Héctor Yazalde, o primeiro argentino Chuteira de Ouro
Nesta última temporada europeia, Lionel Messi garantiu sua segunda Chuteira de Ouro, sendo o segundo argentino a receber a premiação de máximo artilheiro dos campeonatos nacionais do Velho Continente. O primeiro foi Héctor Casimiro Yazalde. Na data em que se completam 15 anos da prematura morte deste veloz centroavante, dedicaremos um especial a El Chirola.
Ele recebeu o apelido (gíria argentina para pouco dinheiro, equivalante ao que os brasileiros chamam de “trocado”) por conta de pequenos trabalhos temporários que precisava fazer na juventude para ajudar nas finanças caseiras. Vinha de uma família humilde e fez seus primeiros gols em Villa Fiorito, a mesma favela em que cresceu Diego Maradona.
Começou nas categorias inferiores do Los Andes, esteve depois nas do Racing, e, ainda nos juvenis, passou para o pequeno Piraña, minúsculo clube do bairro portenho de Parque Patricios, lá se profissionalizando. Na quarta divisão, foi descoberto pelo arquirrival racinguista, o Independiente. Aos 21 anos, estreou em 1967 na elite argentina.
O técnico era o brasileiro Osvaldo Brandão. Fora o ano em que o Racing conseguira a Libertadores e a primeira Intercontinental de um quadro argentino. Os rojos (que já eram bicampeões da América, mas falharam nos dois confrontos contra os europeus) souberam dar uma carimbada no feito do rival, com Brandão montando um time dos mais ofensivos.
A delantera formada por Yazalde com Raúl Bernao, Raúl Savoy, Luis Artime e Aníbal Tarabini faria o Independiente vencer o campeonato nacional com média de três gols por jogo. Os diablos tiveram cerca de 87% de aproveitamento, com doze vitórias em quinze partidas e apenas uma derrota, para o San Lorenzo (1-3), na décima segunda rodada. A reta final foi justamente contra os grandes.
A boa recordação daquele título nacional veio por isso também: vitórias seguidas sobre Boca (3-2), River (2-0), e, ainda melhor, um 4-0 sobre o já campeão mundial Racing na última partida, garantindo nela o título. Yazalde contribuiu com dez gols naquelas quinze rodadas. Nenhum time tinha sido campeão argentino no profissionalismo com um aproveitamento tão alto.
O Independiente teve um ano mais aquém em 1968, quando simplesmente quatro técnicos passaram por lá após Brandão voltar ao Brasil, convidado para ser supervisor da seleção brasileira. Ficou longe da disputa dos torneios metropolitano e nacional, bem como sucumbiu facilmente na primeira fase da Libertadores. Mas os dezoito gols que El Nene (“O Neném”, outro apelido) marcou na Argentina, três deles em clássicos de Avellaneda, os levou à seleção. Suas duas primeiras partidas foram em dois amistosos em agosto, contra o Brasil (derrotas de 1 a 4 no Rio de Janeiro e 2 a 3 em Belo Horizonte). O primeiro gol veio na terceira partida, contra o Peru, no mesmo mês.
Em 1969, ele fez 21 gols e o Independiente foi semifinalista do Metropolitano, eliminado pelo Racing. O troco viria um ano depois, para o atacante e seu clube: 23 gritos por conta de Yazalde e o mais importante, a conquista de uma nova taça. Foi no Metropolitano, disputado centímetro a centrímetro com o River Plate, então em jejum de treze anos. Ambos terminaram empatados, mas os de Avellaneda levaram a melhor nos critérios de desempate. Assim como em 1967, o clássico da cidade na última rodada deu o título à metade vermelha dela.
E foi El Chirola quem acabou como o símbolo da conquista: o Independiente venceu de virada La Academia, e por consequência o Metro, com um gol do centroavante a oito minutos do fim (um belo gol, por sinal, com ele dominando a bola no peito antes do chute). A conquista ainda tinha outro adicional, o de ter feito os dois de Avellaneda ficarem igualados no número de títulos argentinos profissionais. Naquele ano, a mais importante premiação argentina para esportistas, o Olimpia de Plata, teve a sua primeira entrega para um jogador de futebol. E foi Yazalde o primeiro oficialmente escolhido como o melhor argentino na sua profissão. O que lhe faltou em 1970 foi uma participação na Copa do Mundo.
A seleção vinha sendo um ponto fraco da carreira. Esteve na conturbada campanha da eliminação dentro da Bombonera para o Peru nas eliminatórias para o mundial do México. Tinha marcado só um gol (aquele contra os peruanos em 1968) em 12 jogos, e vencendo apenas dois, antes de seu desempenho clubístico chamar a atenção europeia. Na época, quem fosse jogar no exterior estava impedido pelo sindicato de jogadores argentinos de ser convocado, algo só alterado em 1972. Deixou o Independiente após ótimos 73 gols em 117 jogos, com seis tentos no clássico contra o Racing.
Yazalde foi contratado pelo Sporting Lisboa. Era a “equipa” mais vitoriosa do futebol português até o fim dos anos 50, quando a dominação do arquirrival Benfica fez com que as conquistas alviverdes na liga lusitana, desde um tetra leonino seguido em 1954, passassem a vir bissextamente, a cada quatro anos. A piada benfiquista era que os “lagartos” (como o Sporting é pejorativamente chamado pelos rivais) serviam só para marcar os anos de Copa do Mundo. Não seria o argentino a alterar isso, para o bem e para o mal. Na estreia europeia, marcou dois “golos” em um 4-1 no Boavista.
Ainda assim, demorou a emplacar, em um futebol local ainda pouco comum para forasteiros – a morte de António de Oliveira Salazar ainda era bem recente. O próprio Benfica, que posteriormente teria Claudio Caniggia, Pablo Aimar, Javier Saviola e Ángel Di María, orgulhava-se por ainda não haver contado com jogadores estrangeiros do Império Português.
Nas duas primeiras temporadas completas do Chirola em Portugal, o Sporting nem mesmo vice-campeão foi de uma liga até então marcada pela polarização da dupla rival lisboeta (o Porto só seria um vencedor mais constante a partir dos anos 80): o segundo colocado do campeonato de 1971-72 foi o Vitória de Setúbal e o Belenenses foi o vice do de 1972-73. Nesta última, com Yazalde já marcando bons 19 gols, ao menos obteve-se a Copa nacional, com ele marcando nos 3-2 sobre o Vitória.
A grande explosão dele veio na temporada 1973-74. Depois de quatro anos, o Sporting, cumprindo aquela escrita, voltou a ser campeão português, em uma parelha disputa contra seu arquirrival. Os encarnados ficaram apenas dois pontos atrás, e a contribuição de Yazalde foi fundamental: 46 gols em 29 jogos. Superou os então recordistas 43 tentos que outro goleador de Alvalade, Fernando Peyroteo, estabelecera em 1947. Aqueles números do Chirola, que marcou ainda quatro nas competições continentais (seu time chegou às semifinais da Recopa Europeia), foram na época também um recorde no continente.
Maior artilheiro da temporada na Europa, ali recebeu a Chuteira de Ouro. Ela o fez retornar à seleção argentina especialmente para o mundial da Alemanha, mesmo com uma lesão que o impedira de atuar nas partidas decisivas da Copa de Portugal (o Sporting conseguiria vencer o Benfica na final). O centroavante estava longe da Albiceleste desde janeiro de 1971 e reestreou a três semanas da competição, sendo um dos “estrangeiros” (o primeiro que a seleção convocou do futebol português) na bagunçada delegação, em que havia três técnicos – Vladislao Cap, José Varacka e Víctor Rodríguez – e que não se davam ao trabalho de se entender.
A Argentina perdeu a estreia para a Polônia por 2 a 3 e, no primeiro jogo de El Chirola no mundial, empatou em 1 a 1 com a Itália. Ela chegou na última rodada não dependendo apenas de si: precisava que os italianos perdessem para os poloneses, e se o revés azzurro fosse pela diferença mínima, os sul-americanos teriam que vencer o Haiti com três gols de diferença.
Naquela campanha longe do memorável, Yazalde teve ali seu momento de herói: marcou o primeiro e o último gol dos 4-1 sobre os caribenhos (um dos gols foi 900º das Copas) que, somado à vitória polaca por 2-1, classificou os argentinos. Porém, voltou a ser relegado após os 0-4 para a Holanda no primeiro jogo da segunda fase de grupos, não jogando contra Brasil e Alemanha Oriental.
Na sua volta a Lisboa, a situação do Sporting retornou àquela triste normalidade (só seria campeão português novamente em 1978, 1982 e 2002, além de 2000). Foi o Porto o vice do Benfica na “época” de 1974-75, mas ainda assim o “avançado”, que havia recusado oferta do Real Madrid, conseguiu se destacar. Em meio à Revolução dos Cravos, o “Terror das Pampas” foi novamente Bola de Prata (prêmio português para o artilheiro da liga), agora com 30 gols, estando perto de nova chuteira de ouro – quem a levou foi o romeno Dudu Georgescu, que anotou três a mais pelo Dínamo Bucareste.
Ao fim da temporada, em que chegou a ser treinado por Alfredo Di Stéfano, foi vendido por uma oferta menor que a madrilenha, pois o Sporting necessitava com urgência de fundos, não escapando da crise nacional oriunda da independência das colônias portuguesas em 1975. Com “Leão no peito”, a média de gols de Yazalde em jogos do campeonato foi das mais expressivas: incríveis 104 em 104 partidas.
Demorariam treze anos para que outro não-português fosse artilheiro na “terrinha”: o brasileiro Paulinho Cascavel, que também vestiu a “camisola” alviverde. E só em 2000 outro se tornou o estrangeiro com mais gols na liga, o também brasileiro Jardel, à época no Porto e depois igualmente ídolo sportinguista. Yazalde também foi o maior goleador estrangeiro do Sporting, superado em 2009 pelo luso-brasileiro Liédson. Sua marca de 46 tentos em um único campeonato, no vitorioso de 1973-74, porém, ainda não foi batida em Portugal.
Contratado pelo Olympique de Marselha, ficou duas temporadas, não rendendo tão bem. Foram só 43 jogos pelos ciel et blancs, longe da ponta da tabela da liga francesa. Ainda assim, fez 23 gols pela equipe da Côte d’Azur e obteve a Copa da França de 1976. Mas o artilheiro argentino no futebol gaulês continuava a ser um posto de Carlos Bianchi, do Stade de Reims.
Em 1977, Yazalde deixou o Mediterrâneo e voltou à terra natal, após acerto com o Newell’s Old Boys. Não chegou a convencer César Menotti por um lugar na Copa de 1978 (algo que lhe amargaria profundamente), a ser realizada na Argentina, mas os gols continuavam a vir bem para a idade elevada. Foram 54 em 119 compromissos com o NOB, tornando-se um ídolo para a torcida leprosa também por conta de um clássico rosarino histórico.
O referido dérbi ocorreu em 1980. O bom time do Rosario Central (seria o campeão nacional daquele ano) não perdia dentro do seu Gigante de Arroyito para o arquirrival havia quinze anos. Américo Gallego abriu o marcador e El Chirola, primeiramente em um peixinho para as redes de Daniel Carnevali e depois de pênalti, fechou os 3 a 0 sobre os canallas, até hoje a maior vitória rubronegra sobre o rival na casa dele. Outro triunfo dos visitantes ali em um clássico só voltaria a ocorrer dez anos depois.
Yazalde ficou na Lepra até o ano seguinte. Em 1982, ele, ex-Piraña, foi jogar no representante mais famoso do bairro portenho de Parque Patricios, o Huracán. Já aos 36 anos, pouco fez e ali mesmo se aposentou, chegando a ser técnico interino do clube em 1985. Descrito por colegas como um oportunista atacante de personalidade forte e que crescia em partidas decisivas, faleceu ainda com 51 anos, em 18 de junho de 1997, vítima de uma complicada úlcera combinada com uma doença hepática.
Ainda hoje, é celebrado pelos hinchas de Independiente e Newell’s Old Boys, com a revista El Gráfico não deixando de incluí-lo em edições especiais que fez neste ano de 2012 sobre os maiores ídolos destes dois clubes. Mas, inegavelmente, é mais idolatrado ainda pelos “adeptos” do Sporting Lisboa: em 2007, o jornal esportivo português A Bola promoveu uma eleição que terminou por eleger o Chirola como o melhor estrangeiro que já passou pelo clube, na opinião de cerca de 40% dos votantes.
Pelo mesmo jornal, dois anos depois, ficou em terceiro em votação para melhor forasteiro do futebol luso, atrás de Jardel e do argelino Rabah Madjer (que dera o título da Liga dos Campeões de 1987 ao Porto ao marcar de calcanhar na final contra o Bayern Munique). Portugal também lhe rendera a esposa: sua ex-mulher, Cármen, era uma modelo que fora inclusive Miss nacional.
Abaixo, vídeos da carreira de Héctor Yazalde:
httpv://www.youtube.com/watch?v=kXjiKQqOEkE
httpv://www.youtube.com/watch?v=2yT1Hom9E6I
httpv://www.youtube.com/watch?v=uKdvT8PeT00
Verdadeiro Leão.
SPORTING SEMPRE
JC
Excelente matéria!!!! Ainda não conhecia este outro rico personagem do futebol argentino….
Nome correcto do clube é Sporting Clube de Portugal e não Sporting Lisboa.
Futebol português xenófobo?
Vicente – moçambicano, jogador da seleção das quinas
“Vicente, o homem que eclipsou Pélé” – Daily Mail (21 de Abril de 63), vitória da selecção das quinas sobre a canarinha
“O melhor jogador que me marcou, porque nunca me tocou, quanto mais magoar!” – Pélé (mundial de 66), Portugal venceu o Brasil
Peyroteo – angolano, jogador da seleção das quinas
Segundo melhor marcador em Portugal, um dos míticos Cinco Violinos, estreou-se com a camisola do Sporting em 12 de Setembro de 1937. Foi o melhor jogador na década de 40 em Portugal (43 golos no campeonato de 46/47), em execuo com o “Pantera Negra” Eusébio – moçambicano (jogador do Sport Lisboa e Benfica). Peyroteo era uma verdadeira máquina de fazer golos, o que lhe permitiu criar um currículo impar no futebol português, tornando-se tão querido dos adeptos portugueses que votaram em si como o melhor atleta português de sempre em 1947. Conquistou 17 títulos com a camisola do Sporting, com um total de 327 jogos oficiais nos quais marcou 529 golos.
Mario Jardel – brasileiro, terceiro melhor marcador do campeonato português (201/02, 42 golos)…AO SERVIÇO DO SPORTING, que pena não se ter naturalizado para ir à seleção.
Não me lembro de ver Yazalde jogar, apenas de muito ouvir falar do melhor goleador que Portugal já teve no seu campeonato (46 golos) e como um homem de caracter, ainda bem que foi no zbordingue.
Bartolomeu, na matéria o Caio se refere à época em que o Yazalde foi para Portugal, então Jardel não entra nessa conta, e também se referiu a estrangeiros de fora do Império Português, incluídos aí Angola e Moçambique, dos outros jogadores citados.
O Márcio (obrigado!) se antecipou a mim, Bartolomeu: não disse “estrangeiros do Império Português” por acaso, pois sei que jogadores das colônias, tanto descendentes de europeus (o próprio Peyroteo, José Águas, Costa Pereira) como negros (Eusébio, Coluna, o Vicente, Jordão), sempre foram utilizados e considerados portugueses pelos clubes da Metrópole. Mas, de qualquer forma, acabei de reforçar no texto que as colônias estavam inclusas nisso, para desfazer possíveis confusões, bem como troquei a expressão “xenófobo”, que pelo jeito foi forte demais, por outra.
Já o Jardel, como também ressaltou o Márcio, chegou um bom tempo depois. Como ele já havia jogado pelo Brasil a partir de 1996, não haveria como trocar de seleção…
Sei do nome real da instituição de Alvalade. Mas é que, no Brasil e no restante da América (e mesmo em vários outros lugares), ela é mais comumente referida como Sporting Lisboa.
Bom, o Pelé já distribuiu elogios de “melhor marcador” a diversos adversários, não havendo como saber quem ele realmente achou melhor. Os argentinos atribuem esse “posto” a Pedro Dellacha, segundo uma declaração da autobiografia do Rei, por exemplo. No Brasil, sobre o encontro em 1966, fala-se mais do Morais, e não-elogiosamente…
Navarro, este texto do português O Jogo, também inspirado pelos 15 anos do falecimento de Yazalde, é bastante interessante também, uma comovente entrevista com a Cármen Yazalde: http://www.ojogo.pt/futebol/1a_liga/sporting/interior.aspx?content_id=2616021&page=-1 . Agradeço ao João Moreira por ter me mostrado… é de se notar que a melhor época do Yazalde foi logo após o casamento com ela, haha!
Grato a todos pelo prestígio em nossa página! Grande abraço e sigam nos acompanhando :)