brindisi seria outro na Copa de 1974, marcando gol no Brasil). Em 26 de março, uma vitória apertada por 1-0 sobre o Central, gol de Avallay, igualando ambos na liderança.

A dupla argentina teria mais um jogo para si, ambos contra a Unión Española. Os rosarinos fizeram 4-0, com dois de Kempes. E os quemeros não deixaram por menos, literalmente: 5-1, com três de Brindisi e dois de Rubén Scalise. Os dois representantes argentinos terminaram assim empatados, até no saldo. Embora o Huracán tenha somado mais gols, isto não era critério de desempate. Seria necessário um jogo-extra em campo neutro. E o Globo voou no estádio do Vélez: Francisco Russo (duas vezes), Larrosa e Brindisi anotaram os 4-0 sobre Kempes e colegas.

Festa de Basile e Scalise (entre eles, é possível distinguir a característica meia arriada de Houseman) no Rosario Central de Kempes, resultado que colocou o Huracán nas semifinais. Ao lado, o delírio de Babington e Brindisi pela goleada

A fase seguinte seria já a semifinal, na época travada em triangulares. O Huracán teria contra si as pesadíssimas camisas de Peñarol e Independiente. Mas os confrontos só se dariam no início de setembro e aquele ritmo frenético acabou não mantido. No triangular, começou arrancando dois empates. Em casa, ficou no 1-1 com o Independiente, gol de Brindisi para os novatos e de Ricardo Bochini para o Rojo (Bochini, maior ídolo do oponente, torcia justo para o San Lorenzo, arquirrival huracanense).

Contra o Peñarol, também se saiu com um 1-1, mas no Centenário. Larrosa fez o gol argentino. Além de Maglioni, outro campeão de Libertadores que jogava naquele Huracán era o xerife Alfio Basile (do Racing de 1967), mas faltou experiência aos outros. Em Avellaneda, o sonho de uma final reduziu-se com um 3-0 para o Independiente. E terminou de vez no reencontro com os uruguaios.

Os últimos sorrisos quemeros na Libertadores de 1974: jogadores em praia de Montevidéu. Empatariam com o Peñarol no Centenário na semifinal, mas a campanha desgringolou depois

Fernando Morena, segundo maior artilheiro da história da competição, fez os três gols de outra derrota por 3-0, dessa vez em pleno Ducó, para o Peñarol, em 2 de outubro. Exatamente dez dias depois, Menotti conduziria pela primeira vez uma partida da seleção (1-1 contra a Espanha). Adiante, o Independiente se classificaria a nova decisão, batendo o São Paulo e emendando o terceiro dos quatro títulos seguidos que acumulou na época, um recorde.

Tiago, bem jovem na época, não tinha dimensão do que aqueles jogos representavam. Ontem, teria certamente delirado, com o 1-0 do Huracán em Montevidéu (falamos aqui), resultado que reabilitou o Globo após derrota em casa para o Atlético Nacional na estreia. Assim como teria ficado “em chamas”, como dizia, também no fim-de-semana passado, com o empate alcançado nos últimos 20 segundos do clássico com o San Lorenzo (confira). Esteja bem onde estiver, amigo…

Ninguém podia com o Independiente na Libertadores entre 1972 e 1975. À esquerda, lance do 1-1 e, à direita, um dos 3-0
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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