Hoje é dia de Super Bowl, evento desportivo anual mais aguardado dos EUA e que já foi protagonizado por um argentino. Das finais clubísticas anuais, a do campeonato ianque de futebol americano só perde em audiência para a da Liga dos Campeões da UEFA e vem cada vez mais sendo apreciada também por brasileiros. A ESPN transmitirá a partir das 21 horas de Brasília.
A final em questão ocorreu há pouco mais de dez anos, em 26 de janeiro de 2003. Foi a primeira e única vencida pelo Tampa Bay Buccaneers. História feita, seu dono, o petroleiro Malcolm Glazer, se permitiu a ir ainda mais longe e comprar no mesmo ano nada menos que o Manchester United. Era no time da Flórida que atuava o kicker Martín Gramática. Não foi o primeiro argentino no torneio (Bob Breitenstein atuou nos anos 60 pelo hoje finalista Denver Broncos), mas foi o único a ter algum êxito. Seus irmãos Bill e Santiago Gramática também tentaram depois, sem sucesso.
Gramática nasceu na capital argentina da bola oval, mas do rúgbi: San Isidro. Mas era o soccer e o Boca que mais apreciava, algo inicialmente mantido quando ele, aos 9 anos de idade, se radicou com a família nos EUA. Foi só no último ano colegial que foi pedido para passar ao “outro” futebol, justamente por suas habilidades com os chutes em um esporte que, apesar do nome, prioriza o jogo de mãos. Mas seus festejos por seus gols continuaram enérgicos, algo incomum no football (onde o principal é fazer o touchdown) e que, visto como fanfarronice, até lhe renderia pedidos de moderação.
Antes da carreira profissional, o hermano fez história no time da Universidade de Kansas, onde possui recordes de 54 field goals em 70 tentativas e 187 em 192 nos chutes de conversão pós-touchdown. Além disso, obteve em 1998 um recorde de distância de um field goal em campeonatos universitários, 65 jardas (mais longe que aquela falta de Ronaldinho Gaúcho contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 2002, por exemplo), contra a Universidade do Norte de Illinois. Usava a camisa 10 por causa de Maradona, “mimo” que perdeu ao se profissionalizar, passando a vestir a 7.
Selecionado no draft de 1999 para o Buccaneers, já em 2000 foi chamado para o Pro Bowl, o All-Star Game do futebol americano. Mas o grande momento veio mesmo em 2002. Os campeonatos dos EUA (incluindo o de futebol), por conta da imensidão do país, costumam dividir os times em duas conferências, por sua vez divididas em zonas. Os títulos são decididos entre os campeões de cada conferência. Até ali, o Bucs havia conquistado só alguns zonais, morrendo nos mata-matas. A final foi na Califórnia contra um clube local, o Oakland Raiders, que queria quebrar jejum de 18 anos.
Até a final de logo mais, entre Seattle Seahawks e Denver Broncos, aquela foi a última sem ao menos um dos maiores campeões (Pittsburgh Steelers, San Francisco 49ers, Dallas Cowboys, Green Bay Packers ou New York Giants, todos entre os três maiores vencedores) ou o Indianapolis Colts do astro Peyton Manning, que hoje defenderá o Broncos. Dessa forma, aquele Super Bowl foi o terceiro de menos público da história, mas ainda assim pôs 68 mil pessoas no Qualcomm Stadium de San Diego.
Gramática fez um quarto dos 48 pontos dos visitantes, ajudando a estabelecer um confortável placar sobre os 21 do Raiders por um time que havia se notabilizado mais pela boa defesa (Warren Sapp, Derrick Brooks, John Lynch e Ronde Barber eram astros na época) do que por um ataque avassalador – o quarterback era um “normal” Brad Johnson. Tanto que elegeram como o melhor em campo Dexter Jackson, um dos três únicos jogadores de linha secundária agraciados com isso. Curiosamente, o elenco campeão tinha também um brasileiro, ainda que lesionado, o mineiro Damian Vaughn.
O argentino foi vital para pôr o Bucs à frente desde cedo. O time saiu atrás no placar, por conta de um field goal, que vale 3 pontos. Gramática, na mesma moeda, empatou e, já no segundo quarto, virou para 6-3, com chutes de 31 e 43 jardas. A partir dali, deu-se só ao trabalho de concluir os chutes de conversão (1 ponto cada) aos touchdowns (objetivo principal, quando o time avança com a bola à linha de fundo e assim arranca 6 pontos, que costumam virar 7 por conta do chute de conversão, lance de bola parada logo oferecido) que sua franquia ia conseguindo.
Após o show de Shania Twain, No Doubt e Sting no intervalo, o placar já apontava um 34-3 no terceiro quarto. O Raiders conseguiu três touchdowns seguidos, mas tamanha desvantagem o obrigou a abdicar do chute-extra para sempre tentar a conversão de 2 pontos, todas falhas. Ficou só nos 34-21, ampliados depois de dois novos touchdowns do Buccaneers majorados com tranquilos chutes do argentino.
A glória foi tamanha que Gramática, por salários e merchandising, só ficava atrás de Batistuta, Crespo e Verón entre os esportistas argentinos mais bem pagos do mundo na época. Participou de um jogo festivo de basquete com dois Backstreet Boys e até rumores de um affair com Britney Spears circularam.
Contudo, ele não tardou a deixar de ser o Automatica, apelido que ganhara ainda em Kansas em razão da alta pontaria, que já em 2003 decaiu de 82% para 60%. Em 2004, quando ela estava nos 57%, foi desligado. Constantes lesões o impediram de voltar ao mesmo nível, mesmo passando pelos mencionados Colts, Patriots, Cowboys e por fim no New Orleans Saints até dar a carreira por finalizada, em 2008. Hoje, se dedica à empresa familiar de arquitetura e engenharia e a escolinhas para kickers.
Com seu “representante” na NFL ainda respirando um pouco o auge, a Football Americano Argentina foi criada em 2004 para fomentar o esporte no país, onde está bem longe da popularidade do futebol, basquete, rúgbi, automobilismo, hóquei sobre grama, tênis e boxe, dentre outros. Desde 2005, os clubes argentinos travam anualmente um duelo com seus vizinhos do Rio da Prata e tradicionais rivais, os uruguaios. O evento foi sugestivamente batizado de Silver Bowl.
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