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Há 55 anos, o River, com três gols brasileiros, vencia por 3-2 o Real Madrid no Bernabéu

O River não foi de ter muitos brasileiros em sua história. Chegou a negociar com Toninho Cerezo no início dos anos 80 e com outro Toninho, El Bíblico, no início dos 90. O mais famoso foi o técnico Didi, no início dos anos 70. Nos anos 30, foi ídolo Aarón Wergifker, filho de imigrantes russos que por acaso nasceu em São Paulo e cresceu em Buenos Aires. Os anos 60 foram a exceção. Foram sete tupiniquins em Núñez, e dois deles anotaram os três gols sobre Alfredo Di Stéfano e companhia há 55 anos. Para completar, havia oito anos que o Real Madrid não era derrotado em casa por estrangeiros.

O próprio River havia derrotado por 4-3 o Real em 1951. Na época, a equipe merengue vivia jejum de duas décadas e tinha menos títulos nacionais até do que o vizinho Atlético de Madrid. Em 1952, na celebração dos seus cinquenta anos, os blancos convidaram a seu estádio – na época, o Chamartín – a badalada equipe do Millonarios, do Eldorado Colombiano. Alfredo Di Stéfano era a estrela do Ballet Azul e comandou a vitória sul-americana por 4-2, despertando assim o interesse madridista.

Ironicamente, a estreia de Di Stéfano pelo Real foi com derrota: 4-2 para o Nancy no Santiago Bernabéu, em 1953. Dependendo do referencial, esta foi a derrota anterior à sofrida diante do River. Pois, jogando em casa, mas no Chamartín, os espanhóis levaram ainda em 1953 um vareio de 6-0 do Independiente, que não por acaso forneceu naquele mesmo ano seus cinco atacantes ao mesmo tempo à seleção argentina (algo inédito até então): falamos aqui.

Até enfrentar o River em 1961, o Real jogou também contra outra equipe argentina, o nanico Deportivo Español, além de brasileiras que variavam do Cruzeiro gaúcho (que se orgulha de ter segurado o 0-0 em Chamartín) e Bela Vista de Sete Lagoas, passando pelo Sport Recife até o Botafogo, duas vezes Vasco e o Santos de Pelé, derrotado por 5-3 no único confronto entre o Rei e Di Stéfano. De outros jogos, destaque para dois de 1956: o 13-1 sobre o Sochaux na tarde em que o Real apresentou Raymond Kopa e o incrível 5-5 contra o Honvéd, cujos astros – incluindo Ferenc Puskás – fugiam da intervenção do Pacto de Varsóvia na Revolução Húngara, naquele ano.

Já o jogo contra Pelé foi em 1959, já após o Brasil vencer pela primeira vez a Copa do Mundo. Em 1959, os brasileiros por bem pouco não venceram em plena Buenos Aires a Copa América, até hoje havendo reclamação de que um gol que daria a vitória sobre a campeã Argentina (e o título aos brasileiros) foi injustamente anulado – o árbitro interpretou que a bola não passara da linha. Em 1960, o Brasil ainda atropelou os hermanos na Copa Roca, com um 4-1 em pleno Monumental de Núñez.

Esse boom da seleção brasileira, que até então era a terceira força sul-americana, chamou a atenção dos cartolas argentinos. Vários clubes de lá trataram de importar tupiniquins, com a dupla principal Boca e River encabeçando o movimento pelo fútbol espetáculo. Em 1960, o Millo levou Paulinho de Almeida, da Copa de 1954 e daquela Copa América de 1959. Em 1961, iria para o atacado.

Benítez, Joya (peruanos), Davoine (uruguaio) e Gómez Sánchez (peruano); Edson, Paulinho e Sasía (uruguaio): Superclásico estrangeiro. À direita, Delém com os jovens Almeyda e Ortega

Em 1961, trocou com o Peñarol o peruano Juan Joya por outro brasileiro, Salvador (ex-Internacional e campeão com os aurinegros da primeira Libertadores, no ano anterior), além de importar Décio Crespo, Moacyr (ambos do Flamengo), Roberto (São Paulo) e Delém (Vasco). Estes dois últimos haviam atuado pelo Brasil no 4-1 pela Copa Roca, com dois gols de Delém. Já Moacyr era da Copa de 1958.

A importação não se restringiu a brasileiros e o River chegou a ter um quinteto ofensivo totalmente estrangeiro, com o espanhol José García Castro (o Pepillo) na ponta-direita, o uruguaio Domingo Pérez na meia-direita, Moacyr de centroavante, Delém de meia-esquerda e, na outra ponta, Roberto – que na Argentina ficou conhecido por nome e sobrenome, Roberto Frojuello.

Aquele River começou com tudo o campeonato argentino: 5-2 no Lanús (com gol de Roberto), 3-0 fora de casa no Chacarita (dois de Moacyr e um de Roberto), 2-0 no Estudiantes (mais um de Roberto), 1-1 fora de casa com o Independiente (campeão do ano anterior) e Atlanta (que tinha time fortíssimo na época), 1-0 no Vélez e 3-1 fora de casa no San Lorenzo foram, na sequência, os jogos anteriores à pausa do assassino frio portenho. O River então foi manter a forma no verão europeu.

O Real Madrid já não era o mesmo desde que Di Stéfano chegara. Após as derrotas de 1953, o clube não mais perdera em casa para estrangeiros e acumulara as primeiras cinco edições da Liga dos Campeões, entre 1956 e 1960 – a eliminação em 1961 viera diante do Barcelona, o que mantinha a escrita iniciada em 1953. Nesse patamar, os merengues receberam o River, que não desconfiava que após ser campeão em 1957 só voltaria a sê-lo em 1975. Contra clubes de fora da Espanha, já eram cinquenta jogos de invencibilidade no Bernabéu e 47 em casa.

O jogo começou com tudo, com quatro gols em 26 minutos. Aos 5, um cabeceio de Roberto abriu o marcador para os visitantes. Di Stéfano virou com gols aos 8 e aos 19 minutos diante do ex-clube. Aos 26, então, Delém, de pênalti, empatou. Aos 3 do segundo tempo, Roberto fez seu segundo gol. A partida, agendada como homenagem ao goleiro Juan Alonso (que defendera o Real por onze anos, entre 1949 e 1960), ficou no 3-2. Ele iniciara no gol e no intervalo foi substituído pelo argentino Rogelio Domínguez.

As escalações de 55 anos atrás, sob o apito do italiano Concerto Lobello, foram Alonso (Domínguez 45´); Miche, Santamaría, Casado; Pachín Vidal (Ruiz 45´), Mateos, Del Sol (Ruiz II 45´), Di Stéfano, Puskás e Gento pelo Real Madrid; e Carrizo; Rodríguez, Ramos Delgado, Echegaray; Varacka, Schneider; Pérez (Villagarcía 45´), Moacyr, Pepillo, Delém (Sarnari 45´) e Roberto (Rojas) pelo River. Falamos anteontem que Carrizo fizera aniversário na antevéspera e mesmo aos 35 anos inspirou o presidente madridista Santiago Bernabéu a oferecer um lance para contrata-lo, recusado pelo presidente riverplatense Antonio Liberti. Eram outros tempos: o River é que contrataria o goleiro oponente para 1962, Rogelio Domínguez. Delém, com oferta do Atlético de Madrid, também foi retido.

River no Bernabéu: Ramos Delgado, Carrizo, Schneider, Varacka, Rodríguez, Ovejero (goleiro reserva) e Etchegaray; Pérez, Pepillo, Moacyr, Delém e Roberto

Adiante, os millonarios participaram do Torneio Itália e continuaram muito bem. Ganharam de 3-1 do Napoli no San Paolo, com gol de Delém e empataram com a Internazionale em 1-1 no San Siro, gol de Moacyr. Com melhor saldo no grupo, a Inter avançou à final, quando foi derrotada por 4-1 pelo Santos. No jogo pelo bronze, o River ainda ganhou de 5-2 da Juventus, com dois gols de Moacyr. Além disso, a Banda Roja ainda bateria meses mais tarde o próprio Santos, um 2-1 em 6 de janeiro de 1962. O problema é que o embalo europeu não foi mantido. Simbolicamente, no retorno ao campeonato argentino, o River perdeu de 1-0 em pleno Monumental para o Gimnasia LP. Ficaria só em terceiro, a nove pontos do campeão Racing, em tempos nos quais a vitória só valia dois pontos.

Apesar dos gols de Roberto e Moacyr naquela bela turnê, só Delém vingaria como ídolo a ponto de radicar-se até o fim da vida em Buenos Aires e coordenar com mão e olhos de ouro a fortíssima categoria de base riverplatense nos anos 90, polindo desde Ariel Ortega a Andrés D’Alessandro, até ser demitido pelo desastroso presidente José María Aguilar. Falamos aqui. Mesmo com novo título mundial brasileiro em 1962, apenas mais um brasuca veio a Núñez, em 1963, sem êxito: o ponta-esquerda Deraldo Conceição, ex-Pelotas e Internacional que já estava desde 1961 na Argentina, defendendo o Newell’s (também passaria rapidamente pelo Argentinos Jrs, em 1964).

Se desde a demissão de Delém o River fraquejou, nos anos 60 enfrentou um penoso jejum (o brasileiro ficaria inclusive marcado por pênalti perdido contra o Boca na reta final do torneio de 1962, com ambos os rivais lutando pelo título: veja aqui) sempre lutando pelas cabeças. “Até hoje não compreendo como não pudemos obter nenhum título nesses anos”, afirmaria o colega Luis Artime. O Boca que conseguiria títulos no embalo brasileiro, com Orlando Peçanha e Paulinho Valentim virando ídolos. Mas o jogo de 55 anos atrás demonstra como o River era um vencedor sem coroa. Infelizmente, Roberto Frojuello já não lembraria de sua tarde de herói, pois sofre de Alzheimer.

Abaixo, a lista de jogos do Real contra estrangeiros entre 1953 e 1961 – em negrito, os não-amistosos, válidos pela Liga dos Campeões. Vale o registro de que a primeira derrota em casa para forasteiros em jogo não-amistoso viria em 1962, para a Juventus. 1-0, gol argentino, gol de um ex-River: Omar Sívori.

Real Madrid 2-4 Nancy (FRA) em em 23 de setembro de 1953 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 0-0 Cruzeiro-RS (BRA) em 8 de novembro de 1953 (Chamartín)
Real Madrid 3-2 Stade de Reims (FRA) em 19 de novembro de 1953 (Chamartín)
Real Madrid 0-6 Independiente (ARG) em 8 de dezembro de 1953 (Chamartín)
Real Madrid 2-0 Uruguai em 30 de maio de 1954 (Chamartín)
Real Madrid 6-1 Rot Weiss Essen (ALE) em 12 de outubro de 1954 (Chamartín)
Real Madrid 5-3 Charlton Athletic (ING) em 24 de abril de 1955 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-2 Botafogo (BRA) em 15 de maio de 1955 (Chamartín)
Real Madrid 5-0 Servette (SUI) em 12 de outubro de 1955 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-0 Partizan (IUG) em 25 de dezembro de 1955 (Santiago Bernabéu)

O gol de Delém, empatando em 2-2

Real Madrid 6-0 Saint-Raphaël (FRA) em 29 de janeiro de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-2 Milan (ITA) em 19 de abril de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-2 Vasco da Gama (BRA) em 31 de maio de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 14-1 Sochaux (FRA) em 4 de outubro de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-2 Rapid Viena (AUT) em 1 de novembro de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 5-5 Honvéd (HUN) em 29 de novembro de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-0 Rapid Viena (AUT) em 13 de dezembro de 1956 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 3-0 Nice (FRA) em 14 de fevereiro de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 3-1 Manchester United (ING) em 11 de março de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 5-3 Sport Recife (BRA) em 18 de maio de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 5-3 Sedan (FRA) em 23 de maio de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-0 Fiorentina (ITA) em 30 de maio de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 9-0 Perpignan (FRA) em 1 de junho de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 5-1 Milan (ITA) em 20 de junho de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 1-0 Benfica (POR) em 23 de junho de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 13-1 Karlsruher (ALE) em 29 de junho de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-0 Royal Antuérpia (BEL) em 28 de agosto de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 3-0 Fortuna Geleen (HOL) em 4 de setembro de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 6-0 Royal Antuérpia (BEL) em 28 de novembro de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-2 Wolverhampton Wanderers (ING) em 11 de dezembro de 1957 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-0 Vasas (HUN) em 2 de abril de 1958 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 3-2 Young Fellows (SUI) em 5 de junho de 1958 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-1 Bela Vista (BRA) em 7 de agosto de 1958 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-1 Toulouse (FRA) em 2 de outubro de 1958 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-0 Beşiktaş (TUR) em 13 de novembro de 1958 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 3-1 La Chaux-des-Fonds (SUI) em 21 de dezembro de 1958 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 5-2 Zurique (SUI) em 28 de janeiro de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 7-1 Wiener (AUT) em 18 de março de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 5-3 Santos (BRA) em 17 de junho de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 8-3 Fortuna Geleen (HOL) em 25 de agosto de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 7-0 Jeunesse d’Esch (LUX) em 21 de outubro de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 6-5 Manchester United (ING) em 11 de novembro de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 3-2 IFK Malmö (SUE) em 22 de novembro de 1959 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 4-0 Nice (FRA) em 2 de março de 1960 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 6-2 Deportivo Español (ARG) em 18 de janeiro de 1961 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 9-0 Unión Española (CHI) em 25 de janeiro de 1961 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-2 Vasco da Gama (BRA) em 8 de fevereiro de 1961 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-0 Aarhus (DIN) em 2 de março de 1961 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 8-2 Degerfors (SUE) em 15 de março de 1961 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 7-2 Angers (FRA) em 16 de abril de 1961 (Santiago Bernabéu)
Real Madrid 2-3 River Plate (ARG) em 14 de junho de 1961 (Santiago Bernabéu)

Roberto dá a vitória ao River

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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