Há 15 anos, o Arsenal (do jovem Papu Gómez) vencia a Copa Sul-Americana
Originalmente publicado no aniversário de 10 anos, em 5 de dezembro de 2017, por sua vez nova versão dessa nota de 2012 – e revisto, ampliado a atualizado
O ano de 2007 foi um ano dos mais festivos para o Arsenal Fútbol Club. Para começar, completou seus cinquenta anos oficiais… celebrados em alto estilo com a conquista mais expressiva do Viaducto, a Copa Sul-Americana de 2007, com direito a eliminar os gigantes argentinos San Lorenzo (campeão nacional naquele ano e batido por 3-0 em pleno Nuevo Gasómetro) e River, também eliminado em seu próprio estádio – e a vencer, nas finais, dentro do templo do Estádio Azteca. O Arse era campeão continental antes mesmo de vencer a elite argentina, o que se daria somente em 2012, e por sinal sob o mesmo treinador da conquista de dez anos atrás: Gustavo Alfaro, na primeira conquista de relevo de uma trajetória que o credenciaria a trabalhar na Copa do Mundo de 2022 com o Equador. Outro a figurar no Qatar como remanescente daquela volta olímpica foi um jovem Papu Gómez.
Um ambiente famigliar
Uma conquista continental chega a ser incompatível com o porte que o Arsenal tem nacionalmente, tornando-o superior a times de prestígio doméstico maiores, como Huracán, Gimnasia LP, Banfield ou Newell’s, todos carentes de taças desse nível. Em 2015, Alfaro concedeu uma entrevista à El Gráfico relembrando seus feitos no time da família Grondona, mencionando-os sobre os festejos: “dois dias depois de ganhar a Sul-Americana, fui ao aniversário da filha de Julito (filho do chefão Julio Grondona) e vi Don Julio. Me felicitou, me abraçou e me disse: ‘não vão valorizar essa taça como você e o Arsenal merecem e isso será culpa minha’. Nessa Copa, nós eliminamos o San Lorenzo campeão de Ramón Díaz, o Goiás no Brasil, o Chivas, o River no Monumental e o América do México. Não era fácil…”. De fato, não se pode acusar “fator Grondona” em casa, pois o campeão ironicamente nunca venceu como mandante naquela Sul-Americana!
O título máximo do Arsenal, curiosamente, junta-se a outros marcos rubrocelestes redondos neste ano: 60 anos do primeiro título, a Primera D de 1962; 30 anos do primeiro acesso à segunda divisão, ao vencer um dos zonais da terceirona de 1992; e 20 anos da chegada à elite, como vice da Primera B Nacional de 2001-02 – sob comando técnico da maior revelação que o Arse já conferiu ao mundo, o ex-atacante Jorge Burruchaga (talismã na final da Copa de 1986), que ainda como jogador do time de Sarandí já pudera figurar com a seleção no Mundial sub-20 de 1981. Para não falar nos 65 anos da fundação oficial. “Oficial,” pois o time já existia informalmente antes, como uma equipe mirim dos subúrbios de Avellaneda. Como os jogadores dividam as preferências pelos grandes locais (e nacionais), Racing e Independiente, as cores de ambos foram as escolhidas.
Julio Grondona, o longevo chefão da AFA e vice-presidente da FIFA até sua morte, em 2014, era um dos rojos (onde também chegou a ocupar a presidência), enquanto o mais célebre blanquiceleste foi o zagueiro Roberto Perfumo, anos antes de virar El Mariscal pelo seu Racing, pela seleção, pelo Cruzeiro e pelo River. A tríade da municipalidade de Avallaneda, onde se situa a cidadezinha de Sarandí, seria renovada em 2021, com Papu Gómez, Sergio Agüero e Rodrigo de Paul – representantes das três camisas – posando juntos como colegas na seleção.
A equipe de rua passou a ser gerida de forma mais séria como uma terapia dos irmãos Julio e Héctor Grondona após a morte do pai deles, Humberto, em 1956: “era tanta a dor e a obsessão pela morte do meu velho que precisava de algo para suprir o pensamento permanente nele”, admitira Don Julio. O time informal de bairro onde jogava (“no fim de semana, fazíamos guerra e na segunda-feira devia atender do outro lado do balcão um cara com quem havia andado aos socos”), foi oficializado pouco depois. E assumido por todos os Grondona.
Além de Julio, foram presidentes arsenalistas seu irmão Héctor, também técnico e maior artilheiro do clube; o filho Humberto (nascido no mesmo 1957, e que leva o nome do avô), que também jogou e treinou não só na casa familiar como a própria dupla Racing (era o treinador do elenco vice do Cruzeiro na Supercopa 1992) e Independiente; Gustavo, também jogador, além de filho de Héctor e sobrinho de Julio – cujo filho Julito é desde 2001 o presidente. Uma ironia é que o estádio foi erguido em terreno doado por Alberto De Stéfano, irmão de Juan De Stéfano, futuro presidente do Racing… e adversário de Julio Grondona quando este, antes de assumir a AFA, presidia o Independiente.
Um dos protagonistas do título do Clausura 2012, Luciano Leguizamón apontou o lado positivo de um clube famigliar: “é um clube sem pressões, onde não há eleições. É o clube dos Grondona, eles manejam e manejam muito bem”. A classificação à Sul-Americana, por sua vez, veio pelo 5º lugar na tabela agregada da temporada 2006-07, que já garantira o time também em sua primeira Libertadores, para a edição de 2008. A campanha campeã foi primorosa, embora encerrada com derrota em casa e contasse basicamente com encostados de clubes maiores e/ou pinçados nas divisões inferiores e/ou ainda veteranos em fim de carreira. Em suma, reforços bons e baratos.
Papu, Alfaro e outros bons e baratos
Na primeira dessas categorias, estavam o zagueiro Javier Gandolfi (que pôde celebrar em alto estilo seu aniversário, também em 5 de dezembro) e o meia Andrés San Martín, ambos jamais firmados no River; o goleiro Mario Cuenca, que mesmo imortalizado como campeão da Copa Conmbol de 1999 com o Talleres, não dera certo no gigante de sua carreira, o Racing; o zagueiro colombiano Josimar Mosquera tampouco vingara em um Estudiantes sob ascensão, reserva no time campeão argentino em 2006 após 23 anos de jejum.
O ponta Martín Andrizzi e o lateral Aníbal Matellán, por sua vez, eram “reservas dos reservas” no Boca supercampeão de Carlos Bianchi – a titularidade pontual de Matellán justamente no Mundial Interclubes 2000, combinada com o inesperado ótimo desempenho que tivera diante do Real Madrid, tornou-se o lado folclórico daquela taça em Tóquio, com a torcida xeneize lhe sendo grata sem perder a corneta de “pipoqueiro ao contrário” por ele ter logo ali conseguido jogar o que não sabia para então voltar à normalidade. Outro “reserva de reserva” foi Leonardo Ulloa, de de apenas dois jogos no San Lorenzo recém-campeão do Clausura. Ele tampouco seria o nome mais lembrado na volta olímpica do Arse, mas viraria um talismã no cultuado Leicester City campeão inglês em 2016.
Já a segunda categoria era composta pelo defensor Javier Yacuzzi, que vinha do Tiro Federal, um dos nanicos times rosarinos à sombra da dupla Newell’s e Rosario Central (a equipe pôde aparecer rapidamente na elite na temporada 2005-06); pelo volante Diego Villar, formado no Newell’s mas que só começara a ter vitrine a partir da campanha de estreia do Godoy Cruz na elite, a recém-finalizada temporada de 2006-07, onde a equipe de Mendoza acabou rebaixada; e um volante igualmente recém-rebaixado, com o Nueva Chicago, Israel Damonte.
E a cota de gente com certo relevo, mas veterana, foi preenchida principalmente pelo lateral-esquerdo Cristian Díaz e pelo atacante José Luis Calderón, ambos colegas no razoável Independiente da metade final dos anos 90 – e por outro atacante, Leonardo Biagini, que chegou a ser visto como “o novo Batistuta” na conquista mundial da seleção sub-20 em 1995. Biagini, autor de gols nas semifinais (contra a Espanha de Raúl) e final (contra o Brasil), até emendara aquela conquista com os títulos dobrados do Atlético de Madrid de 1995-96 e com a final continental do modesto Real Mallorca “argentino” de 1998-99, mas evidentemente nunca chegou naquele patamar que imaginavam dele – nunca entraria em campo pela seleção principal. Calderón, sim; foi no embalo de algumas artilharias do Argentinão por aquele Independiente.
Mas Caldera se destacara ainda mais no Estudiantes, onde é o único nome capaz de rivalizar com Verón nas últimas três decádas. Revelado pelo time de La Plata nos anos 90, voltou diversas vezes e numa delas, em 2006, esteve no primeiro título argentino em 23 anos ganho pelos pincharratas. Com direito a marcar três gols no 7-0 sobre o rival Gimnasia LP, que na época ainda conseguia impor equilíbrio nos Clásicos Platenses (tinha somente uma vitória a menos no dérbi, mas desde então só o venceu mais uma vez). Aqueles 7-0 são justamente a maior goleada da história da rivalidade. Calderón na verdade voltava ao Viaducto, após uma passagem interessante na temporada 2004-05, em que uma equipe ainda treinada por Burruchaga conseguira classificar Sarandí pela primeira vez à Libertadores.
Quem fugia desses três padrões, mas sem deixar de ser alguém bom – muito bom – e barato – bastante – era o único jogador proveniente da própria base do Arse, viralizando até foto de tempos humildes do sujeito com a atual esposa, quando ambos ainda namoravam em 2006 lanchando na grama um sanduíche de rua. E ele era precisamente Alejandro Gómez, que já havia celebrado naquele 2007 o título mundial com a seleção sub-20. Ele até passara pelos infantis do Racing, embora ironicamente sempre torcesse pelo rival Independiente (onde seu tio materno Hugo Villaverde fora ídolo, campeão de tudo entre 1983 e 1984), mas terminou de se formar em Sarandí. O talento do Papu ainda demoraria dez anos para enfim ser reconhecido pela seleção principal, com a qual estreou em 2017, diante da franca ascensão da modesta Atalanta. Não bastou para ir a uma Copa do Mundo em um primeiro momento, ausente na Rússia; mas a regularidade mantida no Sevilla permitiu-lhe, à beira dos 35 anos que completará em fevereiro, um primeiro Mundial adulto, ainda que sob críticas de seu desempenho no Qatar até o momento.
E Gustavo Alfaro? Como jogador, fora um meia medíocre em anos medíocres do nanico Atlético de Rafaela, e mesmo quando a fama veio ele ainda precisa esclarecer que não era Roque Alfaro (com quem não tem parentesco), ponta que teve alguns jogos pela seleção após bom papel no primeiro River campeão de Libertadores e Mundial (em 1986) e no Newell’s campeão argentino em 1988. O próprio Atlético de Rafaela permitira as primeiras tentativas de treinador do sósia de Dorival Júnior. Fez seu nome inicialmente no interior e deu em 2002 uma primeira volta olímpica, na segunda divisão: enquanto o Arsenal pôde festejar a vaga de segundo acesso, o título foi do clube então treinado por Alfaro, o Olimpo, da cidade de Bahía Blanca.
Outro acesso para Alfaro veio já em 2003, no Quilmes, emendado com a melhor campanha de um recém-ascendido nos torneios curtos: o Cervecero foi 4º colocado já no Apertura da temporada 2003-04. Com isso, em 2005 o jovem treinador já trabalhava em uma Libertadores, embora a participação quilmeña ficasse mais marcada pela injúria racial de Leandro Desábato. O treinador seguiu o ano no primeiro gigante da vida, o San Lorenzo. Mas a temporada 2005-06 foi decepcionante aos azulgranas. O elenco dos jovens Ezequiel Lavezzi, Walter Montillo e Pablo Zabaleta era goleado com frequência acima do tolerável e com campanhas rondando o 10º lugar tanto no Apertura como no Clausura.
Ainda em 2006, o Alfaro pareceu descer degraus ao rumar ao Arsenal. E, longe da pressão por resultados, voltou a entrega-los, dirigindo a melhor campanha até então do clube. Papu Gómez foi ao Mundial sub-20 de 2007 credenciado pelos 5º lugares que o Viaducto teve tanto no Apertura como no Clausura da temporada 2006-07. Campanhas que, de uma vez, colocaram a equipe não só na Libertadores 2008 como naquela Sul-Americana 2007.
A campanha
Na época, a Sul-Americana ainda não tinha uma fase de grupos na concepção atual; as oitavas-de-final eram precedidas por mata-matas caseiros. E Alfaro teve um gostinho especial, ao tirar de cena um San Lorenzo recém-campeão do Clausura (um título que veio justamente em vitória sobre o Arsenal) com muitos dos jogadores com quem havia fracassado na temporada 2005-06. Lavezzi já havia decolado à Europa, mas a princípio o Sanloré fazia a camisa pesar, em 14 de agosto: em Sarandí, Andrés Silvera abriu aos 22 minutos de jogo um placar só igualado pelos donos da casa já aos 47 minutos do segundo tempo, por Carlos Casteglione – um defensor prata-da-casa promovido desde 2002 ao time adulto do Arse, mas sem o relevo que Papu alcançaria.
O jogo da volta tardou até 5 de setembro, o que não vinha impedindo que o Arsenal patinasse no Apertura que se desenrolava em paralelo: o torneio caseiro começara ainda em 5 de agosto (1-1 fora de casa com o Huracán) e os rubrocelestes até ganharam de 2-0 do Colón no dia 10, mas desde aquele empate agônico na estreia da Sul-Americana quatro dias mais tarde entraram em uma série de resultados ruins: derrota de 1-0 para o Olimpo em 18 de agosto, uma goleada de 4-0 em pleno estádio Julio Humberto Grondona para o Banfield em 25 de agosto e derrota de 1-0 na visita ao Gimnasia de Jujuy em 29 de agosto poderiam ter feito Alfaro balançar, diante do tom ainda incerto na Sul-Americana.
O mês de setembro começou com um bom presságio, ainda pelo Apertura, quando Leonardo Ulloa marcou no dia 1º o único gol do duelo com o Newell’s. Quatro dias depois, o Arsenal enfim teve a revanche continental com o San Lorenzo. E aprontou pela primeira vez, desde os 7 minutos, quando Mosquera usou a cabeça para abriu o placar. Aos 40, o adversário Jonathan Bottinelli (irmão de Darío, breve xodó flamenguista em 2011) marcou contra e obrigou o Ciclón a achar três gols no segundo tempo. Calderón aproveitou a necessidade de desguarnecerem a retaguarda e, com um golaço, fechou o 3-0 em pleno Nuevo Gasómetro, aos 23 minutos da segunda etapa. Era a primeira vez que o Sanloré perdia em casa desde a chegada vitoriosa do treinador Ramón Díaz a Bajo Flores. Pois imediatamente viria a segunda vez…
Para mostrar que não foi um resultado casual, o Arse tratou de repetir apenas quatro dias depois outro triunfo sonoro sobre o San Lorenzo na casa adversária, dessa vez pelo Apertura: por duas vezes o Ciclón esteve à frente no placar, com Aureliano Torres (aos 14) e Andrés Silvera (aos 42). E os azarões não só trataram de igualar ambas como produziram até mais. Calderón (de pênalti, aos 40), Andrizzi (já aos 28 do segundo tempo), Villar (38) e novamente Calderón (40) anotaram uma virada sensacional que corroborava no cenário argentino uma credencial continental do pessoal de Sarandí. Especialmente porque, ainda pelo Apertura, em 12 de setembro os pupilos de Alfaro prevaleceram sobre o River por 2-1 – em outra virada, aliás: Marco Ruben abrira aos 23 o placar remontado no segundo tempo por Matellán aos 9 e pela “vingança do ex” Gandolfi já aos 45.
Antes de voltar-se à Sul-Americana, em 15 de setembro o Arsenal ainda buscou em La Plata um 1-1 com o Estudiantes, com Ulloa achando já aos 47 minutos do segundo tempo o empate que serviu de injeção anímica para o compromisso no Serra Dourada. Quatro dias depois, o Goiás, mesmo em casa, amargou uma “contra-virada” relâmpago ao fim. Damonte inaugurou aos 16 minutos o placar, revertido por Paulo Baier aos 25 do primeiro tempo e já aos 31 do segundo. Mas incrivelmente aos 34 os argentinos já estavam de novo na frente, com um gol de Pablo Garnier antecedido no minuto anterior por um de Casteglione. Assim, ninguém se importou muito pela derrota em casa para o Racing em 23 de setembro, pela 10ª rodada de um Apertura de pretensões já inutilizadas.
Em 26 de setembro, novamente o Arse não venceu em casa, mas levou, com gols no primeiro tempo: de Papu Gómez aos 36 minutos e do esmeraldino Harison nos acréscimos. No Apertura, encarado de vez em ritmo de pré-temporada, a equipe seguiu sob uma sequência sem vitórias: 0-0 com o Vélez em 28 de setembro, 1-1 com o San Martín de San Juan em 3 de outubro e derrota em casa de 1-0 para o Lanús (futuro campeão inédito naquele Apertura, com um reserva chamado Germán Cano) em 7 de outubro pareciam cobrar o preço do relaxamento em 10 de outubro – quando o time de Alfaro ficou no 0-0 em casa com o Chivas Guadalajara, pelo jogo de ida das quartas-de-final. Mas o treinador não teve dúvidas em manter algum desleixo caseiro em 19 de outubro, derrotado por 2-0 pelo Tigre na 14ª rodada do Apertura. A forra viria no dia 25, em uma primeira credencial do Arsenal em gramados mexicanos.
Em nova exibição continental digna de campeão, o estádio Jalisco viu Javier Yacuzzi abrir o placar logo no segundo minuto de jogo. Sergio Santana até empatou aos 16, mas logo aos 27 veio um segundo gol do iluminado Yacuzzi. O Chivas precisava necessariamente virar o jogo. E até tinha um exemplo argentino em quem se mirar – o do River, que nos quinze minutos finais havia achado os três gols necessários (dois do jovem Radamel Falcao García e outro do futuro vascaíno Andrés Ríos) para eliminar o Botafogo. Mas a tentativa asteca de abafa foi respondida com novo gol sofrido, de Santiago Raymonda (meia-atacante tirado em 2005 de um Instituto de Córdoba recém-rebaixado…), já aos 33 do segundo tempo.
O próprio River seria o adversário nas semifinais, e o Arsenal, cada vez mais acompanhado pelo país, tratou de mostrar publicamente em 1º de novembro sua força ao voltar a vencer pelo Apertura (1-0 no Rosario Central, gol de Calderón já aos 40 do segundo tempo) antes do jogo de ida. O 0-0 em Sarandí em 7 de novembro não pegou bem, nem o dilatado 4-0 sofrido para o Argentinos Jrs quatro dias depois, pela 16ª rodada do Apertura. Mas os rubroceleste – ou melhor, “vinocelestes”, naquela época em que o Arsenal lembrou outro time londrino, o West Ham – passaram pela prova de fogo no Monumental. Em 13 de novembro, o River não fez valer o fator casa e o duelo voltou a ficar no 0-0, forçando pênaltis.
Pênaltis não eram um problema ao bom goleiro Cuenca, consagrado no Talleres a partir desse cenário em pleno Clásico Cordobés historicamente válido pela final da segundona de 1997-98. Naquela ocasião, dois colegas dele desperdiçaram suas cobranças contra o Belgrano e ainda assim La T levou a melhor. Além de pegador, Cuenca se dera ao gosto de converter o dele em outro dérbi, naquele mesmo 1998. Contra o River, os trabalhos foram bem abertos pelo experiente Calderón, que acertou a cobrança inicial e então viu o colega começar a se consagrar, salvando o tiro de Fernando Belluschi. Só que imediatamente Martín Andrizzi teve seu momento de vilão: Juan Pablo Carrizo defendeu a cobrança de El Pájaro.
Rolando Zárate igualou e Yacuzzi, Paulo Ferrari e Castiglione também acertaram quando lhe cabiam e então Cuenca reapareceu. Não só evitou o gol de René Lima, o quarto cobrador do River, como encerrou por antecipação a disputa ao converter a quinta cobrança arsenalista. Naquela entrevista de 2015, o técnico Alfaro assim lembrou daquele momento: “nesse dia, escutei pela primeira vez o silêncio. Num instante, eram 60 mil pessoas vaiando Mario Cuenca, que ia chutar seu penal na definição, e logo veio o gol e o silêncio total, como quando se desliga o rádio ou se põe no mudo a televisão. Terrível”.
Como se não bastasse, o Arsenal imediatamente também fez o Boca se entalar: o 2-1 já em 25 de novembro, gols de San Martín e Papu Gómez com desconto tardio do adversário Carlos Bueno, praticamente tiraram o outro gigante do páreo pelo Apertura. Três dias depois, os finalistas da América teriam outro compromisso pelo Apertura, com o Gimnasia, mas Grondona mexeu os pauzinhos e a AFA adiou esse jogo simplesmente para 23 de abril de 2008. É que em 30 de novembro o Arse precisava estar de volta ao México, dessa vez diante de 100 mil pessoas no Estádio Azteca. Para enfrentar o América de um jovem Guillermo Ochoa no gol, do endiabrado paraguaio Salvador Cabañas no ataque e dois argentinos: o talentoso meia Federico Insúa, com voltas olímpias por Independiente e Boca, e o técnico Daniel Brailovsky.
Cabañas abriu o placar para os anfitriões logo no quinto minuto e os locais perderam boas chances de ampliar. Matellán não só ajudou a segura-las como igualou aos 31. Alejandro Argüello colocou os 2-1 já aos 10 minutos do segundo tempo, em chute forte de fora da área. Só que Papu reigualou apenas dois minutos depois e acabaria eleito o craque do jogo ao também anotar a virada aos 21 – em lances parecidos, aproveitando lançamentos de Cuenca e falhas americanas. A imagem que abre a matéria é outra daquela noite consagradora, em complemento às três acima.
Grondona pôde adiar as duas partidas finais do Arsenal no Apertura (a última, contra o “amigo” Independiente, deu-se em 9 de dezembro), mas nem seu prestígio na Conmebol permitiu que a segunda final fosse disputada no próprio estádio que leva o nome do cartola – uma vez que a cancha em Sarandí não atendia a capacidade mínima exigida pela confederação para uma final. O palco seria na vizinha Avellaneda e, com o novo estádio do Independiente ainda em construção entre 2006 e 2009, a solução foi buscar o campo do Racing mesmo. Maradona e, pode-se dizer quase que literalmente, meia Sarandí compareceram no Cilindro: a cidadezinha em 60 mil habitantes e o público presente nas arquibancadas racinguistas foi de 30 mil.
Alfaro alinhou Cuenca, Gandolfi, Mosquera, Matellán e Cristian Díaz; Villar, San Martín, Damonte e Yacuzzi; Gómez e Calderón. Brailovsky voltou a Avellaneda (havia jogado no Independiente, em uma carreira mais lembrada por ter curiosamente defendido as seleções de Uruguai, Argentina e Israel) com fé em Ochoa, José Antonio Castro, Duilio Davino e Ricardo Roja; Óscar Rojas, Germán Villa, Juan Carlos Silva, Argüello e o argentino Pocho Insúa; Hernán Rodrigo López (uruguaio que seria decisivo no futebol argentino em 2010, pelo último Estudiantes campeão) e Cabañas. Fé justificada: os visitantes não se intimidaram e dariam mostras do que fariam no Flamengo dali a um semestre.
Com 18 minutos, um cruzamento de Óscar Rojas acabou desviado sem categoria por Cristian Díaz, em gol contra ocorrido com 18 minutos de jogo. No segundo tempo, Alfaro trocou Yacuzzi pelo experiente Biagini aos 15, mas quem marcou, novamente no minuto 18, foi o América (em bomba da canhota de Silva). Não era um desastre completo porque o critério do gol fora de casa também valeria para a decisão, bastando ao Arse marcar unzinho se não sofresse outros – com isso, Alfaro imediatamente trocou o volante Villar pelo ponta Andrizzi. O lance salvador poderia ter levado a assinatura do veterano Calderón, que carimbou duas vezes o travessão. Aos 31 minutos, Brailovsky buscou fechar a casinha: tirou o atacante López para pôr o defensor Ismael Rodríguez. Mas não evitou a redenção do próprio Andrizzi.
Justamente o reserva que havia perdido pênalti contra o River seria, cinematograficamente, o herói (da) final. A sete minutos do fim, após dois escanteios e muita insistência, a bola chegou na grande área ao ponta, após longo passe de San Martín. Mesmo sem equilíbrio e chutando fraco, seu arremate colocado levou a melhor contra três adversários e deslocou Ochoa. Alfaro tratou de ganhar tempo trocando então seis por meia dúzia, aos 41: saiu Damonte e entrou Raymonda. Ao mesmo tempo, Brailovsky ia ao tudo ou nada, tirando o zagueiro Óscar Rojas para pôr um atacante, o experiente argentino Lucas Castromán (ex-Lazio, seleção e campeão em 2005 com seu Vélez). Que simplesmente foi expulso quatro minutos depois, juntamente com Davino, em meio ao inconformismo mexicano.
O Arsenal perdeu, mas levou, coroando, com o primeiro grande título de sua história, o ano em que completou meio século. O reconhecimento aos méritos seriam reforçados após o Clausura 2012, também com Alfaro de treinador, no primeiro título argentino no Viaducto. A meia década entre as taças era tempo para a El Gráfico se render : “sejamos sinceros, a nobreza obriga: o Arsenal vem se mantendo sem aditivos, por méritos esportivos, pelo esforço dos jogadores e a sabedoria dos seus técnicos, pelo equilíbrio e sagacidade que vem sabendo manejar seus dirigentes. A mensagem do Arsenal é outra: com ordem, trabalho, disciplina e uma identidade de jogo, até o mais humilde pode desfilar reluzindo a coroa de campeão. Até esse clube de bairro que nasceu de uma dor”.
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