Nota originalmente publicada em 26-06-2016
“Se o River jogar a Promoción, terei minha parcela de culpa”. Essa frase foi proferida por Diego Simeone. Hoje técnico consagrado mundialmente, foi sob El Cholo que o River começou a ser rebaixado. Afinal, na Argentina o rebaixamento se define grotescamente pela média de três temporadas. O Millo começou a temporada 2008-09 sendo simplesmente o último do Apertura. Isso pesou para a temporada 2010-11 ser de luta contra a queda. E logo nela o time, com um jovem Erik Lamela, fez um bom papel, dando pinta de lutar pela taça tanto no Apertura como no Clausura. Não adiantou e desonrou até o festivo 26 de junho no qual devia ser celebrado o segundo título da Libertadores. O Futebol Portenho cobriu intensamente a temporada, a ponto de estar no Monumental no dia da queda. Lembrarmos com muitas matérias da época.
O último lugar no Apertura 2008 (para piorar, o campeão dele foi o Boca), por ironia, veio após o River ter sido campeão, com Simeone (e Falcao García e Loco Abreu: confira), no torneio anterior, o Clausura da temporada 2007-08. Os pontos da campanha campeã desapareceram após duas temporadas, com o início da de 2010-11. Seriam contabilizados só o do último lugar, o da aparente recuperação no Clausura 2009 (8º) e o de novas campanhas medíocres: 14º no Apertura 2009 e 13º no Clausura 2010. Se hoje é lenda intocável, o então veterano meia Marcelo Gallardo arranjara problemas com os barras por não ter-lhes pago ajuda de custo para irem à Copa do Mundo de 2010. E foi embora pelos fundos.
A pobre temporada 2009-10 também custou a saída de outro remanescente da Libertadores de 1996, Leonardo Astrada. El Negro era o jogador com mais títulos pelo clube (até a recente Era Gallardo), mas, como técnico, foi outro a se queimar naquele momento. Os remanescentes da Libertadores de 1996 passaram a ser outros veteranos: Ariel Ortega e Matías Almeyda, que ainda em 2009 havia saído da aposentadoria. Só Almeyda ficaria até o fim, mas não estava em campo há cinco anos: fora expulso na partida anterior. Como já dissecamos neste outro Especial a campanha campeã continental em 1996, o enfoque deste será o da queda, consequência de desastrosa gestão de José María Aguillar e da terra arrasada não resgatada pelo antigo ídolo Daniel Passarella. Maiores detalhes do cenário poderão ser conferidos clicando-se nas frases azuis.
Para substituir Astrada, contratou-se Ángel Cappa, que havia feito vistoso trabalho no Huracán quase campeão após 36 anos, em 2009. Pobre Cappa: treinou na temporada dois rebaixados, o River e o Gimnasia LP, para o qual iria após ser demitido em Núñez – e ainda viu seu querido Huracán cair também. Uma de seus desejos de reforço era um dos pilares daquele trabalho de 2009: Matías Defederico, sem embalar no Corinthians. Ele não veio, mas o River repatriou o goleiro Juan Pablo Carrizo. Foi o único presente em 26 de junho de 2011 a ter vivenciado o já distante título no Clausura 2008. O Apertura 2010 quebrou uma série de quatro campeonatos sem vitórias do River na partida inicial. Foi um sofrido 1-0 no Tigre, gol de Rogelio Funes Mori no finzinho sobre o time que havia aplicado um 5-1 em pleno Monumental no torneio anterior.
Foram só dois chutes o jogo inteiro e Cappa já admitia abandonar sua proposta de jogo bonito. Mas vieram as ilusões das rodadas seguintes: com futebol convincente, o Millo goleou por 4-0 fora de casa o Huracán e venceu por 3-2 o Independiente, resultados que punham o River na liderança. Mas hoje é fácil ver que os oponentes não eram parâmetro: o Huracán também cairia e o rival focou-se na vitoriosa Sul-Americana de 2010, ficando em último naquele Apertura, pontapé inicial de seu rebaixamento em 2013. O adversário seguinte foi o Argentinos Jrs, então campeão do torneio anterior: empate fraco em 0-0. Mas o River permaneceu líder, com ajuda do rival: o concorrente Vélez foi derrotado pelo Boca.
Almeyda então já enchia a boca para dizer que “o River voltou a ser respeitado”. O time era líder, mas permanecia na zona de rebaixamento direto. Mas emendou nova vitória, contra outro concorrente à liderança, 1-0 no Arsenal. Na época, estava empatado na dianteira com Vélez e Estudiantes, que acabaria sendo o campeão (pela última vez até hoje, inclusive). Então começou a maré ruim: o River jogou bem, mas perdeu de 1-0 do Newell’s. Em casa, levou no finzinho o empate do Quilmes e ainda viu Almeyda lesionar-se e desfalcar o clube por um mês. Contra o Banfield, só não perdeu pois empatou no fim e porque Carrizo pegou pênalti. Após partida contra o Gimnasia LP, empate sem graça, já se falava em crise.
O artilheiro Funes Mori, na época bem mais promissor que seu gêmeo zagueiro, estava há quatro jogos em marcar e Ortega foi um dos piores em campo. Ambos poderiam ter se recuperado contra o Godoy Cruz: fora de casa, o River esteve duas vezes à frente e poderia ter vencido por 3-2: Ortega fez lançamento milimétrico no finzinho e Funes Mori marcou, mas dominara a bola com o braço e o árbitro assinalou a irregularidade. Ficou no 2-2. A única boa notícia na rodada seguinte foi a antiga promessa Diego Buonanotte voltando marcar, mas o River ficou só no 1-1 em casa contra o Racing. Depois de perder de 1-0 para o All Boys, Cappa chegou à sétima rodada seguida sem vencer e foi demitido. Afinal, a partida seguinte seria nada menos que o Superclásico. Américo Gallego negou proposta de treinar o clube, Marcelo Bielsa só estaria disponível no ano seguinte, então Juan José López assumiu.
Classudo volante do time nos anos 70, López parecia se reconciliar com quem ainda torcia o nariz por ter defendido rapidamente o Boca em 1983. Foi justamente com o antigo ídolo no comando que o River inesperadamente venceu o “inimigo”: 1-0, gol do zagueiro Jonathan Maidana, por sinal ex-jogador do rival… e único titular em toda aquela temporada a seguir no ressurgimento do clube. Inspirou cartazes como “El día después de Maidana”, paródia com “El día después de mañana”, nome em espanhol do filme-catástrofe “O dia depois de amanhã”. Faria lá na frente sentido no Mundo River, que após o triunfo no clássico teve clima mais ameno. Empatou fora em 0-0 com o San Lorenzo, derrotou o Olimpo por 1-0 (saindo da zona de rebaixamento) e venceu no último minuto fora de casa o Colón (Lamela, autor de golaço, era especulado no Milan mas não queria sair) até ser derrotado em casa por 4-0 pelo quase campeão Estudiantes.
Mas em seguida o Millo é que goleou fora de casa, 4-1 no Lanús, resultado que fez o River terminar o Apertura em uma promissora 4ª colocação. O capitão Almeyda declarava que acabava “um bom ano” e o técnico interino Juan José López, o Jota Jota, foi efetivado para 2011, dizendo que o River não pensaria em rebaixamento. Na pré-temporada, o River tentou trazer Pablo Aimar e liberou Ariel Ortega, que por faltar em treino já não ficara nem no banco em 2010. El Burrito se atrasou na reapresentação pós-férias e foi emprestado ao All Boys. Para piorar, Carrizo lesionou-se e ficaria fora por dois meses. Leandro Chichizola ficou no gol nas primeiras rodadas. Na primeira, um fraco 0-0 com o Tigre, a ponto de Alejandro Sabella, outro antigo ídolo nos anos 70 e recém-campeão com o Estudiantes, ser desejado como novo técnico.
Mas em seguida, como no Apertura, venceu-se o Huracán (2-0) e, em Avellaneda, o Independiente (1-0). O River era líder e o autor do gol, Mariano Pavone, emprestado pelo Real Betis, rescindiu com o clube espanhol. Na quarta rodada, Chichizola seguiu invicto, mas o River não saiu do 0-0 com o Argentinos Jrs. E depois perdeu em casa por 2-1 para o Vélez, futuro campeão; e só empatou com o Arsenal. Ainda assim, a Banda Roja seguia fora da zona de rebaixamento. Em seguida, o time ficou a três pontos da liderança ao bater por 2-1 o Newell’s.
E, em dia de Lamela, continuou brigando pelo título ao vencer por 1-0 o Quilmes, fora de casa. Outra rodada depois, ficou líder isolado com Pavone marcando o gol da vitória sobre o Banfield. A ponto de publicarmos que River e Gimnasia, que se enfrentariam na rodada seguinte, viviam situações opostas após ambos começarem o campeonato preocupados com a queda. Nem a presença do semiaposentado Guillermo Barros Schelotto, de volta ao Gimnasia, fez a partida sair zero.
Após o 0-0 em La Plata, em 17 de abril, a boa fase do River fez com que o goleiro Carrizo voltasse à seleção após dois anos (havia sido crucificado na derrota de 6-1 para a Bolívia em 2009, deixando de ser chamado embora fosse desde 2008 o goleiro titular, apesar da lanterna no Apertura), jogando contra o Equador no dia 21. Dois dias depois, contudo, ele e colegas perderam de virada em casa para o Godoy Cruz. Mas em seguida Pavone deu a vitória sobre o Racing em Avellaneda e recolocou Núñez na briga pelo título. O técnico Jota Jota López, cauteloso no início, passara a admitir que o Millo poderia brigar pela taça. Empolgados, torcedores faziam vaquinhas para custear a prolongação da estadia de Carrizo, emprestado pela Lazio. Mas…
Mas o River foi derrotado em casa por 2-0 pelo All Boys (que não pôde usar o emprestado Ortega, que debochou do River). O jogo seguinte seria novo Superclásico, agora na Bombonera, e uma derrota poderia recolocar os millonarios na zona. Almeyda estava ciente de que poderia jogar pela última vez na Bombonera e alardeava seu desejo de vencer. Mas foi expulso e Martín Palermo, que também se despedia do dérbi, reforçou seu mito ao marcar o único gol. A atmosfera já era outra: publicamos que o River receberia com a corda no pescoço o San Lorenzo.
O River tomou o empate por um frango de Carrizo, que já havia tomado gols evitáveis nos dois jogos anteriores e desentendeu-se com o mito Ubaldo Fillol, seu preparador. Fillol demitiu-se, mas declarou que Carrizo era “o melhor goleiro da Argentina”. De fato, três dias depois ele jogou mais uma (a última) vez pela seleção, na partida que marcou a estreia de Erik Lamela pela Albiceleste, um 4-2 no Paraguai. Carrizo terminaria convocado à Copa América daquele ano. Mas o drama seguida: 0-0 com o Olimpo, que brigava junto para não cair. O oponente, adiante, se livraria do rebaixamento exatamente por três pontos a mais. O presidente Daniel Passarella teria avisado Jota Jota López de antemão que o técnico não permaneceria ao fim do campeonato. Ele e outros diretores exigiram a escalação do rebelde Buonanotte.
Em casa, a maré ruim seguiu: só empatou com o Colón e não dependia mais só de si. Almeyda, que após o empate com o Olimpo declarara não ter medo da Promoción (repescagem contra o 3º e 4º da segundona), agora já admitia a possibilidade. Em casa, o concorrente Olimpo só empatou com o Newell’s, mas o River tomou o empate do Estudiantes. Ainda assim, o Millo ainda seguia fora da zona e o suspeito presidente da AFA, Julio Grondona, declarou que sentia que o gigante não jogaria a Promoción. Mas o clima era azedo, a ponto de Buonanotte, pouco relacionado, não comparecer a uma homenagem que dirigentes queriam lhe prestar.
Veio a última rodada. E nela o Olimpo venceu, enquanto o River perdeu em casa para o Lanús. Núñez estava na Promoción. Pesadelo que ensejou boato de que o presidente Passarella poderia treinar o clube nos dois jogos da repescagem, contra o Belgrano. O resto é a história mais conhecida: em Córdoba, o River, sem alma, perdeu por 2-0, partida que marcou o desespero do torcedor “Tano” Pasman, que em tempos de internet virou meme – parodiado no vídeo acima em mistura com outro fenômeno que varria o mundo na época, a versão de Michel Teló para “Ai, se eu te pego”.
No Monumental, Pavone pôs o gigante em vantagem logo aos cinco minutos, mas virou vilão ao perder um pênalti. O Belgrano empatou e o jogo não acabou, com torcedores invadindo e outros, com o mesmo desejo, sendo repelidos a jatos d’água em pleno inverno portenho. Hecatombe que originou várias matérias, com repórter diretamente de Buenos Aires, como não poderia deixar de ser: “Ninguém descansou”, “Segurança máxima”, “A queda de um gigante”, “Apesar de grande efetivo policial, Monumental vira zona de guerra”, “Indignação!”, “Um River de incertezas”. Havia também, claro, o outro lado: “Sobre as cinzas do Monumental, Belgrano comemora: é time de Primeira”.
E sobre as próprias cinzas o River, no espaço de tempo para outra Copa América, em 2015, soube superar seus fantasmas. Na campanha campeã da segunda divisão em 2012, forjou novos ídolos (David Trezeguet) ou reforçou gente até querida mas valorizada por vir dar a cara a tapa naquele momento (Fernando Cavenaghi, Alejandro Domínguez)… e voltava a ser dono do continente, coroando novas passagens de Cavenaghi e de Leonardo Ponzio (que, presente na lanterna em 2008, calhou de estar longe dali entre 2009 e 2012) e reabilitando sobretudo os nomes de Maidana e Gallardo. Que nem poderiam sonhar ainda com o que escreveriam em 2018.
*Para relembrar o histórico rebaixamento com mais detalhes, indicamos o perfil @2011Descenso, no twitter.
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