“Era uma cancha muito rápida, como são todas agora, então (o treinador) preferiu pôr um time mais leve e deixou de fora alguns titulares. Tirou (Francisco) Sá, (Roberto) Mouzo e (Jorge) Benítez e nos pediu que fôssemos atacar de uma vez. Porque nessa época, de visitante, muitos esperavam ver o que o outro fazia, iam buscar um resultado. E em 38 minutos lhes ganhávamos de 3-0. No segundo tempo nos atacaram muitíssimo, mas Hugo (Gatti) agarrou tudo”.
Não fosse os nomes mencionados, talvez o leitor, sabedor que a declaração acima refere-se a um Mundial Interclubes, pensasse se tratar do Flamengo 3-0 Liverpool, em 1981. Mas a descrição, de Carlos Loco Salinas, se refere à decisão de 1977, travada já no segundo semestre do ano seguinte. Por sinal, com o próprio Liverpool dando no pé, mas com o diferencial da goleada ocorrer em solo oponente e não em campo neutro – só o Santos de Pelé conseguiu placar maior nas mesmas circunstâncias, o 5-2 sobre o Benfica na Luz em 1962. Melhor para o Boca: há 40 anos, os xeneizes ganhavam o mundo pela primeira vez, e já ali cumpriam uma tônica familiar, apoiando-se na força coletiva de nomes não tão badalados ao invés de grandes astros. Os próprios gols saíram mais em jogadas de equipe, com assistências perfeitas para o gol vazio, do que em um grande lance individual. E sem conservar nenhum jogador da seleção recém-campeã mundial em junho.
Tanto é verdade que o jornalista Diego Chavo Fucks, mesmo não exatamente visto como um simpatizante do clube, chegou a ironizar que “a seleção nacional venceu o Mundial de 1978 sem jogadores do Boca. Mas o Boca, cavalheiro, venceu o Mundial sem jogadores da seleção. Agora, eles estão quites”. Era uma alusão ao fato de que semanas antes, ao fim de junho daquele ano, a Albiceleste ter vencido a Copa sem um único xeneize entre os 22 convocados. Quem mais chegou perto foram o goleiro Hugo Gatti, que pediu folga para tratar de lesão e acabou excluído ainda na pré-convocação em 1977; o zagueiro Vicente Pernía (seu filho Mariano jogou a Copa de 2006 pela Espanha), crucificado após expulsão em amistoso contra a Escócia, também em 1977; e o atacante Ernesto Heber Mastrángelo, colocado entre os 40 pré-convocados.
O lateral Alberto Tarantini, outro vencedor da Libertadores de 1977, desligou-se ainda naquele ano do Boca e disputou a Copa de 1978 considerado oficialmente como “sem clube”. O técnico boquense era Juan Carlos Lorenzo, que não teria uma boa relação com César Menotti. Lorenzo fizera história como o treinador do San Lorenzo que venceu os dois torneios argentinos da época (Metropolitano e Nacional) em 1972, algo inédito (ver aqui) e que repetiu no Boca em 1976, com direito a derrotar o River na final do Nacional – foi a primeira e única vez em que os arquirrivais decidiram o campeonato argentino em uma final.
O detalhe é que aquele elenco do Boca estava longe de configurar um grupo entrosado havia anos. Após três anos de futebol vistoso mas sem títulos sob o treinador Rogelio Domínguez, o clube contratou o pragmático Lorenzo, então no Unión e técnico da Argentina nas Copas de 1962 e 1966. El Toto trouxe consigo Gatti e Mastrángelo, com quem trabalhava na equipe de Santa Fe, que vivia seu período mais glorioso. Curiosamente, os dois jogadores começaram no Atlanta e chegaram à seleção jogando pelo River, mas torciam pelo Boca e enfim jogariam no time do coração (ver aqui).
O técnico mal chegou e dispensou alguns ídolos bosteros: o zagueiro Roberto Rogel, os meias Osvaldo Potente e Marcelo Trobbiani, o ponta Enzo Ferrero, o atacante Carlos García Cambón, ainda recordista de gols em um único Superclásico. Sob El Toto Lorenzo, chegaram ainda os defensores Rubén Suñé, de volta após quatro anos e futuro autor do gol daquele título sobre o River, e Francisco Sá (jogador mais vencedor da Libertadores: tetra de 1972-75 pelo Independiente, foi convencido por Lorenzo a não ir à Colômbia e no Boca venceria o bi de 1977-78); o meia Mario Zanabria, herói do primeiro título nacional do Newell’s, em 1974; o ponta Darío Felman e o atacante Carlos Veglio, com quem o técnico trabalhara naquele San Lorenzo.
Um Boca bem reformulado venceu os dois títulos caseiros de 1976 e também a primeira Libertadores xeneize, em 1977, onde a equipe se deu ao gosto de eliminar na primeira fase River e Peñarol. A final, a primeira decidida nos pênaltis, foi contra o Cruzeiro. Deveria enfrentar o campeão europeu, o Liverpool, em partidas de ida e volta. Um conflito de datas e o temor da equipe inglesa em expor seus jogadores a eventuais protestos pelas Malvinas em uma recém-instaurada ditadura militar minou a realização. Veio no lugar seu vice, o Borussia Mönchengladbach.
Se os mais jovens prestigiam o Borussia Dortmund, na época este outro Borussia (“Prússia”, em latim), que mal é coadjuvante atualmente, é que era o grande time alemão a fazer frente ao Bayern Munique. Entre 1974 e 1977, o ‘Gladbach foi tri seguido na Bundesliga, algo não mais repetido nas Alemanhas Ocidental e reunificada por outro clube que não seja o Bayern – e o tetra dos “potros” só não viera em 1978 pelos critérios de desempate. E era um time onde seu grande nome já não tinha espaço, o veterano Jupp Heynckes – o mesmo que treinou o Bayern multicampeão de 2013. Outro ponto em comum entre os rivais alemães da época era o técnico do Borussia, Udo Lattek, que treinara os bávaros na primeira metade dos anos 70.
Se o Heynckes jogador decaía, o oponente ainda tinha o então capitão da seleção alemã, Berti Vogts, e o dinamarquês Allan Simonsen, ninguém menos que o Bola de Ouro europeu em 1977. A ida, na Bombonera, encerrou-se com um temeroso 2-2 onde os visitantes vinham vencendo de virada antes dos 30 minutos do 1º tempo, mesmo sem contar com o tal Simonsen. Mastrángelo abriu o placar aos 16, Wilfried Hannes e Rainer Bonhof (na seleção alemã na Copa de 1978) fizeram aos 24 e 29.
O empate veio aos 6 do 2º tempo, com outro reforço de Lorenzo, Jorge Ribolzi. Este jogo ocorreu em 21 de março, quatro meses antes da volta. Nesse intervalo, em que a Argentina foi campeã mundial, Lorenzo pôs-se a estudar melhor o rival. Mastrángelo revelou que o técnico chegou a infiltrar um amigo seu, de origem germânica e que falava bem o alemão, a se passar por jornalista do próprio país europeu e acompanhar “desapercebido” um mês de treinamentos do Mönchengladbach. El Toto também estava consciente de que o oponente, na virada de julho para agosto, estava ainda no aquecimento de uma pré-temporada.
Tal clima de pré-temporada no adversário e a necessidade argentina de vencer a partida, uma vez que empates em até 1-1 dariam o título aos alemães, fez Lorenzo escalar um time ofensivo mesmo jogando fora de casa. “Ilustrei o time como uma flecha, muito rápido. Foi por isso que coloquei Tesare e Bordón em vez de Sá e Mouzo”, contou. Veglio foi outro sacrificado e detalhou já em 2016: “ninguém gosta de sair. Aqui empatamos em 2-2 e para a revanche, que se jogou uns meses depois, tirou Sá, Mouzo e a mim, três titulares. Colocou Tesare e Bordón atrás. ‘Estes são aviões, preciso de caras rápidos, e vocês não são’, lhes disse. E a mim: ‘os dois zagueiros deles medem 1,90m, vou mandar Saldaño para que os choque e os choque e os choque e você vai entrar no segundo tempo’. Jogou com três pontas”.
De fato, o trio ofensivo xeneize não era composto por nenhum matador. Saldaño se complementou a Felman e Salinas (por sinal, outro ex-River, onde já se assumia torcedor do Boca em tempos de menos violência entre torcidas), no máximo talismãs lembrados mais pela importância do que pela quantidade de seus gols. Contra a expectativa dos próprios argentinos, que se despediram do Boca com certo ceticismo e indiferença, a fórmula deu muito certo no Wildparkstadion de Karlsruhe. Foi uma blitzkrieg futebolista. Dos argentinos: logo aos 2 minutos, abriram o placar, por meio de Felman.
Felman, na verdade, já estava no Valencia, mas combinou com o clube espanhol em ser cedido rapidamente de volta aos bosteros para aquele jogo. Mastrángelo, que superou a poliomielite na infância para ser outro talismã de poucos mas emblemáticos gols daquele Boca de Lorenzo, anotou o segundo aos 33 (na imagem que abre a matéria). Seis minutos depois, Salinas deu números finais. Foi o gol mais bonito: El Loco, que era volante, entrou na grande área e definiu encobrindo o goleiro alemão. Outro ex-River (algo que se aplicava também ainda ao barrado Francisco Sá), ele chegara naquele 1978 ao Boca. Anos depois, ficaria marcado por marcar o gol que rebaixou o San Lorenzo, pelo Argentinos Jrs – foi exatamente um dos jogadores cedidos pelos auriazuis aos colorados em troca por Maradona.
Foi o ápice de uma era que ia chegando ao fim. Ainda naquele semestre, o Boca de Lorenzo, que já não se focava nos torneios domésticos, perdeu em outubro o título argentino para o nanico Quilmes, mas em novembro foi bi na Libertadores. O Liverpool, que também havia sido bi na Liga dos Campeões em 1978, voltou a não se interessar pelo Mundial, tampouco seu vice Brugge. Em 1979, com o vice na Libertadores para o Olimpia, o ciclo acabou. Também ia saindo de cena Alberto Jacinto Armando, presidente xeneize entre 1960-80 e cujo nome batiza oficialmente La Bombonera.
Depois daquele período, o clube viveu de lampejos por duas décadas, como na euforia da curta Primeira Era Maradona. Mas nem a volta de Dieguito em meados dos anos 90 foi capaz de frear uma longa crise. A estabilidade só foi retomada na virada do século, já sob Carlos Bianchi.
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