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Humberto Maschio, o jogador da Azzurra campeão da Libertadores por Racing e Independiente

Com atualizações em 2024, após o falecimento de Maschio

Algumas fontes sustentam dia 20 de fevereiro, outras o dia 10 – como a do visto brasileiro de 1956 dado a Humberto Dionisio Maschio, reforçando mais a versão de que é hoje que El Bocha faz 85 anos. Vale assim relembrar a trajetória desde jogador das seleções argentina e italiana e campeão pela dupla de Avellaneda, algo raro. E mais raro ainda considerando-se que foi na Libertadores: só ele e Miguel Ángel Mori (rojo em 1964-65 e colega blanquiceleste de Maschio em 1967) ganharam La Copa por Racing e por Independiente. E Maschio foi o primeiro a vencê-la como jogador e técnico.

Embora nascido na própria Avellaneda, Maschio não começou a carreira lá e sequer torcia para algum dos clubes locais – e sim para o River, onde seu pai jogou nos aspirantes. O futebol já havia propiciado a existência de pai e filho: naquele mesmo ano de 2011, a El Gráfico publicou uma longa entrevista com ele, onde narrou que o pai estreou no futebol adulto já na Itália (Maschio fala que pela Sampdoria, que na realidade só viria a existir em 1946), onde foi apanhar as irmãs que haviam ficado no país enquanto o avô do Bocha tentava se estabilizar na Argentina. A oportunidade no calcio fizera o pai ficar mais um tempo, com as moças sendo trazidas por um outro irmão – eles seriam vítimas da tragédia do Principessa Mafalda, que naufragou na costa baiana em 1927. A política do “mulheres e crianças primeiro” permitiu que as damas fossem salvas.

Natalio Sivo, ele, Vladislao Cap (que se casaria com uma das irmãs de Maschio) e Ricardo Monti no Quilmes de 1953. Maschio com Zizinho na Copa América de 1957, onde foi artilheiro com nove gols

Maschio (pronunciado “Mástchio” pelos argentinos ao invés do “Másquio” ordenado pela língua italiana, onde a palavra, curiosamente, significa “Macho” mesmo) também explicou que a escolha do nome do meio, Dionisio, também se deveu a outra desgraça familiar, a perda de outro tio, que tinha esse nome – teria sido morto por um amigo, em incidente nunca esclarecido ao craque. Já o apelido Bocha (‘Bôtcha”), comum a jogadores calvos, deveu-se ao corte de cabelo semirraspado imposto pela mãe para que os fios se fortalecessem. A medida teria o efeito reverso, com a calvície se manifestando já antes dos 30 anos no meia… 

A carreira começou no extinto Arsenal de Llavallol – não confundir com o de Sarandí -, onde conviveu na linha ofensiva com Natalio Sivo, Vladislao Cap (outro futuro campeão no Racing como jogador e no Independiente como treinador, além de cunhado do próprio Maschio) e Ricardo Monti. Os quatro foram adquiridos pelo Quilmes em 1953. O Cervecero estava na segunda divisão. Não conseguiu subir, terminando em 5º. Mas Maschio converteu 23 gols, incluindo um na goleada de 5-1 no clássico com o Argentino de Quilmes, a mais antiga rivalidade argentina. Sivo, Cap e Maschio se transferiram ao Racing em 1954 (e em 1955 se juntariam a eles outro diamante bruto daquele Arsenal, o centroavante Antonio Angelillo). Àquela altura, aquele camisa 8 já era hincha racinguista, influenciado por tios. Estreou marcando gol, contra o Chacarita, mas só marcou esse gol mesmo em 1954. Convivia com o serviço militar obrigatório. 

Os Cara-Sujas de Lima: Corbatta, Maschio, Angelillo, Sívori e Cruz. Ao lado, o trio central Maschio, Angelillo e Sívori (todos vendidos ao futebol italiano após o torneio) 40 anos depois

Na entrevista, Maschio lembrou que o fim dramático do seu serviço militar: “estava fazendo o serviço militar com o General [Juan José] Valle, um cara extraordinário, torcedor do Racing, a quem um ano depois fuzilaram. Me propôs trabalhar no Ministério da Guerra, ao lado da Casa Rosada. Ao meio-dia, saía. No dia do bombardeio, estava lavando as mãos para ir embora e vibrou todo o edifício. Saí correndo para ver o que acontecia. E estavam bombardeando: nessa manhã, Perón estava no edifício. Ainda se veem as marcas em frente ao Ministério. Às 4 da tarde se acalmou e pude sair por trás. Renunciei. Não voltei mais”. Era a infame “Revolução Libertadora”, liderada pelo Tenente-General Aramburu, cujo golpe depôs o marido de Evita ao custo de 300 vidas civis que casualmente perambulavam nos arredores, sem imaginar o ataque-surpresa.

Maschio já vinha triunfando na Academia, acumulando em 1955 dez gols antes do bombardeio à Casa Rosada, incluindo no clássico com o Independiente (1-1) e contra o River do coração (2-2), que seria o campeão. Terminou com dezoito gols, incluindo outro no Boca (derrota de 3-1), e na vice-artilharia do campeonato. O Racing também ficou no vice. O desempenho da revelação promoveu-lhe em fevereiro de 1956 a estreia na seleção argentina, no Torneio Pan-Americano (não confundir com os Jogos), realizado no México. Marcou um gol no 4-3 sobre a Costa Rica e dois na seleção da casa, derrotada por 3-0. A Argentina ficou no vice. Maschio voltou a defendê-la em junho, curiosamente, contra a Itália (1-0 em Buenos Aires).

Reforço de última hora da Itália para a Copa 1962, Maschio retomou a velha parceria com Sívori. Mas só jogou duas vezes pela Azzurra: usou a branca contra a França e, no Mundial, foi caçado pelo anfitrião Chile

Os números caíram para onze gols pelo Racing em 1956, incluindo sobre Boca (1-1), o campeão River (dois em um 4-2) e San Lorenzo (6-2). A Academia ficou a quatro pontos do título e o meia foi convocado à Copa América realizada em março do ano seguinte no Peru. A Argentina, com uma seleção jovem, deu show. A única derrota veio para os donos da casa, na última rodada, na ressaca de um título garantido com antecipação após vitórias todas por três ou mais gols de diferença: 8-2 na Colômbia, com quatro gols de Maschio; 3-0 no Equador, 4-0 no Uruguai, 6-2 no Chile e 3-0 em um Brasil praticamente igual ao que no ano seguinte seria campeão mundial.

Eram Los Carasucias de Lima, “Os Cara-Sujas de Lima”. A expressão Carasucias era uma gíria argentina para moleques e fazia referência especialmente ao quinteto ofensivo formado por Omar Corbatta, Maschio, Antonio Angelillo, Omar Sívori e Osvaldo Cruz (campeão brasileiro de 1960 no Palmeiras). “Todo mundo lembra desse time, mas na Argentina ninguém nos viu jogar. No Peru, jogamos seis partidas, que não se viam por televisão, e pronto, nunca mais. Ninguém daqui nos viu jogar. Corbatta e Sívori sobressaíam pela sua habilidade. Angelillo e eu éramos mais simples, dois goleadores. Sívori era um gênio, nosso Maradona. (O capitão Néstor) Pipo Rossi mandava em todos nós. Os árbitros eram ingleses e Pipo os xingava em castelhano. Nos fazia rir”, relembrou Maschio. Falamos aqui.

Pela Atalanta, Maschio chegou à seleção italiana. Na Inter, foi campeão italiano, mas boicotado pelo próprio treinador argentino Helenio Herrera. Na Fiorentina (com Juan Carlos Morrone, também argentino), venceu a Copa da Itália

O efeito reverso do sucesso foi a debanda europeia de pilares daquele timaço. O goleiro Rogelio Domínguez, também racinguista, foi ao Real Madrid de Di Stéfano. Já a Itália importou os oriundi Maschio (Bologna), Sívori (Juventus) e Angelillo (Internazionale). Na época, não se convocava quem atuasse no exterior e eles, embora quisessem jogar, acabaram de fora da Copa de 1958, onde os hermanos caíram ainda na primeira fase. Eles ficaram doídos, mas não chegavam a questionar: “se respeitava muito quem jogava na Argentina”, contextualizou. A última partida oficial de Maschio pela Albiceleste deu-se ainda no Peru, em amistoso três dias após aquela Copa América, por uma revanche: Argentina 4-1. Terminou com doze gols marcados em doze jogos. A partir dali, se notabilizou mais como volante cerebral e de sacrifício do que por quantidade de gols.

Ironicamente, Maschio e Sívori enfrentariam a própria Argentina em amistoso pré-Copa que o país realizou contra a Internazionale em 21 de maio de 1958, sendo emprestados à Inter para a ocasião (deu Argentina 2-0). No dia 29, Maschio voltava a enfrentar a Albiceleste, agora pelo Bologna, derrotado por 1-0. Nesse clube, Maschio não chegou aos dez gols nas duas temporadas, ainda que tenha tido bons momentos nos felsinei: os dois gols em vitória de 2-0 sobre a Inter em Milão, outro em 1958, o gol no empate em 2-2 com a Juventus em Turim em 1959. Foi repassado à Atalanta, onde melhor se identificou na Itália. No clube de Bérgamo, marcou por três temporadas seguidas em duelos contra o Milan (2-1 em 1960, 2-0 em 1961, 2-2 novamente em 1961). Na terceira delas, a de 1961-62, marcou onze vezes, vitimando também Inter (ambos em derrota de 3-2) e Juve (1-1). O 6º lugar na Serie A só foi superado duas vezes na história pela Dea, também semifinalista da Copa Mitropa.

A reestreia de Maschio no Racing, contra o Chacarita. À direita, ele e Miguel Ángel Mori (os únicos a vencerem a Libertadores por Racing e Independiente) celebram o 32º jogo seguido de invencibilidade racinguista, no 2-0 sobre o Independiente na casa rival

Maschio não havia participado das eliminatórias à Copa de 1962, mas o grande desempenho como atalantino e necessidade emergencial de reposição ao lesionado astro Gianpiero Boniperti o colocaram na convocação final da Itália rumo ao Chile, ao lado do Carasucia Sívori (Angelillo foi usado nas eliminatórias, assim como outro argentino, Francisco Loiácono, mas calharam de decair na temporada prévia) e dos brasileiros Ângelo Sormani e José João “Mazzola” Altafini. El Bocha estreou já em maio de 1962 por sua nova seleção, em curioso 2-1 amistoso sobre a França: os Bleus usaram um argentino que inclusive havia sido colega dele na vitoriosa Copa América de 1957, o ponta reserva Héctor de Bourgoing. Seu segundo jogo foi famoso: foi já no Mundial, na polêmica “batalha de Santiago” contra a seleção da casa.

Os italianos tiveram dois expulsos cedo contra o Chile, perderam por um 2-0 que os eliminou do mundial já na segunda partida – e Maschio teve de jogar com o nariz fraturado e ouvindo dos oponentes que era “um vendido”, que “tinha que estar em Rancágua”, a cidade-sede da delegação argentina. Como se não bastasse, na época, a FIFA usou o Mundial como tolerância final a naturalizados que já houvessem jogado pelos países de origem, o que encerrou não só o ciclo de Maschio, Sívori e Altafini/Mazzola pela Itália (Sormani, que nunca vestira a canarinho, pôde seguir com a Azzurra), mas também o de Di Stéfano, Ferenc Puskás, László Kubala e José Santamaría pela Espanha, dentre outros. Com isso, Maschio, apesar de manter boa fase no calcio, acabou tendo somente aqueles dois jogos pela seleção italiana. 

Segundo em pé pelo Racing na Libertadores 1967, contra o Independiente Medellín. O quarto agachado é Omar Corbatta, ex-colega na seleção de 1957

A boa temporada na Atalanta (“em 2007, me convidaram pelo centenário e me elegeram como o melhor volante da história”) inclusive o fez trocar de cores nerazzurri, rumando à Grande Inter do técnico argentino Helenio Herrera, cuja nacionalidade nada ajudou. Segundo Maschio, Herrera ele teria ciúmes de outros argentinos, arruinando a trajetória do Bocha e de Angelillo no clube. Na temporada 1962-63, ele enfim experimentou o título italiano, com direito a um gol no clássico com o Milan (1-1) e outro no 4º colocado Bologna, fazendo valer a lei do ex contra esse time, 4º colocado e campeão da temporada seguinte. Mas El Bocha só jogou 15 vezes e não permaneceu em Milão: foi ser ídolo na Fiorentina. Com a Viola, foi 4º colocado (chegando a marcar em 1-1 com a Juventus em Turim) na temporada 1963-64, campanha ofuscado pelo título do Bologna, o rival clássico dos florentinos. 

A Fiorentina foi novamente 4º na temporada seguinte, com gols de Maschio sobre Lazio (1-0), Juventus (1-0), no Derby dell’Appennino com o Bologna (2-1), na “ex” Inter (ambos em 2-2 contra os campeões da Liga dos Campeões, buscando nos quinze minutos finais empate de jogo perdido por 2-0) e Roma (ambos em 2-0), além de outro na Inter em derrota por 6-2. Sentindo-se moralizado, pediu muito para renovar o contrato e terminou dispensado na pausa de inverno, ainda que recebesse uma partida-homenagem e se despedisse com a classificação à final da Copa da Itália, ganha pelo clube já em maio. Maschio, que trocava cartas com o ex-colega racinguista Juan José Pizzuti, agora técnico do ex-clube, foi imediatamente sondado para voltar a Avellaneda ainda em março.

Maschio e o primeiro título mundial do futebol argentino: o do Racing sobre o Celtic, em 1967

E foi com 33 anos, idade que trouxe natural desconfiança, que Maschio enfim começou a realmente entrar para a história no Racing. Com um trabalho físico de metodologia alemã, o time sobrou no campeonato de 1966. O veterano reestreou na sexta rodada e participou ativamente do recorde de 39 jogos seguidamente invictos que embalou a campanha campeã por antecipação – um recorde na era profissional do futebol argentino (oficializada em 1931) só quebrado pelo Boca de Carlos Bianchi, que conseguiu um jogo a mais, parando nos 40 em 1999.

Jogando mais recuado, Maschio pôde contribuir com seis gols, incluindo um em vitória no Clásico de Avellaneda por 2-0 no campo do Independiente. Ele inclusive voltou à seleção argentina após nove anos, para um amistoso pré-Copa de 1966, já em 1º de junho, embora não tenha sido confirmado; como foi amistoso não-oficial, com o clube italiano do Cagliari, batido por 2-0, essa partida por vezes é desconsiderada. O resto é a história mais conhecida: aquele Racing terminou no ano seguinte vencendo sua única Libertadores (Maschio fez cinco gols na campanha, incluindo no River) e conseguiu, sobretudo, o primeiro título mundial do futebol argentino

Quando o Independiente foi campeão pela quarta vez da Libertadores, a revista El Gráfico reuniu membros de todas as conquistas, embora alguns já não estivessem no clube. Maschio é o mais à esquerda na fileira acima dos homens sentados no gramado

Maschio jogou por mais um ano. Na Libertadores, o time entrou já nas semifinais e esteve no páreo ao abrir 2-0 no Estudiantes, com o Bocha marcando. Mas na volta o time de La Plata fez 3-0 e confirmou a classificação mantendo a vantagem do empate no jogo extra. Ao fim do ano, perdeu o título nacional em triangular final com River e Vélez. A alegria se limitou ao clássico, onde o Independiente foi derrotado por 4-1, por aquele Nacional – a foto que abre a matéria é de arremate de Maschio nessa partida. Só em 2016 a Academia voltou a bater o rival por três gols de diferença. No início de 1969, Maschio já virava técnico. E, de cara, na seleção. Mas eram tempos de muita desorganização que levava a uma má vontade dos jogadores em defenderam a Albiceleste. Ele renunciou com a queda do interventor que lhe empregara na AFA, antes das mal-sucedidas eliminatórias – Adolfo Pedernera já era o treinador quando a Argentina terminou desclassificada.

No Unión, foi rebaixado em 1970. Também não vingou treinando o Racing em 1971, durando até a 19ª rodada de um Metropolitano ganho justamente pelo Independiente. O grande momento na nova função viria, heresia, no arquirrival. Após fracassar ainda em 1972 com a Costa Rica nas eliminatórias da Copa 1974, Maschio foi o treinador e preparador físico campeão da Libertadores de 1973 com os Rojos, promovendo exatamente na finalíssima a estreia do ídolo-mor Ricardo Bochini (outro Bocha) na competição. A conquista teve um sabor especial extra: ali o Independiente pela primeira vez se isolou como maior campeão de La Copa, com o quarto título colocando-o à frente dos três de Peñarol e Estudiantes. Mais estranho que ver Maschio como rojo era a peruca que ele começou a usar na época, só abandonada já nos anos 90, quando enfim ficou bem resolvido com a calvície…

Maschio (e sua peruca) em 1978 como técnico do Instituto em álbum de figurinhas do campeonato cordobês – onde erraram o ano do nascimento, mas não o dia. À direita, na festa de 50 anos do Mundial do Racing, em 2017: Nelson Chabay, Alfio Basile, ele, Fernando Parenti, o técnico Juan José Pizzuti, Juan Carlos Cárdenas, Rubén Díaz e Oscar Martín

Eram tempos de convivência pacífica entre as duas torcidas de Avellaneda. Inclusive, o Rojo vinha de recentes títulos sob comando técnico de velhos ídolos racinguistas, antigos colegas do próprio Maschio nos anos 50: Vladislao Cap no Metropolitano 1971, Pedro Dellacha na Libertadores 1972. Mas, como sugere sua expressão facial em imagem logo acima da anterior, Maschio nunca pareceu totalmente à vontade no quarteirão vizinho. Era recíproco: na entrevista, mencionou que não só a “turma do amendoim” da Doble Visera sempre dava um jeito de critica-lo, como a sensação de boicote parecia vir dos próprios cartolas; ele renunciou após ser suspenso por eles mesmos ao não se entenderem sobre locais de treinamento. Foi por isso que o time já era treinado por Roberto Ferreiro na ocasião do Mundial Interclubes daquele ano, justamente o primeiro enfim vencido pelo Rey de Copas.

Maschio foi treinar ainda em outubro de 1973 o Chacarita, enquanto seus pupilos de Independiente ganhavam o mundo dali a um mês. Ele permaneceu até julho de 1974 no Chaca, que vivia seus últimos anos de poderio. Em 1975, assumiu um Gimnasia de Jujuy forte, com jogadores até testados na seleção – ganhou a liga provincial ali e em 1976, ano em que também trabalhou no Torneio Nacional com o Lobo Jujueño. Em 1977, seu clube no interior foi o Instituto de Córdoba, onde curiosamente treinou e reprovou um jovem zagueiro de nome Marcelo Bielsa. Ainda em Córdoba, Maschio também serviu a seleção argentina na Copa de 1978, como espião dos países que jogavam naquela cidade.

À esquerda, na dupla técnica com Gustavo Costas no Racing de 1999. À direita, Costas, novamente técnico racinguista, na homenagem póstuma a Maschio em 2024

Curiosamente, ele também seria vira-casaca entre as torcidas cordobesas: até teve ciclos no Instituto em 1978 (vice em ambos os turnos da liga provincial) e 1980 e voltou a Buenos Aires para treinar o Platense no Nacional de 1982, mas foi no Talleres que El Bocha teve um último trabalho de relevo, na campanha semifinalista do Nacional de 1984 com os cordobeses – para então treinou o Racing de Córdoba no Nacional de 1985 e dirigir depois o Belgrano, na segunda divisão de 1987-88. Intercalou alguns desses trabalhos com passagens pelo Equador: no Barcelona de Guayaquil, em 1981 (foi um dos quatro técnicos que se sucederam na campanha campeã equatoriana) e 1983 e na rival LDU Quito no segundo semestre de 1982, em meio à Libertadores.

Teve outra passagem lembrada pela torcida do Gimnasia de Jujuy na temporada 1991-92, quando o Lobo triscou o acesso à segunda divisão, derrotado na decisão para o Gimnasia de Salta. Já o último trabalho de técnico deu-se em 1999, em um Racing (o “seu” de Avellaneda) decrépito, como bombeiro: o clube chegou a ter sua inexistência anunciada e Maschio, ele próprio um dos credores no processo de Recuperação Judicial, assumiu o cargo de técnico em dupla com Gustavo Costas, por sua vez símbolo como recordista de partidas profissionais pelo time. “Dou mais valor a nossos títulos agora do que quando jogava”, responderia Maschio naquela entrevista ao ser indagado se possuía ciúmes com a conquista de 2001, redentora por encerrar jejum nacional de 35 anos, desde aquela taça de 1966.

O primeiro jogo de Racing e Independiente após o falecimento de Maschio foi justamente o clássico de Avellaneda: respeito mútuo

Na mesma entrevista, também não foi nada saudosista sobre o melhor jogador da história: “Messi ficará como o melhor de todos. Eu enfrentei Pelé e Di Stéfano. Pelé era simples para jogar, mau porque te metia os cotovelos; Di Stéfano, um homem de todo o campo; Maradona, um grande habilidoso e definidor. Mas esse garoto tem algo que os outros não têm: é rápido com a bola nos pés, a leva grudada, sabes para onde ele vai mas não o paras. É um fenômeno, o nº 1 da história, já. Por mais que não tenha ganho com a seleção, não importa”.

Atualização em 27-12-2022: nessa data, faleceu o argentino Rodolfo Micheli, aos 92 anos. Era o mais antigo artilheiro das Copas América ainda vivo, pela edição de 1955. Desde então, o posto passou a ser de Maschio, da edição de 1957. 

Atualização em 25-08-2024: Maschio faleceu em 20 de agosto de 2024, aos 91 anos, justamente na semana que precedeu um clássico de Avellaneda. Velado na sede social do Racing, o clube com o qual era mais relacionado, também recebeu as corretas homenagens do Independiente. E as duas forças da cidade uniram-se em respeitoso luto no Cilindro antes do empate em 0-0 – o minuto de silêncio foi apenas de aplausos e cânticos à “Equipe de José”, da qual vivem somente Juan Carlos Rulli e Alfio Basile.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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