Há 45 anos, o San Lorenzo alcançava um título nacional de proporções históricas. Para si e para o futebol argentino, em saga relembrada agora que teve um brasileiro como protagonista; foi o segundo torneio, seguido, na elite argentina vencido por um técnico do país vizinho, após Osvaldo Brandão ter treinado o Independiente campeão nacional de 1967 (ver aqui). E, ainda, o último.
Desde a o início do profissionalismo, em 1931, o San Lorenzo, dos cinco grandes do futebol argentino (River, Boca, Racing e Independiente são os outros) era o que vinha devendo: só era campeão a cada treze anos; 1933, 1946 e 1959 haviam sido os títulos anteriores. Pela “mística”, o próximo só viria em 1972 – ano em que, de fato, a equipe seria campeã, e duas vezes, ápice de sua melhor época (leia depois, aqui). Um auge iniciado com o fim em alto estilo do “tabu”: a taça de 1968, primeira vez em que o campeonato argentino profissional foi vencido de forma invicta.
No início dos anos 60, o CASLA encantava com um quinteto ofensivo jovem e irreverente: Narciso Doval, Victorio Casa, Fernando Areán, Héctor Veira e Roberto Telch. O bom futebol, contudo, não vinha dando títulos. Quando a taça enfim veio, o cenário era outro: Casa (ver aqui) e Areán já haviam saído, em 1965. O condicionamento de Veira já pagava por seu comportamento boêmio e relaxado. Doval estava suspenso, sob a acusação de ter assediado uma aeromoça. Só Telch, agora meia, seguia titular.
Outro na titularidade desde aqueles primeiros tempos de Los Carasucias (“Os Cara-Sujas”, gíria para “moleques”, como era então apelidado o elenco) era o zagueiro José Rafael Albrecht, cuervo desde 1963. Ele foi mencionado na revista Placar mais recente, de julho, escalado para “o time dos sonhos” do compatriota Roberto Perfumo, ex-Cruzeiro: “ele batia pênalti, atacava, marcava, fazia gols… completo”. Albrecht, de fato, era um defensor destacado por unir técnica e força e faro goleador, com um ótimo aproveitamento de pênaltis. Apesar da posição, El Tucumano chegou até a usar a camisa 10.
Outros “germânicos” se destacavam: junto de Albrecht na defesa estava Antonio Rosl, considerado o maior lateral-esquerdo da história sanlorencista. No ataque, Rodolfo Fischer, mais tarde grande ídolo do Botafogo e primeiro quem a Argentina convocou do exterior (ver aqui). El Lobo foi o artilheiro dos campeões. Outro que depois passaria pelo Brasil era o goleiro Carlos Buttice, que só sofreu dez gols em 22 jogos, usando as mãos ainda para dirigir o ônibus da delegação desde a concentração até o estádio. El Batman depois jogou no America-RJ, Bahia e Corinthians, onde também jogou Veira. Foi o único título deste como jogador no clube onde, apesar da reserva em 1968, foi eleito o principal ídolo no século XX.
Já Buttice vinha superando o fato de ter vindo justo do arquirrival Huracán, de onde chegou em 1966. Alberto Rendo, curinga de ponta e volante, fizera o mesmo um ano antes e é um dos poucos ídolos em comum na rivalidade: um dos dois únicos que por ambos chegou à seleção (aqui). Na mesma época, em 1966, veio o xerife Oscar Calics, dupla de Albrecht na zaga e com quem estivera na Copa do Mundo de 1966. A defesa era completada pelo lateral-direito Sergio Villar, uruguaio que chegou naquele mesmo 1968 do Defensor para só deixar o Ciclón em 1981, depois de 447 jogos – é quem mais jogou pelo time.
Como Rosl e Villar, o volante Victorio Cocco (ex-Unión) e o habilidoso atacante Carlos Veglio (ex-Deportivo Español) eram outros que só chegaram em 1968, ambos da segundona. Cocco – nascido na cidade de San Lorenzo – viria a ser um dos quatro maiores campeões pelo clube, ao participar de todo os 4 troféus nacionais do ciclo 1968-74, junto de Villar, Telch e do goleiro Agustín Irusta (a quem Buttice deixara no banco). O pedaleiro Fischer já estava desde 1965, mas só naquela época veio a agradar, após início duvidoso. Tanto que o River quase o contratou naquele 1968, antes do torneio.
Completava o time-base o substituto de Doval na ponta-direita: Pedro González, que, embora fosse mais notado por abastecer os gols dos outros do que pelos próprios, marcou ainda dez vezes no torneio, só três a menos que Fischer. Embora não fosse tão hábil, era veloz e inteligente. Seria o primeiro que a Argentina convocou tanto do CASLA quanto do River, onde também seria ídolo: participou ativamente dos títulos que em 1975 quebraram jejum de dezoito anos sem uma taça sequer ali.
O técnico era o brasileiro Elba de Pádua Lima, o Tim, ex-atacante do Fluminense e que jogara a Copa de 1938, tempos em que disputou ríspidos jogos contra a Argentina, em rivalidade estupidamente exaltada que ele soube superar: sobre a perda da Copa América de 1937, creditada pela imprensa brasileira à atmosfera de intimidação, que teria feito os próprios brasileiros a tentarem fugir rumo ao vestiário (o estádio era o do mesmo San Lorenzo que ele treinaria três décadas depois), Tim admitira nos anos 70 à revista Placar que “para falar a verdade, perdemos porque eles jogaram melhor”. Ele também foi o técnico da última seleção peruana presente em uma Copa, a de 1982.
Dos mais agradecidos a Tim, estavam Rendo, o único autorizado a dormir em casa em noite de concentração; os recém-chegados Villar (“para mim, Tim foi extraordinário, eu vinha de um clube modesto do Uruguai, não tinha muito nome, mas ele me deu toda a confiança, e isso que integrei um plantel de grandes jogadores”) e Cocco, que disse que “Tim era incapaz de deixar de fora alguém que jogava bem. Eu fui ao lugar de Veira (…) e a Veglio, que havia chegado comigo, também lhe encontrou um posto atrás de Doval”; e o próprio Doval, que considerava-o o melhor técnico que teve. Foi Tim quem o levou ao Flamengo, aonde o treinador foi ainda em 1968 após resultados ruins pós-título.
O brasileiro prezava pela relação transparente com os jogadores, sem exigir-lhes obediência cega às próprias posições, em troca de um time que soubesse defender e atacar com maestria em campo: “futebol é um lençol curto. Se cobres os pés, te descobres a cabeça, e se cobres a cabeça, te descobres os pés”, explicava. “Tim me dizia: ‘sei que você joga de memória, mas quando sobes, não se esqueça de que os rivais têm centroavantes'”, lembrou Albrecht. Ele e os demais comandados entenderam: além de invictos, foram donos do melhor ataque (44 gols) e da melhor defesa (10) e, na fase inicial, ficaram a simplesmente doze pontos de vantagem do segundo, em época onde a vitória só valia 2.
A fórmula daquele Metropolitano 1968 consistia em duas chaves com onze equipes cada. Cada grupo separava uma rivalidade: o A tinha San Lorenzo, Estudiantes, Racing, Boca, Newell’s, Banfield, Atlanta, Ferro e Platense. No B, os respectivos rivais Huracán, Gimnasia, Independiente, River, Rosario Central, Los Andes (a rivalidade Banfield-Lanús é mais recente), Chacarita, Vélez e Argentinos Jrs. Lanús e Colón completavam o grupo A, enquanto o B também era preenchido por Tigre e Quilmes. Todos enfrentavam-se em turno e returno no interior dos grupos, com a previsão de duas partidas “interzonais” para cada, reservadas normalmente aos clássicos.
Os três últimos dos grupos jogariam um minitorneio contra o rebaixamento; e os dois primeiros iam a semifinais de jogo único, como a final. Na primeira fase, o San Lorenzo empatou 8 e venceu 14, com destaque para, fora de casa, 5-1 no Atlanta e 3-0 no Ferro, 2-1 no Boca na Bombonera e 2-0 no Newell’s em Rosario. Dentro do Gasómetro, 5-0 no Ferro, 3-0 no Banfield, 4-0 no Colón, 4-1 no Atlanta, 3-0 no Racing. Dos empates, o mais sofrido foi no último compromisso antes das finais, no clássico contra o Huracán em pleno Gasómetro: “perdíamos por 2-0 faltando pouco e eu descontei. Depois, empatou Fischer quase no fim. Assim, mantivemos a invencibilidade”, afirmou Veglio.
Veglio e Fischer também marcariam os gols do título. Antes, o Ciclón despachou com um 3-1 o River nas semis (o lendário e veterano goleiro Amadeo Carrizo deixou o oponente após a eliminação). A decisão, naquele 4 de agosto do turbulento 1968, foi contra o Estudiantes, que vivia sua fase mais brilhante, recém-campeão pela primeira vez da Libertadores (aqui), após ter sido no ano anterior campeão do Metropolitano e vice do Nacional (aqui), os dois torneios que entre 1967 e 1985 dividiram o calendário anual dos principais clubes do país. A equipe de La Plata foi justamente quem havia sido a segunda colocada para os azulgranas na fase inicial. E celebrava aniversário naquele dia.
Conforme Rendo, o San Lorenzo tinha “um time completo, tinha tudo, jogava e ia à frente, por isso chegou até a fase final. O certo é que tivemos que enfrentar o mesmo time que no grupo havíamos sacado 12 pontos [de vantagem] e não foi fácil a definição. Mas se demonstrou a capacidade dos jogadores e também do treinador”. De fato, a taça só veio após virada na prorrogação. No neutro Monumental de Núñez, Juan Ramón Verón (pai de Juan Sebastián Verón e igualmente craque) abriu o placar aos 2 do 2º tempo e Veglio igualou aos 22. Já aos 5 do 2º tempo extra, Fischer virou com uma bomba de fora da área. Los Carasucias, enfim, viravam para sempre Los Matadores. Reconhecidos pelos próprios derrotados, que reuniram-se para aplaudir a volta olímpica dos campeões invictos.
FICHA DA PARTIDA – San Lorenzo: Buttice, Villar, Calics, Albrecht e Rosl, Rendo, Cocco e Telch; González, Fischer e Veglio. T: Tim. Estudiantes: Alberto Poletti, Néstor Togneri, José Medina, Oscar Malbernat, Carlos Pachamé, Hugo Madero, Juan Echecopar, Carlos Bilardo, Marcos Conigliario, Eduardo Flores e Juan Ramón Verón. T: Osvaldo Zubeldía. Árbitro: Miguel Comesaña. Gols: Verón (2/2º), Veglio (22/2º) e Fischer (5/2º da prorrogação)
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