Para algumas torcidas argentinas, “o rei de copas”, usado em português mesmo na capa do diário Olé de 15 de setembro de 2006, não remete imediatamente à carta do baralho. Era o genial trocadilho que apelidava o Independiente, clube hermano mais internacionalmente vencedor no século XX. O novo milênio, porém, viu o Boca pleitear a mesma alcunha após uma primeira década brilhante: entre 2000 e 2008, os auriazuis só não levantaram em 2002 alguma Copa além das fronteiras. Série que alavancou os xeneizes a virarem em 14 de setembro de 2006, há exatos dez anos, o clube com mais títulos internacionais no mundo, à frente do vizinho, do Real Madrid e do Milan.
As taças internacionais do Boca eram essas até 1999: Libertadores de 1977 e 1978, Mundial de 1977, Supercopa (torneio entre os campeões da Libertadores) de 1989, Recopa (na época, tira-teima entre campeão da Libertadores e o da Supercopa) de 1989, Supercopa Masters (torneio entre os campeões da Supercopa) de 1992 e Copa Ouro (quadrangular entre vencedores da Libertadores, Supercopa, Supercopa Masters e Copa Conmebol) de 1993.
Ou seja, eram sete conquistas bosteras, menos da metade das quinze reunidas pelo Independiente (que só de Libertadores tinha o mesmo número de sete, além de dois Mundiais, duas Supercopas, uma Recopa e três Interamericanas, tira-teima entre os campeões da Libertadores e da Concacaf) antes da virada do século. Desde então, porém, o Rojo só levantou a Sul-Americana de 2010 – sua 16ª Copa.
A 16ª do Boca viera há dez anos. Depois, o clube ainda levantaria a 17ª em 2007 (Libertadores) e a 18ª em 2008 (Recopa), não sendo igualado pelo Independiente. Desde 1999, os xeneizes paparam Libertadores de 2000, Mundial de 2000, Libertadores de 2001, Libertadores de 2003, Mundial de 2003, Sul-Americana de 2004, Recopa de 2005 e a Sul-Americana de 2005 – taça que os credenciou a pegar pela Recopa de 2006 o São Paulo, vencedor da Libertadores de 2005.
A Sul-Americana de 2005 não havia igualado o Boca só ao Independiente. Nada menos que Milan (então com seis Ligas dos Campeões, duas Recopas Europeias, quatro Supercopas Europeias e três Mundiais) e Real Madrid (nove Ligas dos Campeões, duas Copas da UEFA, uma Supercopa Europeia e três Mundiais) também tinham quinze copas internacionais. Em tese um troféu menor, a Recopa Sul-Americana de 2006 ganhava um peso histórico.
As disputas foram em 7 de setembro, em La Bombonera, e em 14 de setembro, no Morumbi. O São Paulo vinha de um mês turbulento, com um acidente automobilístico ceifando dois goleiros reservas seguido de outro vice continental (derrota para o Internacional na Libertadores), por sua vez seguido pela partida em que Rogério Ceni superou o recorde de gols de José Luis Chilavert em partida contra o Cruzeiro onde defendeu pênalti e marcou dois gols. Em agosto, o Boca também passara por tragédias pessoais e jogos históricos: no fim de agosto, respondeu as provocações de “freguesia” do San Lorenzo impondo-lhe nada menos que um 7-1. E como visitante. Três gols foram de Martín Palermo.
Palermo reerguia-se após ter perdido no início de agosto o filho Stefano, por complicações decorrentes de um parto prematuro. Se no início da década El Titán dividia o ataque ora com Guillermo Barros Schelotto (ainda no elenco, mas reserva – sua estreia pelo clube, aliás, completava nove anos naquele 14 de setembro de 2006), ora com Marcelo Delgado (recém-vendido ao Belgrano) e era municiado por Juan Román Riquelme (ainda no Villarreal), agora tinha ao lado o jovem Rodrigo Palacio.
O jovem Fernando Gago, Neri Cardozo e Guillermo Marino, ou o jovem Jesús Dátolo, compensavam no coletivo pelo meio-campo a ausência de um maestro como Riquelme. Das figuras carimbadas do início do ciclo, restavam, como Palermo, o lateral-direito Hugo Ibarra e o volante Sebastián Battaglia. Aquela Recopa serviria também como despedida de Alfio Basile, a encerrar um ciclo vitoriosíssimo no Boca: o técnico, último a ser campeão na seleção principal (no ciclo de 1991-93), voltou a ser designado para a Albiceleste, em substituição pós-Copa a José Pekerman.
Coco Basile inclusive já havia “reestreado” na seleção, em 3 de setembro, em derrota de 3-0 em amistoso com o Brasil. No Boca, daria lugar após a Recopa a Ricardo La Volpe, argentino que treinara o México na Copa do Mundo de 2006. No primeiro jogo do tira-teima, o esquecido Thiago abriu o marcador na Argentina, aos 30 minutos, em um chutaço de fora da área que lembrou a jogada consagrada por Arjen Robben, mas com a perna e lado inversos; o paraguaio Aldo Bobadilla, recém-contratado para suprir a venda de Roberto Abbondanzieri, aceitou (e perderia a posição para Mauricio Caranta). Mas os donos da casa buscaram a virada em um espaço de dez minutos no segundo tempo.
Foi com dois gols de Palacio. Primeiro, aos 8 minutos, na grande área recebendo livre de Gago para concluir bela jogada coletiva tramada por cinco colegas não neutralizados pelos homens de Muricy Ramalho; e aos 18 minutos, oportunista à espreita para aproveitar rebote de Ceni na pequena área – destaque para o toque de calcanhar de Palermo, a habilitar o chute que Ceni rebateu.
O 2-1 apertado gerava expectativa de um Boca copeiramente retrancado para a semana seguinte. Algo cumprido em parte, com um primeiro tempo sonolento até os últimos minutos. Até Alex Silva roubar no meio e passar a Souza. O folclórico meia, com classe, se desvencilhou de Cardozo e lançou bem para o lateral Júnior, que mesmo sob marcação tocou na saída de Bobadilla para a bola vagarosamente entrar. Só que até as jovens promessas do Boca estavam bem escoladas em Copas.
Ainda no primeiro tempo, Palacio (ele e Abbondanzieri, recém-vendido ao Getafe, haviam sido os únicos representantes do futebol argentino na seleção na Copa do Mundo de 2006) marcou outro gol na decisão: Juan Krupoviesa mandou o chuveirinho e Palermo emendou o jogo aéreo, ajeitando de cabeça para o colega, sozinho e também no cabeceio, acertar o canto direito de Ceni.
O roteiro do segundo tempo foi semelhante: o São Paulo novamente teria de buscar algum gol sem sofrer. Mas os gols só vieram no fim. E ambos do Boca, de certa forma. Aos 30 minutos, Ibarra ganhou de Mineiro na categoria e na corrida. Antes de sair pela linha de escanteio, recuou. O ataque do Boca congestionava a área são-paulina e após algum bate-rebate com a zaga tricolor, Palermo driblou (!) deixando no chão (!!) um adversário e soltou uma bomba indefensável a Rogério Ceni.
Dava para ter vencido, mas aos 40 minutos houve gol contra do paraguaio Claudio Morel Rodríguez, emendando para as suas redes um cruzamento rasteiro de Thiago. Ficou-se no 2-2, suficiente aos hermanos. Não à toa, aquele elenco, ao ter de volta Riquelme, voltaria no ano seguinte a vencer (pela última vez) a Libertadores, distanciando-se ainda mais como novo Rey de Copas.
No mesmo ano seguinte, porém, o Milan venceu em poucos meses a Liga dos Campeões, a Supercopa Europeia e, sobre o próprio Boca, o Mundial. Os italianos perduraram como recordistas isolados até o Boca reigualar-se graças a nova Recopa, em 2008, em final caseira com o Arsenal de Sarandí. Em 2014, o Real Madrid voltou a estar ao lado do trio, ao conseguir a Liga dos Campeões, a Supercopa Europeia e o Mundial, mas o recorde passou a ser dos egípcios do Al-Ahly acumularam sua 19ª conquistas nas mais diversas Copas da confederação africana.
Em 2016, o Real Madrid ultrapassou Boca, Milan e também o Al Ahly ao vencer novamente a Liga dos Campeões e a Supercopa Europeia. Nada que tire dos xeneizes o apelido novo consagrado há dez anos. Trajetória que começara, curiosamente, em outro 14 de setembro, data de 1977 na qual o clube vencera nos pênaltis o Cruzeiro para ganhar pela primeira vez a Libertadores…
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