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Há 80 anos, a Itália conquistava a sua primeira Copa. E com argentinos no elenco

Paletta, à esquerda, jogará a Copa 2014. Osvaldo (na imagem, enfrentando a Argentina) chegou perto: jogou pela Azzurra até março

Em um 10 de junho, mas de exatos 80 anos atrás, a Itália vencia a Copa pela primeira vez. Em casa, contou com quatro argentinos no seu primeiro elenco campeão, descendentes da numerosa imigração italiana entre nossos vizinhos, tão grande que mais da metade deles tem algum ancestral na Velha Bota. Os hermanos já eram bem antes daquela Copa uma tônica na Azzurra, só atrás da Albiceleste dos quem mais usaram argentinos no torneio. Para a de 2014 ela trará mais um, o zagueiro Gabriel Paletta. O primeiro, aliás, foi usado há cem anos, em 1914. Vamos lembrar todos aqui.

O primeiro foi o mendoncino Eugenio Mosso, de uma família ligada ao Torino (seu irmão Benito, após excursão do clube grená no Brasil naquele 1914, ficou para jogar no Palmeiras, cuja fundação como Palestra Itália teve inspiração naquela turnê). Eugenio marcara três gols em um 8-0 na Juventus em 1912, até hoje a maior goleada do clássico de Turim: falamos aqui.

Mosso e seus irmãos começaram a carreira já na Itália, que também reabsorveu muitas famílias que emigraram à Argentina. Jogou só uma vez pela seleção, em um 1-1 com a Suíça em Gênova em 29 de março de 1914.

Mosso, o primeiro. Romano, que jogou pela França também. Libonatti, o primeiro ex-seleção argentina

Os seguintes vieram entre 1920-21. Emilo Badini, que começou já no Bologna, jogou duas vezes em 1920, nas Olimpíadas, marcando um gol na Noruega. O meia César Lovati, que jogou apenas pelo Milan, fez seis jogos nesse período. Depois foi a vez de Félix (Felice, para os italianos) Romano em cinco jogos, com uma particularidade: antes, havia defendido a França, país de sua mãe, em amistoso de 1913. Na Bota, Romano se destacou na sumida Reggiana (não confundir com o Reggina) e jogou cinco vezes pela seleção, até 1924. Duas delas, contra a Suíça, terra de seu pai.

Em 1926, foi a vez de Julio Libonatti, primeira contratação que o futebol europeu fez a partir do sul-americano (o que é diferente de dizer que ele foi o primeiro sul-americano no futebol europeu, como às vezes é propagado), pois era do Newell’s e já havia jogado pela Argentina: foi o herói do primeiro título dela na Copa América, em 1921, marcando nos três jogos.

Contratado pelo Torino, Libonatti foi artilheiro do campeonato italiano de 1928, o primeiro vencido pelo Toro. Fez 15 gols em 18 jogos pela Itália e certamente estaria com ela na Copa 1930 caso a Azzurra não estivesse entre as numerosas seleções europeias que não se dispuseram a encarar a longa viagem naval ao Uruguai.

A Itália com quatro argentinos para o jogo-desempate contra a Espanha na Copa de 1934: o técnico Pozzo, Combi, Ferraris IV, Allemandi, Monti e Guaita; Bertolini, Orsi, Monzeglio, Meazza, Borel e Demaría

O próximo também foi um astro ainda na Argentina: Raimundo Orsi, na época segundo maior artilheiro do Independiente, rumou à Juventus após receber a prata nas Olimpíadas de 1928 (retratamos aqui a campanha nos Jogos de Amsterdã). Integrou na Vecchia Signora a primeira das três únicas vezes em que um clube foi penta seguido na elite italiana, feito que ajudou a torna-la o time mais popular do país.

Orsi já jogava pela Itália desde 1929 e foi campeão da Copa 1934 inclusive marcando um dos gols na final de 80 anos atrás: empatou-a a dez minutos do fim contra a Tchecoslováquia, driblando Josef Košťálek e colocando no canto direito de František Plánička com um chute de curva. Aquela Juventus penta tinha ainda o defensor Luis Monti e o meia Renato Cesarini, italiano crescido na Argentina e que jogara pela Albiceleste em 1926. Monti era ídolo no San Lorenzo e foi vice na Copa 1930 antes de vencer a de 1934. Cesarini brilhara no Chacarita e uma lesão o impediu de atuar na Copa 1934, mas ele também recebeu medalha de campeão.

A Itália de 80 anos atrás tinha mais outros dois argentinos. Um, como Monti, fora vice na Copa 1930: o atacante Atilio Demaría, que a Internazionale comprara do extinto Estudiantil Porteño. Como ele não jogou nenhuma das duas finais e Monti sim, só o defensor ficou lembrado como único finalista de Copa por países diferentes. O outro hermano de 1934 foi Enrique Guaita, da Roma e que vinha de um célebre ataque do Estudiantes apelidado de Los Profesores, dos quais outro era Alejandro Scopelli, vice na Copa 1930 e que continuou colega de Guaita na Roma. Só eles dois jogaram pela Argentina antes e depois de defenderam outro país: venceram a Copa América 1937.

A Itália de 80 anos atrás, com três argentinos, na final da Copa 1934: Combi, Monti, Ferraris IV, Allemandi, Guaita e Ferrari; Schiavio, Meazza, Monzeglio, Bertolini e Orsi

Scopelli jogou só uma vez pela Itália, em 1935 – ano em que ele, Orsi, Demaría e Guaita, recém-artilheiro de campeonato então liderado pela Roma, fugiram da Europa com medo do servirem o exército de Mussolini na invasão fascista à Etiópia. El Indio Guaita (possivelmente o primeiro não-branco da Azzurra, em plena eugenia fascista…), além de marcar o gol salvador na semifinal, diante do Wunderteam austríaco, fizera o passe para o gol do título na Copa, de Angelo Schiavio.

O argentino seguinte foi Rinaldo Martino, na época o segundo maior artilheiro do San Lorenzo e vindo da geração argentina de ouro dos anos 40. Bi na Copa América em 1945 (fez o gol do título: falamos aqui) e 1946, Mamucho chegou em 1949 à Juventus após histórica greve que ocasionou grande debandada. Na época, o Torino acabara de faturar um penta seguido também, mas seu timaço morreu em acidente aéreo – como mostramos aqui, o jogo-benefício feito pelo River em Turim em prol dos familiares dos mortos foi um dos últimos de Di Stéfano (outro astro grevista que foi embora) pelo clube.

Já a Juventus não era campeã havia quinze anos, desde aquele elenco de Orsi, Monti e Cesarini, e só tinha um título a mais que o rival. O jejum hoje impensável acabou ali. Martino integrou a Juve campeã de 1949-50 e no período jogou uma vez pela Itália, em derrota para a Inglaterra em Londres. Poderia ter vindo à Copa 1950, mas deixara o país meses antes por lá “não ter corridas de cavalos”. De todo modo, pode ter feito história: Martino também era apelidado de El Negro e possivelmente foi o primeiro afro a defender a seleção italiana.

Rinaldo Martino só atuou nesse jogo contra a Inglaterra, mas possivelmente foi o primeiro afro da Azzurra

A rivalidade Juventus-Torino renderia mais argentinos à Azzurra, como Eduardo Ricagni, artilheiro do campeonato argentino de 1952 pelo Huracán, jogou pelos dois nos anos 50 e também pelo Milan. Jogou três vezes entre 1953-55, marcando dois, mas acabou de fora da Copa 1954.

Entre 1956-60, Miguel Montuori, grande ídolo da Fiorentina de Julinho Botelho campeã italiana pela primeira vez e vice na Liga dos Campeões, jogou nove vezes, marcando dois também. Integrou com o brasileiro Dino da Costa e os carrascos do Maracanazo José Schiaffino e Alcides Ghiggia um ataque sul-americano que fracassou em pôr a Itália na Copa 1958, a outra única além da de 1930 em que ela se ausentou e a única em que isso se deu por eliminação em campo. Em 1957, Bruno Pesaola, do Napoli (contratado pela Roma desde o Dock Sud, hoje na 4ª divisão!), jogou uma vez, na derrota por 3-0 para Portugal naquelas fatídicas eliminatórias.

Entre 1959-61, Francisco Loiácono (virou Lojacono), que jogara a Copa América em 1956, fez cinco gols em oito jogos pela Azzurra, inclusive sobre a Argentina em um 4-1 em 1961 em Florença – Sívori também marcou e ambos não esconderam o desconforto, vide imagem abaixo. Sua estreia também foi curiosa: um 1-1 com a Espanha com gols argentinos, dele e de Di Stéfano. Ambos voltaram a marcar em vitória espanhola por 3-1 em 1960. Loiácono jogou as eliminatórias marcando outro gol, mas acabou de fora da Copa do Chile.

Loiácono e Sívori cabisbaixos, na noite em que ambos marcaram em vitória sobre a Argentina natal. À direita, Angelillo com Sívori

Por um tempo, este ex-Gimnasia LP, Fiorentina e Roma foi um dos últimos estrangeiros na seleção. Tudo por conta do vexame que a Itália deu naquela Copa, caindo na primeira fase. Decepção que fez com que o calcio parasse de importar novidades. Mesmo novos estrangeiros de sangue italiano, também considerados cidadãos do país, foram “vetados”. A FIFA também estipulou na época que após a Copa 1962 não se permitiria mais que jogadores de uma seleção viessem a adotar outra. Por isso Di Stéfano e Puskás pararam ali de jogar pela Espanha.

Essas duas medidas afetaram a Azzurra também. O astro da Juventus Omar Sívori, presente no Chile e considerado como o Maradona da época, continuou brilhando no clube mas sem poder jogar mais pela Itália e tampouco pela Argentina (mais ou menos como outro afetado, o brasileiro José “Mazzola” Altafini), que só nos anos 70 passou a convocar quem jogava no exterior, algo antes proibido.

Sívori também estava naquele 4-1 contra a terra natal em 1961, marcando outro gol. Vencera a Copa América 1957 em cima de muitos brasileiros que venceriam a Copa 1958. Integrou ataque apelidado de Carasucias (“Cara-Sujas”, gíria para moleques) de Lima, que tinha ainda Antonio Angelillo, do Boca e que jogou nas eliminatórias para a Copa do Chile. Angelillo foi artilheiro da Serie A de 1959 pela Inter e jogaria no rival Milan também: veja aqui.

Três registros de Maschio: à esquerda, com Sívori. À direita, sofrendo com a fratura no nariz na caçada chilena na Copa de 1962

Outro Carasucia era Humberto Maschio, do Racing e já na Atalanta quando foi com Sívori à Copa 1962: ironicamente, ele e o jovem Gianni Rivera, que não jogaram as eliminatórias, roubaram vagas que poderiam ter sido de Angelillo ou Loiácono. A restrição a novos estrangeiros no calcio só ruiu nos anos 80. E só mais recentemente a FIFA voltou a relativizar a admissão de naturalizados. Assim, o argentino seguinte só apareceu em 2003: o volante Mauro Camoranesi, que chegou à Juventus após trotar sem alarde por Banfield (onde foi mais conhecido por involuntariamente aposentar um adversário que fraturou), futebol mexicano e Verona.

Camoranesi acabaria titular campeão na Copa 2006, na quebra do jejum de 24 anos, na conquista do tetra. E iria também à de 2010. Argentino que mais vezes e por mais tempo jogou pela Bota, 55 vezes por oito anos, curiosamente jamais enfrentou a Albiceleste, ao contrário de alguns de seus antecessores. Já após a Copa 2010, Cristian Ledesma, da Lazio (não confundir com o xará do River) e que fez toda a carreira profissional na Itália, jogou por ela uma única vez, em 1-1 com a Romênia.

Em 2011, o atacante Pablo Osvaldo, desde 2006 na Itália após começar no Huracán, passou a ter chances por atuações na Roma e sonhou em ir à Copa 2014 (até enfrentou a Argentina em amistoso de agosto passado, dando assistência ao gol azzurro na derrota por 2-1 em Roma). Contudo, não entrou sequer na pré-lista de Cesare Prandelli, apesar do título na Juventus. Em 2012, Ezequiel Schelotto, então na Atalanta, recebeu sua única chance, já após a Eurocopa, em derrota para a Inglaterra em Berna.

Outros não-brancos pela Itália: o negro Montuori e o trio Camoranesi, Ledesma e Schelotto, todos de traços indígenas

Por fim, o mais novo hermano na Itália, que em 2013 chegou a sondar Mauro Icardi, é Paletta, que se destacou em um Parma que deslanchou na reta final da temporada – na metade, havíamos listado sem maior alarde o zagueiro neste outro Especial. Ex-Banfield e Boca, Paletta estreou pela seleção em março deste ano, na última oportunidade de Osvaldo, em derrota de 1-0 para a Espanha em Madrid.

Além deles, houveram casos de argentinos por seleções B da Itália: Arturo Quini (Chini, para os italianos) Ludueña em 1928, Alfredo Devincenzi em 1935 (havia jogado pela Argentina a Copa 1934: falamos aqui) e Humberto Rosa em 1954; e em seleções de base, como Paolo Dellafiore entre 2001-08, Fernando Forestieri entre 2006-12, Leandro Martínez entre 2008-09, Fabio Roldán, Jonathan Ferrante e Cristian Battocchio em 2011 e José Mauri (outro do Parma) em 2012. Há ainda o caso de Oscar Massei, ídolo do Rosario Central que estava na Inter em 1956, quando foi convocado à principal mas não jogou.

Abaixo, outros Especiais relacionados:

*Espanhóis, pero no mucho 

*Conheça os argentinos que jogaram em outras seleções em Copas do Mundo 

*Há 35 anos, o Sportivo Italiano enfrentava a… Itália

O fascismo, a face macabra do título de 80 anos atrás. Orsi, Guaita e Monti são os três anteriores ao jogador enfaixado na testa. O último na imagem, com macacão, é Demaría (a seu lado, o brasileiro Anfilogino “Filó” Guarisi). Saúdam Mussolini, que teria ameaçado a seleção se perdessem.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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