Ortega após aquele gol
Um gigante como o River tem ídolo de todo tipo. Houve mais de um com boas trajetórias de idas e vindas, com Oscar Más, Ramón Díaz e, sobretudo, Enzo Francescoli tendo retornos triunfais. Mas nenhum encarna tão bem o clichê do filho pródigo como Ariel Arnaldo Ortega. Foram quatro estadias diferentes, mais que ninguém em Núñez. A carreira torrada no álcool era sempre relevada a cada lampejo do Burrito. O mais célebre, no segundo retorno, há dez anos. Num 5-0 em clássico!
Após o vice mundial em 1996, Ortega foi vendido ao exterior pela primeira vez. Teve seus bons momentos, claro, mas nunca reluziu regularmente como poderia por Valencia e Sampdoria, onde foi até rebaixado. Por Parma e Fenerbahçe, então, foi ainda pior: camisas auriazuis realmente não pareciam cair-lhe bem. Entre ambos, teve sua segunda passagem pelo River, entre 2000 e 2002, integrando o “quarteto fantástico” com Pablo Aimar, Javier Saviola e Juan Pablo Ángel. Só o ponta e o colega Claudio Husaín terminaram convocados, do futebol argentino, para a Copa 2002.
Apesar da decepcionante eliminação argentina, Ortega cavou transferência ao Fenerbahçe para logo se arrepender onde o álcool é pecado. Forçou saída e foi suspenso pela FIFA por mais de um ano, reiniciando a carreira no segundo semestre de 2004 pelo Newell’s, tal como Maradona, com quem outrora era comparado, havia tentado em 1993… Ortega não foi bem um fenômeno na Lepra, mas o vermelho, preto e branco lhe caiu bem também em Rosario. Foi campeão logo em seu primeiro torneio, título que fez o clube enfim ultrapassar o rival Rosario Central em títulos argentinos.
Pelo Newell’s, Ortega não se inibia perante o River, quase sempre marcando gols no ex-clube (foram três) e até provocando alguns atritos com os velhos torcedores no terceiro deles, já em 2006, em uma comemoração na qual na verdade pretendia declarar que era só o velho clube pagar que retornaria. Meses depois o acerto se deu para o filho retornar uma vez mais à casa.
O River terminaria o Apertura 2006 seis pontos atrás dos líderes Estudiantes (campeão) e Boca. É de se imaginar como poderia ter sido com Ortega desde o início: o Burrito, intercalando o condicionamento físico com um dos inúmeros tratamentos contra o alcoolismo, só reestreou na reta final, naquele 5 de novembro de 2006. Entrou aos 22 minutos do segundo tempo para substituir Fernando Belluschi, com o River ganhando já de 3-0 do San Lorenzo de Ezequiel Lavezzi no Monumental.
Corta para 2013. Ortega realiza seu jogo-despedida, sendo só o quarto a receber essa honraria do River. Após a partida, o telão do Monumental exibe depoimentos do craque junto com registros de suas diabruras em campo. Dias depois, a revista El Gráfico publica uma edição especial (eis a capa) em homenagem ao ídolo. A página final é uma publicidade do programa radiofônico River Monumental, tocado há décadas pelo locutor Atilio Costa Febre.
O fanático Costa Febre, ao narrar o rebaixamento do clube do coração em 2011, não se conteve e soltou “tem que ser filho da p… para fazer ao River o que lhe fizeram. E como fizeram merda. Aonde vão se meter agora? Ponham a cara aqui. Venham cá como a gente comum. Vocês, ladrões que destruíram o River, são uns incapazes, sátrapas. Tremendos filhos da p… Já não me importa que isso me custe a carreira”. Vale lembrar que nas três temporadas cujos promedios culminaram no descenso, Ortega só esteve em uma e meia devido a empréstimos a Independiente Rivadavia e All Boys, onde jogava quando o River caiu…
Bom, a publicidade de Costa Febre na revista exaltava que ele teria sido o único a narrar todos os gols de Ortega no River. Nenhum tão célebre como aquele. O lance e a narração, é claro, foram exibidos no telão do Monumental naquele dia.
E pensar que Ortega nem teria feito tanta falta: ao lado do técnico Daniel Passarella no banco, viu logo aos seis minutos Víctor Zapata abrir o marcador, com um cabeceio certeiro em cruzamento de Paulo Ferrari pela direita, contando com a indecisão de Saja em sair do gol ou não; logo no minuto seguinte, dois zagueiros adversários trombaram de forma pastelão para tentar afastar uma bola, que sobrou para Ernesto Farías, livre, pela direita, usar a canhota para um chute rasteiro no canto de Saja.
O terceiro, já sob chuva, uniu muita raça e habilidade coletivas: Gonzalo Higuaín acreditou na falha de um zagueiro, roubou e tocou para Belluschi, que de carrinho habilitou um Zapata livre perante Saja, encoberto levemente já aos 16 do segundo tempo. Seria o lance mais bonito se não fosse Ortega. Entrou pouco depois, aos 22 minutos, substituindo Belluschi, como já dito. E dez minutos mais tarde, galopou em contra-ataque, dividindo a bola com habilidade contra um oponente para encobrir, de fora da área, Sebastián Saja. Tirou a camisa, sacudiu, deu voltas e voltas até abraçar Passarella, comemorando com toda a euforia que tinha direito e com a que não tinha também (mas deveria), pois a falta de camisa rendeu um amarelo do árbitro Horacio Elizondo.
Costa Febre não se conteve e mandou um colega terminar de narrar a partida. Mas não resistiu e pôde narrar também o quinto gol. Ortega cruzou para Marcelo Gallardo, que furou o cabeceio. Mas a bola sobrou para Jesús Méndez bailar pela outra ponta e cruzar para a cabeça de Farías completar os 5-0 sobre os comandados de Oscar Ruggeri. Mas o que todos lembram são dos dizeres abaixo. Ao fim, vídeo do lance e vídeo da despedida, no qual a jogada é exibida a partir dos 3min50s:
“Que bárbaro, chango [gíria do interior argentino, de onde Ortega vem, para garotos], faça-o e eu morro, faça-o e eu morro, chango“, começava Febre enquanto o craque ganhava a dividida e corria quase sem oponentes. “Atirou por cimaaaaaaa…. eu vou, eu vou, basta para mim! TE QUERO ATÉ O FINAL DE NOSSAS VIDAS! ATÉ O FINAL DE NOSSAS VIDAS TE QUERO! Te amo futebolisticamente! SEMPRE FOSTE MEU, ARIEL! Um gol incrííível!! A adiantou com a pontinha do pé direito, escapou, atirou por cima. Este gol não merece meu grito, merece o grito da gente, Ariel! O grito da TUA gente, Ariel! Te quero até o final, Ariel, te quero até o final. Basta para mim. River 4, San Lorenzo 0. 33 minutos. Você sabe que meu amor por você é de verdade. River 4, San Lorenzo 0. Que faço? Vou, fico? Vou, fico? E Elizondo, que quer aparecer na foto de todos os diários amanhã, que será a foto de Ortega, termina lhe puxando um amarelo porque tirou a camisa. Te amo, Ariel. River 4, San Lorenzo 0. Vai narrar El Turco Chatás até o final”.
Relembre a carreira de Ortega neste outro Especial.
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