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Herminio Masantonio, melhor artilheiro do Huracán e da seleção, faria 110 anos

Masantonio em 1938

Lionel Messi é o maior artilheiro da Argentina, mas só em números absolutos. Pois há um recorde aparentemente insuperável até para ele. Dentre os que defenderam a seleção mais de dez vezes, a melhor média de gols é do único que conseguiu mais de um gol por jogo: Herminio Masantonio. Foram 21 em 19 partidas. Também é o segundo homem que mais gols fez no Brasil. Maior artilheiro do Huracán (264 gols em 365 jogos), Masa foi o primeiro jogador argentino a nomear ruas no país e o primeiro a ser homenageado em monumento. Hoje celebra-se os 110 anos do nascimento de quem também partiu cedo demais.

Nascido em em Ensenada, na Grande La Plata, como quarto dos dez filhos dos italianos Rafael e Sabina, deu os primeiros chutes na liga platense por um quadro chamado Villa Albino – ingressou lá aos 12 anos e já era aproveitado no time adulto aos 14. Já os socos, aprendeu no Boxing Club de Ensenada. Em tempos em que terminar o primeiro grau era uma conquista aos mais humildes, a conseguiu (e repassou a preocupação às duas filhas, com Alicia Masantonio lembrando os dizeres “com uma camiseta se chega muito longe, mas com um livro embaixo do braço chegas mais longe ainda”). Trabalhou em uma alvenaria (como o pai) e em um frigorífico enquanto seus feitos na liga municipal de La Plata chamaram a atenção da dupla principal dos arredores, Estudiantes e Gimnasia. Não era exatamente algo que empolgasse seu pai.

E como ele parou então no Huracán? O serviço militar, obrigatório até a década de 80 a todo homem argentino que chegasse aos 20 anos, contribuiu. “Foi Tomás Adolfo Ducó, que estava com destino militar em La Plata, quem se inteirou das façanhas de Herminio no Villa Albino e o mandou buscar por intermédio de um soldado para falar com ele”, explicou Ángel Masantonio, sobrinho do craque. Há versões, inclusive, de que o convencimento envolveu ameaça de calabouço se recusasse… O coronel Ducó, dirigente huracanense, futuramente batizaria o estádio quemero. Outro parente, o irmão Humberto Masantonio, lembraria nos anos 60 que a família não tardou a se orgulhar do sucesso de Herminio. O pai, ao ver toda uma página de jornal dedicada a Masa, não esconderia a emoção com seu sotaque italiano: “mira come la bestia è fatto famoso”. 

Jovem em seu primeiro ano de Huracán, em 1931: Hugo Settis, Francisco Echechipía, Antonio Sande, Néstor Molteni, Máximo Federici e Francisco Ribes; Orestes Propato, Alberto Arzeni, Masantonio, Alejandro de los Santos e Cesáreo Onzari

Outro nascido em 1910, Francisco Varallo, último sobrevivente da Copa de 1930 (faleceu em 2010, justamente aos cem anos), comparou Herminio em 2003 a Gabriel Batistuta: “dava na bola com um ferro, tinha muita potência e além disso imprimia à bola uma direção muito precisa”. Em 1965, o diário Crónica lembrou dele assim: “cada gol seu foi uma perfuração de um poço de petróleo”. Personagem de tango sem ser boêmio, sem ser fanfarrão, sem ser extrovertido ou mulherengo, Herminio também era modesto: “com a bola parada, consigo mais força e melhor direção”, mas “quando a bola está em movimento chuto forte com as duas pernas, mas se está parada não tenho shot de esquerda”. Foi um dos primeiros a ter chuteira sob medida. 

Uma grande mágoa foi jamais ter sido campeão argentino. Especialmente porque, na época, ir ao Huracán era ir a um time recentemente supercampeão: o clube havia ganho quatro campeonatos nos anos 20 e revelado, dentre outros, o autor do primeiro gol olímpico (Cesáreo Onzari) e o artilheiro da primeira Copa (Guillermo Stábile). O sucesso na Copa de 1930, justamente, credenciara Stábile a uma transferência para o futebol italiano, deixando em aberto no clube a vaga ao novato. Masantonio estreou oficialmente pelo Huracán em 31 de maio de 1931, na primeira rodada do primeiro campeonato profissional. Fez aos 29 minutos o primeiro gol da equipe na nova era e marcou também o último na goleada de 4-0 como visitante sobre o Quilmes para 1.600 pagantes.

O atacante, que brilhou com um gol e duas assistências em um 5-1 no Independiente, foi desde logo o goleador máximo do elenco quemero, marcando 23 dos 58 gols, e o quarto do campeonato. Já o time, irregular, ficou só em 8º. O ano 1932 foi festejado pela primeira vitória em clássicos com o San Lorenzo pelo campeonato (incluindo aí o amadorismo), com Masantonio garantindo a vitória ao marcar o segundo aos 36 minutos do segundo tempo. Mas o time foi igualmente irregular, a ponto de perder de 6-0 para o Chacarita na rodada seguinte.

Em disputas aéreas contra Chacarita, Boca e Gimnasia

Naquele ano, o River foi campeão tendo consigo o recém-contratado ultragoleador Bernabé Ferreyra, autor de incríveis 187 gols em 185 jogos pelo clube. Suas bombas o fizeram ser conhecido como El Mortero de Rufino, sua cidade natal. Em contraponto, Masantonio virava o tango El Mortero del Globito, diminutivo do apelido do Huracán. Ou El Mortero de Ensenada, que chegaria a ser requisitado por Juventus e Palmeiras, mas permaneceu quase sempre no Globo. Em 1933, o clássico com o San Lorenzo (que acabaria campeão) rendeu a maior goleada (e primeira vitória) como visitante até então, um 4-1 (chegou a ser 4-0) com dois de Masa, carregado pelos colegas após o apito final.

Já o ano de 1934 foi disputado em um torneio de três turnos, no qual o Huracán dava pinta de rebaixamento no primeiro mas reagiu fortemente nos outros. Masantonio se ausentou em 14 dos 39 jogos, mas nos 25 em que esteve marcou 23 vezes. A grande ausência relacionada àquele ano, porém, foi da Copa do Mundo mesmo. É que, embora mais prestigiada para público e mídia, a liga profissional ainda era pirata, iniciada em 1931 com a rebeldia dos 18 principais clubes da Grande Buenos Aires e La Plata contra a associação oficial perante a FIFA. Tais clubes recusaram fornecer seus craques à seleção, receosos de perderem seus astros a times europeus sem que pudessem pleitear indenizações; assim, a Argentina foi subrepresentada no Mundial, enviando uma seleção obscura de amadores eliminada já no primeiro duelo.

Quando Masantonio fez-se presente, aquela campanha huracanense de 1934 teve baile no Vélez (7-2, com quatro de Herminio) e no campeão Boca (5-2, também com quatro dele), além de triunfos sobre Racing (3-1) e San Lorenzo (2-1). O sucesso da liga profissional, por sua vez, fez a associação oficial capitular e se deixar absorver pela liga. Assim, em janeiro de 1935 o atacante enfim estreou pela seleção, na Copa América. Curiosamente, não foi exatamente a estreia pela Albiceleste: os hermanos jogaram com uma camisa totalmente branca para acompanhar o calção preto, enquanto o anfitrião Uruguai deixou de lado a Celeste para trajar-se de vermelho; a mudança dupla de uniforme visava simbolizar que as cenas lamentáveis que marcaram as finais de 1928 e 1930 ficariam para trás. Não ficaram: na decisão, os vizinhos ganharam por 3-0 em clássico marcada pelos sopapos entre Masantonio e o adversário Lorenzo Fernández. Restou a Masa o consolo pela artilharia com quatro gols.

Na Copa América de 1935, a Argentina usou camisa branca e o Uruguai, a vermelha. Masantonio foi o artilheiro, mas não evitou o vice no clássico. Foi à forra brigando sozinho com os rivais…

Em 1935, Masantonio (que em 14 de julho marcou o único gol de um duelo não-oficial da seleção, contra um combinado do Espanyol com o Atlético de Madrid, ambos em visita à Argentina) também recebeu um companheiro à altura no Huracán: Emilio Baldonedo. Se Masa viria a ser o segundo homem que mais gols fez no Brasil (seis), Baldonedo é o primeiro, com um a mais – e só Pelé os superou na rivalidade. Com a dupla, o clube enfim começou a voltar seriamente ao páreo pelo título. No ano de 1936, a AFA organizou dois campeonatos de turno único e o Globo foi vice no primeiro deles, com direito a dez gols de Herminio, ainda que o campeão fosse justo o San Lorenzo. Um desses gols, em outro duelo com o Quilmes, foi o centésimo da carreira do atacante, que cairia de produção no segundo campeonato; fez só um gol e dez jogos e acabou de fora da Copa América realizada (e ganha) no início de 1937, diante da concorrência pesadíssima a incluir aquele Bernabé Ferreyra.

A partir daquele torneio, a rivalidade com o Brasil gradualmente passaria a superar o espaço da travada com os uruguaios e Masantonio não perderia essa transição. Mas teve tempo para, ao fim de 1937, desfrutar enfim um troco contra a Celeste. Pudera voltar à seleção após atingir seu recorde pessoal de gols na liga argentina (28) e reestreou marcando três gols em um 5-1 no clássico platino, que incluíram o mais rápido da história da seleção, aos 23 segundos: “o uruguaio Chirimini estava em poder da bola. Retrocedi para evitar que avançasse, quando (Bruno) Rodolfi me conteve com um grito ‘o deixe-me, Herminio’, ao tempo que se jogava aos pés do rival. (José Manuel) Moreno recebeu o rebote pelo alto e com um cabeceio deu a (Enrique) García. Vi o Chueco (García), que iludia o half e se fechava sobre o arco. Me aproximei à corrida e ao receber o passe até atrás atirei sem olhar. Segundos depois, soube que havia vencido as mãos de Besuzzo”. 

Seis minutos depois, ampliou de pênalti, cobrando no alto. E faria o quarto: “a bola rebotou do travessão e corri até a vala, mas García chegou antes e impulsou a bola com efeito, descolocando Besuzzo, que se jogou até a esquerda. Em plena corrida, alcancei a bola quase sobre a linha sobre o lado oposto do goleiro e com ela penetrei no arco”. Mesmo assim, Masantonio, diante de concorrência com o ainda mais fenomenal Arsenio Erico, acabou não convocado à Copa do Mundo de 1938 – embora logo depois a própria seleção argentina desistisse de participar, ante o desgosto da AFA em perder a sede do evento para a França. O Brasil, por sua vez, voltou da Europa com o bronze e veio com banca para a Copa Roca travada em janeiro de 1939. Os argentinos minimizavam o feito vizinho, diante da ausência sentida da Albiceleste no Mundial.

No clássico com o San Lorenzo: é o maior artilheiro do Huracán na rivalidade, que disputou o título argentino de 1936 (rendendo essa capa à direita da El Gráfico, com o rival Diego García, chamado para a briga por Herminio ao fazer o jovem torcedor chorar…)

O Huracán havia feito um torneio irregular em 1938 (8º lugar), mas aquele tira-teima entre as duas versões fez Masantonio ser relembrado. O enfoque no embate foi tamanho que os dois países preferiram se ausentar da Copa América realizada em 1939 (deixando o caminho livre para o anfitrião Peru levar o primeiro dos títulos títulos da Blanquirroja). Os dois jogos do troféu binacional foram marcados para São Januário, mas os hermanos não se intimidaram. E tampouco Masantonio, autor de dois gols no 5-1, a pior goleada sofrida em casa pelo Brasil até os 7-1. Na revanche, os anfitriões venceram por 3-2. Sem saldo de gols pesando, a entrega do troféu de 1939 foi postergada, acertando-se um jogo extra para o ano de 1940. Até lá, a presença de Masa na seleção seria reforçada de modo contundente pelo desempenho dele e do Huracán ao longo de 1939.

Aquela reunificação entre a liga profissional e a associação oficial de 1935 acertou que determinados clubes fariam jus a peso triplo nas votações. Para tanto, era preciso ter vinte anos de participação contínua na elite, dois títulos nela e pelo menos 15 mil sócios, o único critério que o Huracán ainda não atendia. O rival San Lorenzo e as duplas Boca & River e Racing & Independiente foram os clubes que puderam preencher todos esses requisitos e se sedimentaram a partir dali como “os cinco grandes”. O Huracán de 1939 foi justamente o primeiro “não-grande” a vencer em um mesmo campeonato aqueles cinco – e tudo ainda no primeiro turno, no qual terminou líder junto do Independiente. Foi também o primeiro torneio onde os quemeros venceram os dois clássicos com o Sanloré (algo que só voltaria a ocorrer em outro ano, o de 1976), que incluíram a maior goleada alcançada por eles como visitantes, um 5-2.

Naquela campanha memorável, Masantonio contribuiu com 28 dos 97 gols, conseguindo marcar quatro gols de uma vez em dois jogos – o 6-3 no Lanús (três deles vieram em espaço de novo minutos) e o 7-1 no Argentino de Quilmes. O técnico daquele Huracán de 1939 era ninguém menos que o recém-aposentado Stábile, que ironicamente também treinava o San Lorenzo (!). O time do bairro de Parque de los Patricios, contudo, perdeu fôlego na reta final para um Independiente de ataque ainda melhor: o trio de Arsenio Erico, Antonio Sastre e Vicente de la Mata é até hoje o terceto quem mais gols marcou junto na liga. Somaram 103 gols e fizeram do Rojo o time campeão, restando ao Globo dividir o segundo lugar com o River.

Cenas do 5-1 no Uruguai em 1937. Masantonio, à esquerda na imagem esquerda, marcou três gols – como esse de pênalti na imagem direita

O jovem De la Mata (cujo falecimento completou ontem 40 anos: relembre-o aqui), justamente, havia sido ainda adolescente o herói argentino na final contra os brasileiros na Copa América de 1937, mas nesse meio-tempo Stábile terminou credenciado para assumir a seleção. E tratou de chamar Masantonio e Baldonedo em fevereiro de 1940 para o ataque argentino no reencontro da Copa Roca ainda válida por 1939. O jogo-extra, em São Paulo, ficou no 2-2, forçando um segundo jogo-extra. Mesmo no Pacaembu, a Albiceleste prevaleceu por 3-0 e enfim levou para si a Copa Roca. As duas delegações logo agendaram uma edição própria para o ano de 1940, já para março, dessa vez em Buenos Aires.

Embalados, os hermanos fizeram 6-1 no primeiro jogo, no Gasómetro sanlorencista, com Masantonio abrindo e fechando a maior goleada que o clássico já registrou até hoje. Os brasileiros se superaram no segundo jogo, também no Gasómetro, arrancando um 3-2. Novamente, o saldo não pesou, forçando-se um terceiro jogo. Dessa vez, ele foi realizado logo, ainda naquele mês. No estádio do Independiente, Baldonedo abriu o placar e Masantonio ampliou em um categórico 5-1, garantindo nova Copa Roca. Ali os argentinos passaram à frente em número de conquistas da taça (três contra a duas), mas nunca mais voltaram a levanta-la com exclusividade: o Brasil venceu a de 1945, 1957, 1960, 1963, o troféu foi dividido em 1971 e a canarinho faturou a última, a de 1976 – antes da disputa ser nutellizada como Superclássico da Américas.

No resto do ano de 1940, o Huracán novamente esteve no pódio, em terceiro. Masantonio outra vez marcou 28 gols e brilhou no clássico, marcando três em um 3-3 contra os azulgranas. Um deles foi o gol de número 200 da carreira do craque. Porém, Juan Marvezzi somou um gol a mais e pelo nanico Tigre, 11º colocado. Assim, este foi o centroavante escolhido pela seleção que foi ao Chile competir em fevereiro na Copa América de 1941. Nos meses seguintes, Masantonio mostrou-se ainda calibrado. Mesmo jogando só 21 vezes, deixou 17 gols. Foi o ano em que sua dupla com Baldonedo virou um trio com Norberto Méndez, justamente o terceiro homem que mais fez gols no Brasil, embora El Tucho se eternizasse mais como futuro artilheiro máximo da Copa América. Méndez declararia que “jogar ao lado de Herminio te faz sentir mais forte”. Mesmo que o Globito caísse para o 6º lugar, Masantonio voltou à Copa América, que voltaria a ocorrer no Uruguai em janeiro de 1942.

O celebrado Huracán de 1939: Manuel Giúdice, o técnico Guillermo Stábile, Rafael Luongo, Carlos Marinelli, Bruno Barrionuevo, Jorge Titonell e Jorge Alberti; Rubén Perdomo, Ramón Guerra, Herminio Masantonio, Emilio Baldonedo e Plácido Rodríguez

Tal como em 1935, Masa foi o artilheiro do torneio. Chegou a marcar quatro vezes em um 12-0 no Equador, maior goleada da história da competição, e outro sobre o Brasil, em vitória por 2-1. Mas novamente o Uruguai fez valer o fator casa no clássico na rodada final e terminou campeão, no último jogo que o veterano atacante faria pela Argentina. Foi também um ano marcante para o Huracán: novamente em terceiro lugar, os quemeros brilharam contra o River, que naquele ano não só foi bicampeão como viu nascer sua celebrada La Máquina. O Globo terminou invicto contra aquele timaço no campeonato (1-1 em casa e 2-0 fora na rodada seguinte à do título millonario) e o derrotou na final da Copa Adrián Escobar (torneio de pós-temporada onde eliminou nas semifinais o San Lorenzo).

O grande astro de La Máquina era Adolfo Pedernera, descrito por Alfredo Di Stéfano como o melhor jogador da história. César Menotti, técnico do Huracán que enfim voltaria a ser campeão, em 1973 (foi por isso que viraria técnico da seleção), ficou interessado no mito de Masantonio e pediu referências a Pedernera e assim se lembrou da explicação: “com seu estilo particular, porque foi sempre de poucas palavras, Adolfo me disse: ‘Masantonio era um grande jogador, um homem de verdade, um homem de honra e de bem, sempre disposto a defender o companheiro. Tinha coragem e assumia um compromisso inquebrável tanto com seus amigos como com a camiseta’. Me surpreendeu muito o comentário. Pedernera nunca foi de presentear elogios. Muitas poucas vezes o escutei falar de um jogador como falou naquela vez”.

Pena que, pela terceira vez seguida, tanto reconhecimento não fosse corroborado na Copa do Mundo por novos fatores extracampo, agora pela Segunda Guerra Mundial. O ano de 1942 foi também o ano em que o Huracán despediu-se de seu antigo estádio de madeira. E foi de Masa o último gol marcado lá, sobre o Gimnasia LP, fechando um 3-1 após cabecear cruzamento de Gilli. Já veterano, o craque também se despedia: em 1943, após quatro rodadas, atravessou o Rio da Prata para jogar pelo Defensor. Fez sobre o Rampla, do goleiro argentino Jaime Rotman, o gol que salvou os violetas do rebaixamento. Voltou à Argentina em 1944 para jogar no Banfield, assinando contrato que o livrava de enfrentar o Huracán. Pelos alviverdes, só deixou dois gols em nove jogos, mas nada que impedisse um regresso do ídolo em 1945 ao bairro de Parque de los Patricios para encerrar em casa a carreira.

Os três homens que mais fizeram gols na seleção brasileira jogaram juntos no Huracán: Norberto Méndez (autor de 5), Emilio Baldonedo (7) e Masantonio (6). À direita, Masantonio com Carlos Peucelle e Baldonedo na Copa Roca em 1940: vitórias de 3-0, 6-1 e 5-1 no clássico naquele ano

 Àquela altura, o Huracán já era um grande oficializado: aquele torneio de 1939 fizera o número de sócios explodir e, na volta de Masa ao clube, o Globito só tinha 500 sócios a menos que o Boca. O “sexto grande” fez uma campanha condizente e terminou em quinto lugar em 1945, com o veterano astro contribuindo com mais cinco gols em doze partidas – incluindo um na reestreia, contra o Atlanta. O último deles veio em 28 de outubro de 1945, em um 4-1 fora de casa sobre o Lanús, cuja torcida atirou projéteis no campo (o árbitro saiu enfaixado na cabeça). Naquela altura, o time já não parecia tão dependente dele: a maior goleada da história huracanense veio justamente na primeira partida sem o artilheiro, um 10-4 pela antepenúltima rodada sobre o Rosario Central, com três gols só do Tucho Méndez. Ainda assim, o clube trataria de reforçar-se em 1946 com o empréstimo de um tal de Di Stéfano, ainda subaproveitado pelo River campeão de 1945.

Quando parou de jogar, Masa era o maior artilheiro do clássico Huracán x San Lorenzo. Desde então, só foi superado por José Sanfilippo, o maior artilheiro do rival. Segue sendo na Argentina quem foi mais vezes artilheiro de um clube por temporadas: foram dez torneios em que ele foi o goleador máximo do seu plantel, ainda que ironicamente jamais tenha sido o artilheiro da liga. O forte era a regularidade: a despeito de nunca ter alcançado a artilharia do campeonato, Masantonio é o terceiro com mais gols no torneio, abaixo só de Ángel Labruna e Arsenio Erico (contratado pelo próprio Huracán em 1947 após o River ordenar que Di Stéfano voltasse). “Ele teve o grande mérito de ter jogado sempre acompanhado por garotos de pouca idade e também de pouco físico”, contrapôs seu colega Daniel Bálsamo já nos anos 60.

Após parar, Masantonio treinou juvenis do Huracán e ocasionalmente o time principal. A segunda metade dos anos 40 já não foi tão generosa; Baldonedo também saíra em 1945 e Méndez iria ao Racing em 1948, sujeitando o “sexto grande” a uma série de campanhas de brigas contra o rebaixamento (algo que entre 1949 e 1956 só não ocorreu na temporada de 1952) enquanto um câncer precoce levava lentamente o ídolo. Um dos últimos a vê-lo vivo no hospital Rawson? Lorenzo Fernández, com quem trocara socos na Copa América de 1935, viera de Montevidéu após saber do estado de Masa por Norberto Méndez: “você, que não foi frouxo nunca, não me vá ser frouxo agora!”, vociferou o uruguaio. Haviam virado amigos em 1942, ao se reencontrarem fora dos campos em meio à Copa América e tomarem mate. O atacante deu seu suspiro final em 11 de setembro de 1956, ainda como maior artilheiro da Argentina também em números absolutos: os 21 gols oficiais só seriam superados a partir dos anos 60. Considerando ainda jogos não-oficiais pela seleção, contra clubes ou combinados, totalizou 26 gols em 24 partidas.

Cumprimentado por Jules Rimet em 1939 e outra foto de seu temperamento brigador – agora contra o Newell’s, em 1940

Em 1971, o craque batizou uma pracinha em Buenos Aires. Em 1995, um pedaço da rua Grito de Ascencio, entre a avenida Amancio Acorta e Iguazú, na capital federal (também batizaria uma rua em sua Ensenada natal). Em 1996, virou monumento em frente à sede social do Huracán no Parque de los Patricios que dá nome ao bairro homônimo, com um a inscrição de um soneto que termina com “E na mostra de epitáfio não finito/gravado ficou um canto vitorioso/Salve Herminio, para sempre nosso mito”. Em 1973, o clube enfim voltou a ser campeão argentino e ainda assim houve espaço para lamentos: a ausência física de Masantonio foi lembrada por mais de uma personalidade quemera.

“Sabe o que mais lamento em um momento de tanta emoção? Que não esteja Herminio Masantonio”, “Dentro desta grande alegria da torcida do Globo, fico triste que não esteja Herminio. Que lindo teria sido!” e “Isto é o mais maravilhoso que se pode dar ao sofrido povo do Huracán. E penso que lá no céu Masantonio também esteja feliz com isto” foram os depoimentos em questão (dos ex-colegas Victorio Adamo, Jorge Titonell e Baldonedo, respectivamente), reproduzidos na imagem abaixo. Em 2006, meio século depois de falecer, virou tema central de livro escrito por Néstor Vicente, nada menos que o presidente do time. Em 2011, não foi esquecido na edição especial onde a El Gráfico elegeu os cem maiores ídolos da seleção. E nos 110 anos do clube, em 2018, Masantonio foi uma das escalações mais óbvias no time huracanense dos sonhos escalado pelo Futebol Portenho, vencendo a concorrência interna com Stábile.

Encerramos com palavras da célebre pena de Osvaldo Ardizzone da revista El Gráfico, já em 1968: “nunca pediu perdão, porque sua rebeldia natural não admitia. Mas contra essa cota de orgulho aparecia sua desconcertante bondade… Era como os simples, como esses gigantes que sucumbem facilmente à emoção, que têm a alma eternamente infantil… Era capaz de brigar contra dez, cem, contra todos os que ‘vinham’ e perder e chegar contundido, mas não se rendia, não afrouxava… Brigava até o último socão de raiva, estimulado por esse germe varonil que havia instalado nas vísceras, que havia metido no sangue… Era rebelde e emotivo. Era brigador e generoso. Era atrevido e não provocador, e menos prepotente. Denunciava ‘debilidade’ para proteger os mais fracos… Por isso, juntava afetos a seu redor sem ser caudilho. Sem pretender sê-lo e sem saber sê-lo”.

*O livro de Néstor Vicente, fonte principal da matéria, se chama “Herminio Masantonio – Amor por la camiseta” e foi adquirido por este que vos escreve em banca de revista no Parque de los Patricios, exatamente em frente à sede social huracanense. As imagens coloridas em boa definição nessa matéria foram garimpadas pelo perfil tuiteiro @HuracanRetro.

Rodeado de admiradores e relembrado por três ex-colegas em 1973 quando o Huracán, pela primeira vez desde 1928, voltou a ser campeão argentino, algo sempre negado em vida ao artilheiro
https://twitter.com/CAHuracan/status/1291023379793936384
https://twitter.com/afa/status/1291041274775195650
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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