Foi em um 1 de agosto de 1978 que a Taça Intercontinental de 1977 foi enfim decidida. Melhor para o Boca Juniors. Há 35 anos, os auriazuis venciam o torneio pela primeira vez, e já ali cumprindo uma tônica familiar, apoiando-se na força coletiva de nomes não tão badalados ao invés de grandes astros. Os próprios gols (ao fim do texto) saíram mais em jogadas de equipe, com assistências perfeitas para o gol vazio, do que em um grande lance individual.
Tanto é verdade que o jornalista Diego Chavo Fucks, simpatizante do clube, chegou a ironizar que “A seleção nacional venceu a Copa do Mundo de 1978 sem jogadores do Boca. Mas o Boca, cavalheiro, venceu a Copa do Mundo sem jogadores da seleção. Agora, eles estão quites”. Era uma alusão ao fato de que semanas antes, ao fim de junho daquele ano, a Albiceleste ter vencido a Copa sem um único xeneize entre os 22 convocados. Quem mais chegou perto foram o goleiro Gatti, que pediu folga para tratar de lesão e acabou excluído ainda em 1977; o zagueiro Pernía (seu filho Mariano jogou a Copa de 2006 pela Espanha), crucificado após expulsão em amistoso contra a Escócia, também em 1977; e o atacante Mastrángelo, colocado entre os 40 pré-convocados.
O lateral Alberto Tarantini, outro vencedor da Libertadores de 1977, desligou-se do Boca ao fim de seu contrato e disputou a Copa de 1978 considerado oficialmente como “sem clube”. O técnico boquense era Juan Carlos Lorenzo, que não teria uma boa relação com César Menotti. Lorenzo fizera história como o treinador do San Lorenzo que venceu os dois torneios argentinos da época (Metropolitano e Nacional) em 1972, algo inédito (ver aqui) e que repetiu no Boca em 1976, com direito a derrotar o River na final do Nacional – foi a primeira vez em que os arquirrivais decidiram o campeonato argentino em uma final.
O detalhe é que aquele elenco do Boca estava longe de configurar um grupo entrosado havia anos. Após três anos sem títulos sob o treinador Rogelio Domínguez, o clube contratou Lorenzo, então no Unión e técnico da Argentina nas Copas de 1962 e 1966. El Toto trouxe consigo Gatti e Mastrángelo, com quem trabalhava na equipe de Santa Fe. Curiosamente, os dois jogadores começaram no Atlanta e chegaram à seleção jogando pelo River, mas torciam pelo Boca e enfim jogariam no time do coração (ver aqui). O técnico mal chegou e dispensou alguns ídolos bosteros: o zagueiro Roberto Rogel, os meias Osvaldo Potente e Marcelo Trobbiani, o ponta Enzo Ferrero, o atacante Carlos García Cambón.
Sob El Toto Lorenzo, chegaram ainda os defensores Rubén Suñé (de volta após quatro anos) e Francisco Sá (maior vencedor da Libertadores: tetra de 1972-75 pelo Independiente, foi convencido por Lorenzo a não ir à Colômbia e no Boca venceria o bi de 1977-78), o meia Mario Zanabria (herói do primeiro título nacional do Newell’s, em 1974), o ponta Darío Felman e o atacante Carlos Veglio (com quem trabalhara naquele San Lorenzo). Um Boca bem reformulado venceu os dois títulos caseiros de 1976 e também a primeira Libertadores xeneize, em 1977, onde a equipe se deu ao gosto de eliminar na primeira fase River e Peñarol. A final, a primeira decidida nos pênaltis, foi contra o Cruzeiro.
Deveria enfrentar o campeão europeu, o Liverpool, em partidas de ida e volta. Um conflito de datas e o temor da equipe inglesa em expor seus jogadores a eventuais protestos pelas Malvinas em uma recém-instaurada ditadura militar minou a realização. Veio no lugar seu vice, o Borussia Mönchengladbach. Se os mais jovens prestigiam o Borussia Dortmund, na época este outro Borussia (“Prússia”, em latim), hoje decadente, é que era o grande time alemão a fazer frente ao Bayern Munique. Entre 1974 e 1977, o ‘Gladbach foi tri seguido na Bundesliga, algo não mais repetido nas Alemanhas Ocidental e reunificada por outro clube que não seja o Bayern. E era um time onde seu grande nome já não tinha espaço, o veterano Jupp Heynckes – o mesmo que treinou o Bayern multicampeão na última temporada.
Outro ponto em comum entre os rivais alemães da época era o técnico do Borussia, Udo Lattek, o mesmo que treinara os bávaros na primeira metade dos anos 70. O oponente do Boca tinha ainda o capitão da seleção alemã, Berti Vogts, e o dinamarquês Allan Simonsen, ninguém menos que o Bola de Ouro europeu em 1977. A ida, na Bombonera, encerrou-se com um temeroso 2-2 onde os visitantes, sem Simonsen, vinham vencendo de virada antes dos 30 minutos do 1º tempo. Mastrángelo abriu o placar aos 16, Wilfried Hannes e Rainer Bonhof (na seleção alemã na Copa de 1978) fizeram aos 24 e 29.
O empate veio aos 6 do 2º tempo, com outro reforço de Lorenzo, Jorge Ribolzi. Este jogo ocorreu em 21 de março, quatro meses antes da volta. Nesse intervalo, em que a Argentina foi campeã mundial, Lorenzo pôs-se a estudar melhor o rival. Mastrángelo revelou que o técnico chegou a infiltrar um amigo seu, de origem germânica e que falava bem o alemão, a se passar por jornalista do próprio país europeu e acompanhar “desapercebido” um mês de treinamentos do Mönchengladbach. El Toto também estava consciente de que o oponente estava ainda no aquecimento de uma pré-temporada.
Isso e a necessidade de vencer a partida, uma vez que empates em até 1-1 dariam o título aos alemães, o fez escalar um time ofensivo mesmo jogando fora de casa. “Ilustrei o time como uma flecha, muito rápido. Foi por isso que coloquei Tesare e Bordón em vez de Sá e Mouzo”, contou. Contra a expectativa dos próprios argentinos, que se despediram do Boca com certo ceticismo e indiferença, a fórmula deu muito certo no Wildparkstadion de Karlsruhe. Foi uma blitzkrieg futebolista.
Logo aos 2 minutos, os auriazuis abriram o placar, por meio de Felman. Ele, na verdade, já estava no Valencia, mas combinou com o clube espanhol em ser cedido rapidamente de volta aos bosteros para aquele jogo. Mastrángelo, que superou a poliomielite na infância para ser o goleador daquele Boca de Lorenzo, anotou o segundo aos 33. Seis minutos depois, Carlos Salinas (outro ex-River, como Mastrángelo) deu números finais. Foi o gol mais bonito: El Loco, que era volante, entrou na grande área e definiu encobrindo o goleiro alemão. Outro ex-River, ele chegara naquele 1978 ao Boca.
Foi o ápice de uma era que ia chegando ao fim. Ainda naquele semestre, o Boca de Lorenzo, que já não se focava nos torneios domésticos, perdeu o título argentino para o nanico Quilmes, mas foi bi na Libertadores. Em 1979, com o vice na Libertadores para o Olimpia, o ciclo acabou. Também ia saindo de cena Alberto Jacinto Armando, presidente xeneize entre 1960-80 e cujo nome batiza oficialmente La Bombonera. Depois daquele período, o clube viveu de lampejos por duas décadas, como a euforia da curta Era Maradona, reestabilizando-se bem só na virada do século, já sob Carlos Bianchi.
FICHA DA PARTIDA – Boca: Hugo Gatti, José Luis Tesare, Vicente Pernía, Rubén Suñé, Miguel Bordón e José María Suárez; Ernesto Mastrángelo, Mario Zanabria, José Luis Saldaño (Carlos Veglio 1/2º), Carlos Salinas e Darío Felman. T: Juan Carlos Lorenzo. Borussia Mönchengladbach: Wolfgang Kneib, Norbert Ringels, Wilfried Hannes, Horst Wohlers (Winfried Schäfer 1/2º) e Berti Vogts, Carsten Nielsen, Hans-Günther Bruns e Christian Kulik, Allan Simonsen, Helmut Lausen (Ewald Lienen 27/2º) e Rudi Gores. T: Udo Lattek. Árbitro: Roque Cerullo (URU). Gols: Felman (2/1º), Mastrángelo (33/1º) e Salinas (39/1º)
http://www.youtube.com/watch?v=1vxhok3qk3E
http://www.youtube.com/watch?v=FKp2QWVQ_Aw
http://www.youtube.com/watch?v=84LRE9V7th4
http://www.youtube.com/watch?v=ggqICZofJUk
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