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Há cem anos, o Boca chegava à seleção

A data de 15 de junho de 2013 é dia festa para o Boca Juniors. Com o rebaixamento do Independiente hoje, o clube auriazul passa a ser o único do país que nunca foi rebaixado. Mas o dia celebra também a estreia do primeiro jogador boquense na seleção: Francisco Taggino, histórico também nas estatísticas do próprio Superclásico com o River Plate.

Taggino jogou em tempos bem distantes da rivalidade. Primeiro exemplo? Quem vestia a faixa diagonal era o Boca, modelo usado entre 1907 e 1912 – antes mesmo do River começar a fazer o mesmo. O rival utilizara em 1908 esse desenho, mas só voltaria a aplica-lo já em 1932; de 1909 a 1931, a camisa riverplatense foi a tricolor em listras verticais, com finos riscos pretos separando bastões brancos e vermelhos, modelo que virou uma tradicional peça reserva com a efetivação da faixa diagonal.

Segundo exemplo: o River ainda era um clube do bairro de La Boca, tão ligado à identidade dos auriazauis. Inclusive, o duelo era chamado de El Clásico Boquense, só começando a tomar a proporção de El Superclásico a partir de meados dos anos 30. O que nos leva ao terceiro exemplo: a dupla ainda era virgem de títulos na primeira divisão quando Taggino jogava. O que só engrandece dois feitos desse ponta ambidestro. Não foi só o primeiro jogador do Boca na seleção, mas também o primeiro a defendê-la vindo de ambos os rivais (isto é, o primeiro vira-casaca entre eles reconhecido pela seleção, pois o primeiro jogador do River nela fora Elías Fernández, ainda em 1909).

Taggino surgiu nas categorias de base do Boca e por ele jogou de 1910 a 1916, marcando 43 vezes em 129 partidas, um bom número para um ponta. Chegou à Albiceleste no embalo da própria estreia do Boca (onde também jogou seu irmão Alfredo) na primeira divisão, naquele mesmo 1913; o clube jamais foi rebaixado, mas, como todo clube argentino fundado no século XX, precisou sim disputar pelo menos a segunda divisão, criada ainda em 1899; ainda que, ironicamente, sua chegada à elite se desse via canetada federativa mesmo e não por acesso em campo (o mesmo ocorreu com o próprio Independiente, ao contrário dos demais grandes do país), conforme comentamos aqui.

Juvenis do Boca Juniors em 1908. Taggino é o último sentado ao chão, da esquerda para a direita. Chegaria em 1910 ao time adulto

A estreia de Francisco pela Argentina deu-se em um 1-1 contra o Uruguai em Avellaneda, pela Copa Presidente Sáenz Peña. Ainda respirava-se a era britânica no futebol argentino, conforme a escalação daquele dia: Carlos Wilson (San Isidro), Arturo Chiappe (River), Juan Brown (Quilmes), Ángel Mallen (Belgrano Athletic), José Morroni (San Isidro), Arturo Jacobs (Belgrano Athletic), Maximiliano Susán (Estudiantes de Buenos Aires), Manuel González (Newell’s), Alberto Marcovecchio (Racing), Arnold Watson Hutton (Belgrano Athletic) e o boquense Taggino.

González marcou o gol argentino a oito minutos do fim, que acabou antecipado: o pontapé inicial teria sido tão tarde que a partida terminou suspensa ao anoitecer. Em 15 de agosto, novamente contra o Uruguai em Avellaneda, desta vez pela Copa Lipton, ocorreu a estreia do segundo jogador do Boca na seleção – Donato Abbatángelo, que, apesar dos 4-0, não jogou mais pela Argentina. Já Taggino retornou em 26 de outubro. Em Montevidéu, pela Copa Newton, os uruguaios venceram por 1-0. As únicas aparições de Taggino na seleção como xeneize seriam essas duas. Mas sua história na Albiceleste teria um recomeço dali a uns três anos…

O irmão Alfredo Taggino estreou no time adulto do Boca em fins de 1915. Mas acabaram mal convivendo: Francisco fez só um jogo pelo clube em 1916, um 3-1 amistoso sobre o Estudiantil Porteño, em 6 de março. Virou a casaca e, em 1º de outubro, voltou à seleção, agora como riverplatense. E em jogo histórico: novamente em Avellaneda, pela Copa Círculo de la Prensa, o Uruguai foi surrado. Foi um Argentina 7-2, até hoje o placar mais elevado do clássico platino. Ironicamente, havia um uruguaio, Zoilo Canaveri, no lado argentino, que empregou ainda um alemão (Marius Hiller, único a defender as seleções de Argentina e Alemanha).

Essa ocasião está retratada na imagem acima, que contém ainda outros três jogadores do River: Heriberto Simmons, Arturo Chiappe e Cándido García eram outros novos colegas de Taggino. O próprio uruguaio Canaveri, então no Racing, haviam passado rapidamente pelo Millo em 1913.

A seleção argentina antes do histórico 7-2 no Uruguai. Taggino é o último agachado

Como jogador do River, Taggino jogou outras duas vezes pela seleção, em derrota de 1-0 em Montevidéu para o Uruguai pela Copa Newton em 1917; e um 3-3 contra o Brasil, no Rio de Janeiro, pela Copa Roberto Cherry em 1º de junho de 1919. Ainda esteve em uma partida não-oficial, em 30 de agosto de 1919, contra o Torino; o clube italiano vinha em excursão à América do Sul e perdeu de 2-1 no estádio do Racing, e, curiosamente, seu gol foi de um argentino: Eugenio Mosso, exatamente o primeiro hermano naturalizado pela Azzurra.

Taggino parou de jogar em nível superior ainda em 1919; eventualmente voltou ao Boca, mas para jogos da equipe B ou do time de veteranos. O primeiro título argentino do Boca viria exatamente pelo campeonato de 1919 – e o do River, pelo do de 1920. O ponta acabou carregando outras estatísticas além da imortalidade como primeiro boquense na seleção: é o único a ter representado a dupla na seleção quando os dois ainda não haviam vencido a primeira divisão; e o único a representar ambos na Albiceleste na era amadora do futebol argentino, encerrada oficialmente no início de 1931.

Por muito tempo, Taggino também foi o único detentor geral dessa marca atrelada ao Superclásico. É que o segundo jogador que a seleção utilizou tanto do Boca como do River só igualou Taggino já em 1950. E não foi qualquer um: José Manuel Moreno é tido como o maior jogador que o país teve na primeira metade do século XX, e nos anos 90 ainda haviam portenhos mais velhos que o colocavam como mais habilidoso do que Maradona. Até hoje, somente outros dez jogadores conseguiram o mesmo feito – alcançado pela última vez há longos dez anos, pelo zagueiro Nelson Vivas.

Atualização em 03-09-2013: relembramos todos os doze jogadores que defenderam a seleção vindos de Boca e River. Inclusive, foi possível montar um time com goleiro, defensores, meias e atacantes. Clique aqui.

Primeiro agachado no River vice-campeão argentino de 1917, com alguns outros nomes do 7-2 da Argentina no Uruguai: Heriberto Simmons, Candido García, A. Yonga, Arturo Chiappe, Atilio Peruzzi, Pedro Calneggia e Carlos Isola; Taggino, Santiago Mantero, Armando Risso, Nicolás Rofrano e Antonio Ameal Pereyra.
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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