Contando na época com o jovem James Rodríguez, artilheiro da Copa 2014, o Banfield venceu a elite pela primeira vez há exatos dez anos, naquele 13 de dezembro de 2009. Corrigia pendência mais que centenária: fundado em 1896, é mais antigo que a ampla maioria dos concorrentes, incluindo os chamados cinco grandes (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo). O Taladro (“Broca”, em castelhano) fez campanha primorosa, com a primeira das duas derrotas vinda só a 4 rodadas do fim. A outra veio justo no jogo que garantiu a taça, tamanha a boa regularidade do elenco. Aquele Apertura 2009 foi o primeiro campeonato totalmente coberto pelo Futebol Portenho e resgataremos matérias feitas na época.
James é hoje o nome mais conhecido daquela inédita conquista, mas ainda mais importante e artilheiro foi outro estrangeiro, o uruguaio Santiago Silva. Emprestado pelo Vélez, o carequinha explodiu de vez no futebol argentino e na própria carreira, por mais que tenha pecha de triunfar só em clubes de menos porte. Foi artilheiro do campeonato e imediatamente buscado de volta pelo Vélez, onde manteria a boa fase adquirida primeiro no Gimnasia LP e confirmada no Banfield após fracassos diversos do qual o mais notório foi pelo Corinthians, em 2002. Eles e outro uruguaio, Sebastián Fernández, marcaram 20 dos 25 gols da campanha campeã. Mas foi Fernández e não Silva quem acabaria convocado à Copa 2010.
Santiago Silva, inclusive, viria a ser o único campeão na dupla do Sul da Grande Buenos Aires, após vencer a Sul-Americana 2013 pelo rival banfileño, o Lanús, “traição” que não impediu que ainda regressasse aos alviverdes posteriormente. Outro careca importante e que chegara para aquela campanha foi Sebastián Méndez, que também teve passagens boas e campeãs em outra rivalidade, Vélez x San Lorenzo. El Gallego, atual assistente técnico de Maradona no Gimnasia LP, despediu-se ali do futebol após jogar todas as partidas do Apertura e coordenar a defesa menos vazada do torneio. Ele, Silva e outros reforços baratos vieram graças à venda do artilheiro Darío Cvitanich ao Ajax.
Já o técnico era um velho conhecido nos arredores do Estádio Florencio Sola: Julio César Falcioni já havia treinado bem o clube no início da década, levando-o pela primeira vez à Libertadores. Foi em 2005 e o modesto Taladro só caiu nas quartas-de-final. Foi ainda credenciado pelo título que Falcioni assumiria o Boca, já em 2011. Foi o treinador derrotado pelo Corinthians na final da Libertadores 2012, com os auriazuis tendo consigo também o mesmo Santiago Silva e outro titular da campanha alviverde campeã de 2009, o lateral Walter Erviti.
Historicamente, o Banfield é uma equipe repleta de rebaixamentos: 1917, 1944, 1954 (voltou só em 1963), 1972, 1978 (só voltou em 1987), 1988 (voltou só em 1994), 1997 e 2012. Por outro lado, é o único clube que permanecera inicialmente amador após a implantação do campeonato profissional, em 1931, a tornar-se tradicional na elite, ainda que desde que passara ao profissionalismo só venha a ter conseguido dez anos seguidos na primeira divisão já no século XXI – foi entre 2001 e 2012.
Com esse histórico, não surpreende que o clube estivesse pouco habituado a lutar por títulos. Até o fim do século XX, a taça da elite se aproximara só em outras três ocasiões: ainda nos campeonatos amadores pós-1931, ficou a dois pontos do campeão Dock Sud em 1933 e a três do vencedor Estudiantil Porteño em 1934. No profissionalismo, o cheiro de um troféu só foi sentido em 1951: ele terminou na dianteira igualado em pontos com o então bicampeão Racing, que lutava para ser o primeiro clube tri seguido na era profissional. Já o Taladro poderia ser o primeiro clube fora dos cinco grandes a ser campeão na nova era. Em outros países, o título seria alviverde, que tinha uma vitória a mais e melhor média de gols, mas na Argentina impera que deve-se jogar partidas-desempate.
Os banfileños afirmam que houve virada de mesa para forçar aquilo, sustentando que o tira-teima só entrou no regulamento já na reta final do campeonato. E deu Racing, 1-0, sobre o elenco onde brilhava o futuro ídolo são-paulino Gustavo Albella. Apenas três anos depois, o vice foi rebaixado e voltaria à sina de campanhas modestas e outros descensos. E aquela temporada 2009-10 começou com esta sendo a preocupação original no clube. Após se acostumar a ficar entre os quatro primeiros entre 2003 e 2005, o rendimento caiu com as saídas de Falcioni, Daniel Bilos e Rodrigo Palacio. Exceto no bom Apertura 2008, em que a 3ª colocação foi ofuscada pelo primeiro título do rival Lanús, o Banfield não vinha superando o 11º lugar. Encerrara a temporada anterior com promedios na última posição acima da zona de descenso.
Daí que aquela campanha foi uma gratíssima surpresa, iniciada com um 2-0 em um River apagado mesmo com Ortega e o atual técnico Gallardo juntos. Simbolicamente, o primeiro gol veio no primeiro minuto e foi marcado por Santiago Silva. A seguir, empatou em 1-1 fora de casa com o Argentinos Jrs em jogo onde atuou melhor organizado e teve mais chances de gol. Contra o Chacarita, Silva marcou seu terceiro gol em três jogos, desta vez de falta, garantindo vitória por 1-0, confirmando o Banfield na liderança. Ainda assim, por conta da má fase, desdenhávamos tanto dele como de outro líder do momento, o Rosario Central: até escrevemos que estariam para cavalos paraguaios.
Mas o Banfield seguiu com bons resultados, e Silva fazendo seus gols. O jogo seguinte foi o clássico com o Lanús, na casa adversária. Silva somou 5 gols em 4 jogos ao marcar os 2 da vitória de virada por 2-1. A seguir, também fora de casa, veio o confronto contra o próprio Rosario Central, então líder com 100% de aproveitamento, mas que amargou um 0-0. Se o Central era o líder, foi seu rival quem acabou concorrendo com o futuro campeão pelo título: o Newell’s abriu o placar no Florencio Sola, mas os alviverdes venceram com virada-relâmpago. Ali brilhou James Rodríguez, que sofreu pênalti convertido por Silva e marcou o outro. Àquela altura, a liderança era disputada com Vélez e Estudiantes: o Rosario Central paralelamente perdia seu segundo jogo seguido e se distanciava.
Depois veio o jogo contra o Atlético Tucumán, 1-1 em casa com Silva salvando os alviverdes ao marcar a 15 minutos do fim. Como o Estudiantes empatou e o Vélez também, o sonho do título inédito ficou aceso. O San Lorenzo também se aproveitou e assumiu a liderança. Pior para o Banfield, que, com com Silva tendo dia de vilão ao perder pênalti, só empatou com o Arsenal. Mas, em um torneio embolado até então (o Argentinos Jrs poderia terminar a rodada como líder, bem como Colón e San Lorenzo), no jogo seguinte o Taladro se igualou ao Estudiantes na liderança,com um 3-0 com dois de Silva e um de James Rodríguez no Godoy Cruz.
A rodada seguinte foi por alguns momentos liderada pelo Colón, que teria jogadores na seleção na Copa 2010 (e faria do ídolo Esteban Fuertes o mais velho estreante na Albiceleste, naquele 2009), e pelo Estudiantes. O Banfield foi a La Plata e ganhou do Gimnasia por 1-0, gol de cabeça do onipresente Silva. Mas ainda desconfiávamos: sugerimos que o time estava mais perto da Libertadores do que da taça. Até o Independiente chegava perto: naquela rodada, inaugurou o estádio Libertadores de América e ficou a 3 pontos da liderança.
De fato, ao fim de outubro dizíamos que “não existe tempo para respirar no Apertura”. Em um dia, o Vélez vencia e ficava na frente, no outro o San Lorenzo do recém-recontratado Romagnoli perdia a chance de ficar na liderança isolada. No outro a ponta ficava com o Banfield ao vencer por 2-1 o Estudiantes em final antecipada, gols de Silva e Erviti, com Verón descontando em um golaço. E no seguinte era o Newell’s que ficava na frente.
O técnico Falcioni seguia acreditando no título alviverde, mas ao mesmo tempo era contestado: ao vencer fora de casa o San Lorenzo por 1-0, gol de outro uruguaio, Sebastián Fernández, foi rotulado de “sortudo” por Diego Simeone, então técnico do oponente, enquanto Romagnoli criticava a postura defensiva alviverde e dizia que não via o adversário como campeão. O atacante José Sand, ex-Lanús, dizia que o mérito é dos jogadores e não de Falcioni. Àquela altura, a seis rodadas do fim, o Banfield era o único invicto.
Mas o Newell’s fazia história com cinco vitórias seguidas e ameaçava. O clube rosarino era treinado pelo ex-zagueiro Roberto Sensini e tinha em outro defensor seu grande líder, ninguém menos que o veterano Rolando Schiavi, que também estreou na seleção naquele ano, só atrás de Fuertes entre os mais velhos. Assim, o zagueiro banfileño Sebastián Méndez pregava cautela. A resposta às críticas veio com um 3-0 no Vélez, detentor do título. Cristian García brilhou marcando dois, o outro foi de James.
A seguir veio o Independiente, que acreditava no título e ainda não havia perdido em seu novo estádio. Coube ao Banfield a honra de desfazer isso, em outra virada por 2-1, com Silva marcando o da vitória e praticamente tirando o oponente do páreo. O outrora líder Rosario Central também dava adeus ao empatar seu jogo. Mas ainda foi determinante: no jogo seguinte, empatou o clássico com o Newell’s e alimentou os sonhos do Banfield, por mais que Falcioni dissesse que nada estava ganho. E não estava mesmo: Silva marcou, mas o Racing, de campanha pobre e esnobado por Lothar Matthäus (sondado como técnico), surpreendeu e venceu no Florencio Sola.
Aí, foi a vez de Falcioni dizer que nada estava perdido e de Sensini declarar que estava tudo em aberto. O Banfield venceu o Huracán por 1-0, com Silva marcando e comemorando com toda a raiva do mundo para espantar o nervosismo e retomar a liderança isolada para o Taladro, pois o Newell’s em seguida perdeu dentro de Rosario para o Arsenal. Assim, o Banfield poderia ser campeão na penúltima rodada se vencesse e o concorrente perdesse. Havia ambiente a favor: jogaria em casa e isso acarretou em fila quilométrica nas suas bilheterias para duelo com o fraco Tigre. Já o Newell’s jogaria fora, contra o Gimnasia LP. 35 mil lotaram o Florencio Sola para ver o 1-0 do líder, mas o Newell’s venceu também e adiou a festa.
O último compromisso banfileño seria com o Boca na Bombonera. Falcioni já se sentia confortável para disparar contra “campanha anti-Banfield” que circulava, em parte porque o gol no Tigre foi em impedimento e impediu que Banfield e Newell’s chegassem empatados à última rodada. O Boca, sem chances de nada no torneio, também fez jogo duro, mantendo titulares e só liberando 4.500 ingressos a torcedores visitantes. Enquanto isso, um site não-oficial de torcedores do líder se enchia de promessas malucas em caso de título.
A pressão foi demais. Os alviverdes, em dia nervoso, jogaram mal e perderam de 2-0, dois de Palermo. Mas a apreensão logo lhes saiu, seja na Bombonera, seja no Florencio Sola, onde torcedores sem ingresso se reuniram para assistir em telões: o Newell’s, pelo mesmo placar, conseguira perder em casa do San Lorenzo, para o choque do técnico Sensini e violência nas ruas de Rosario. Já do lado campeão, o êxtase do primeiro campeonato teve direito ao lateral Julio Barraza raspar os cabelos (a promessa de Silva, ao contrário, foi deixa-los crescer por um tempo); ao clube sonhar com a volta de Javier Zanetti (que jogara lá antes de rumar à Inter); e com o fanfarrão Falcioni explicando que comemorou “comendo muitas pizzas e tomando champanhe. Até porque deixamos a virgindade de lado“.
Mesmo sem Silva, o Banfield foi 5º no torneio seguinte e só foi eliminado nas oitavas-de-final da Libertadors 2010 pelo futuro campeão Internacional, isso pelo critério dos gols fora de casa: vencera na Argentina por 3-1, mas perdeu de 2-0 no Beira-Rio – James Rodríguez havia deslanchado e brigava pela artilharia do torneio, dali sendo vendido ao Porto. Como todo carnaval tem seu fim, um ano depois, no Apertura 2010, veio a 15ª colocação, melhorada apenas com a 8ª no Clausura 2011.
E então o Taladro teve uma temporada 2011-12 ridícula, terminando em último no Apertura e no Clausura: nem a pontuação de campeão em 2009 o livrou nos promedios calculado entre as três últimas temporadas até 2012 – e ele terminou rebaixado enquanto remanescentes daquele título de meia década atrás decidiam a Libertadores. Segundo um deles, Erviti, não havia segredo no Banfield campeão: “nossa principal virtude é a organização. Quando uma equipe não tem grandes qualidades, o time tem que ser unido e compacto. E é isso que pensamos em fazer sempre”.
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